Criadores de conteúdo relacionam medicamento com doenças, infertilidade e alterações comportamentais e divulgam métodos ineficazes, como tabelinha
Eles geralmente falam sobre ioga e alimentação saudável. Mas alguns influenciadores digitais focados em bem-estar agora voltaram sua atenção para as pílulas anticoncepcionais – que, segundo eles, causariam uma série de doenças. O movimento tem acendido o alerta de especialistas nos Estados Unidos, que chamam atenção para o efeito das alegações sem base em evidências científicas.
Essa explosão de desinformação sobre a pílula no TikTok e no Instagram – o que, para especialistas, eleva o risco de gravidezes indesejadas – ocorre no momento em que questões sobre acesso ao aborto e métodos contraceptivos estão no centro do debate no país norteamericano.
Taylor Gossett, que acumula quase 200 mil seguidores no TikTok, é um desses influenciadores. Ela chama a pílula de “tóxica” ao mesmo tempo em que oferece um curso sobre contracepção “natural” para sua audiência.
Na mesma plataforma, a conservadora Candace Owens sugere, sem fornecer evidências, que o medicamento causaria problemas de infertilidade. Enquanto isso, o treinador autopromovido Naftali Moses afirmou a seus 280 mil apoiadores que a pílula “muda seu comportamento sexual”.
Já em vídeo com mais de 550 mil visualizações, a podcaster Sahara Rose chegou ao ponto de denunciar o medicamento como uma “pílula do divórcio”, porque levaria as pessoas que a tomam a se interessarem pelo parceiro alheio.
Efeitos colaterais da pílula anticoncepcional nas mulheres são de fato um objeto de debate há décadas, com algumas queixas especialmente ligadas à diminuição da libido ou ao ganho de peso.
No entanto, especialistas em saúde acreditam que essas experiências individuais não refletem uma verdadeira relação causal e argumentam que não há evidências científicas de efeitos generalizados sobre a fertilidade ou o comportamento sexual, como propagam os influenciadores nas redes.
Ainda assim, os cientistas estão em alerta por acreditarem que a nova campanha de desinformação pode dissuadir as pessoas a usarem a pílula, afirma Michael Belmonte, membro da ACOG, uma importante associação de obstetras e ginecologistas dos EUA.
Para ele, “a coisa mais preocupante no atual cenário político dos Estados Unidos” é que essas mesmas mulheres “podem não ter acesso ao aborto” depois, diz à AFP. O médico contou que ele mesmo já tratou pacientes que engravidaram depois de interromper o uso de anticoncepcionais devido a essa “desinformação prejudicial”.
Desde que a Suprema Corte derrubou a garantia federal do direito ao aborto nos EUA, em 2022, cerca de 20 estados proibiram ou restringiram severamente a prática. A pesquisadora de desinformação Jenna Sherman viu “uma correlação entre esse aumento da desinformação sobre contraceptivos e a restrição do acesso ao aborto”.
— As pessoas precisam de mais conselhos para tomar decisões sobre saúde reprodutiva e têm cada vez mais medo de conversar com um profissional — diz à AFP.
Por exemplo, alguns influenciadores recomendam o rastreamento do ciclo menstrual e da temperatura corporal para programar o sexo fora das janelas férteis, técnica conhecida como tabelinha. Mas os especialistas consideram essas recomendações muito menos eficazes, com uma taxa de falha de até 23% levando a gravidezes indesejadas.
Outros aconselham o abandono dos contraceptivos para perder peso, geralmente com a ajuda de vídeos espetaculares de “antes e depois”. Novamente, porém, sem evidências científicas de que essa relação existiria.
Mas essa desinformação pode ter um impacto psicológico importante: — É provável que ela contribua para aumentar a vergonha, a estigmatização e a distorção da imagem corporal — argumenta Jenna Sherman.
Os especialistas consideram a pílula anticoncepcional segura e eficaz, mas, como qualquer medicamento, ela pode ter efeitos colaterais: náusea, dor de cabeça, sangramento entre os períodos menstruais. Em casos raros, elas também podem causar coágulos sanguíneos e derrames.
Porém, os benefícios superam e muito os riscos. Geralmente, casos de coágulos sanguíneos podem afetar de três a nove mulheres que tomam a pílula em um grupo de 10 mil pessoas, de acordo com as autoridades de saúde.
— As pessoas não percebem que muitos influenciadores têm seus próprios interesses financeiros na disseminação de informações falsas ou enganosas e não priorizam a saúde das pessoas que estão sendo visadas — explica Sherman.