Veículo: Medscape
Clique aqui para ler a notícia na fonte
Região:
Estado:
Alcance:

Data: 22/05/2024

Editoria: Sem categoria
Assuntos:

Rastreamento do câncer de mama em mulheres de alto risco: qual o melhor exame?

Certas opções de rastreamento complementar melhoram a taxa de detecção de câncer, mas também podem aumentar o risco de achados falso-positivos e biópsias desnecessárias. Por outro lado, alguns exames podem oferecer benefícios adicionais limitados na detecção de neoplasias.

Definitivamente, “nem todos os exames de rastreamento são iguais”, disse ao Medscape a Dra. Bethany L. Niell, Ph.D., radiologista e chefe do departamento de imagem mamária do Moffitt Cancer Center, nos EUA. Na recente conferência anual da National Comprehensive Cancer Network (NCCN), a Dra. Bethany explorou as diferenças entre algumas das modalidades complementares mais comuns (como a tomossíntese digital mamária, a ultrassonografia e a ressonância magnética) tentando esclarecer as possíveis opções para diferentes perfis de pacientes.

A decisão de prosseguir com o rastreamento complementar e a escolha do método diagnóstico dependem do nível de risco da paciente e de fatores de risco específicos, como história familiar de câncer de mama, densidade mamária e certas mutações genéticas.

De forma geral, mulheres com um risco vitalício de câncer inferior a 15% são consideradas de risco habitual, enquanto aquelas com um risco superior a 20% são consideradas de alto risco, sendo que alguns fatores pesam fortemente nessa avaliação. Por exemplo, o risco vitalício de câncer de mama chega a 72% em pacientes portadoras de mutações no gene BRCA1 e 69% naquelas com mutações no gene BRCA2.

Identificar quais mulheres têm um risco mais elevado de câncer de mama, quando realizar um rastreamento complementar associado à mamografia e qual a melhor abordagem de rastreamento em cada situação pode melhorar a detecção oncológica e minimizar a chance de diagnósticos casuais.

Comparando abordagens

Em 2021, o American College of Radiology (ACR) elaborou “critérios de adequação” para o rastreamento complementar do câncer de mama.

Em uma publicação, um painel de especialistas definiu que mulheres com risco habitual ou intermediário e mamas não densas poderiam ser submetidas ao rastreamento complementar por meio da tomossíntese digital mamária, também conhecida como mamografia tridimensional. Já as mulheres de alto risco com mamas não densas poderiam ser avaliadas por meio da tomossíntese digital mamária ou da ressonância magnética com e sem contraste intravenoso.

Em mulheres com risco habitual ou intermediário e mamas densas, a tomossíntese digital mamária é “geralmente adequada”. No entanto, uma abordagem baseada na mamografia com contraste intravenoso mais ressonância magnética ou na ressonância magnética abreviada com e sem contraste intravenoso associada à ultrassonografia também pode ser apropriada.

Mulheres de alto risco com mamas densas têm uma gama mais ampla de opções válidas, dentre elas a tomossíntese digital mamária associada à ressonância magnética ou a ressonância magnética abreviada com e sem contraste intravenoso combinada com a ultrassonografia.

Embora as taxas de detecção de câncer associadas a essas abordagens de rastreamento complementar dependam do nível de risco e da densidade mamária de cada paciente, é preciso pesar o benefício de detectar mais neoplasias versus a desvantagem de gerar mais achados falso-positivos e aumentar o risco de diagnósticos casuais.

Pesquisas relacionadas à tomossíntese digital mamária, que captura uma imagem quase tridimensional da mama e exibe o tecido mamário em cortes axiais finos, indicam que essa abordagem pode detectar mais cânceres em comparação com a mamografia convencional isolada, além de reduzir o número de falso-positivos.

No geral, estudos mostram que a associação da tomossíntese digital mamária com a mamografia aumenta a taxa de detecção de câncer, em comparação com a mamografia isolada, em um a três cânceres por 1.000 mulheres rastreadas, sendo o maior aumento observado em mulheres com mamas densas, segundo o painel de especialistas do ACR.

Quanto aos falso-positivos, um estudo de 2018 mostrou que associar a tomossíntese digital mamária à mamografia diminuiu os achados falso-positivos em 15,5 por 1.000 mulheres rastreadas.

“A tomossíntese digital mamária nos ajudou muito a reduzir os falso-positivos, o que significa que existem menos chances de que [o médico] tenha que reconvocar uma paciente para uma mamografia de rastreamento devido a um achado que não corresponde a câncer”, explicou a Dra. Bethany em sua apresentação na conferência da NCCN.

A ultrassonografia tem a vantagem de detectar mais cânceres do que a mamografia ou a tomossíntese digital mamária; entretanto, esse método também está associado a uma taxa mais elevada de biópsias benignas e falso-positivas.

Uma revisão de 21 estudos publicada em 2020 mostrou uma taxa de sensibilidade combinada para a mamografia mais ultrassonografia de 96% versus 74% para a mamografia isolada em mulheres com mamas densas. Entretanto, também foram vistas taxas de especificidade mais baixas (87% vs. 93%), que correspondem a uma diferença de quase 100% na taxa de falso-positivos em comparação com a mamografia isolada (13% vs. 7%).

No geral, a ressonância magnética das mamas com e sem o contraste à base de gadolínio aumenta significativamente a taxa de detecção de câncer em relação a outras abordagens de rastreamento.

A ressonância magnética também está associada a um risco praticamente nulo de “cânceres de intervalo” (neoplasias que surgem no período entre os exames de rastreamento e frequentemente estão associadas a piores desfechos) e sua acurácia não depende da densidade mamária, explicou a Dra. Bethany.

Inclusive, estudos mostram que a ressonância magnética é a melhor opção de rastreamento complementar para mulheres de risco habitual ou intermediário com mamas densas que tiveram uma mamografia negativa, com dados combinados de 22 estudos mostrando um aumento na taxa de detecção de câncer de 1,54 caso por 1.000 exames de rastreamento. Esse aumento superou as taxas detecção de câncer relacionadas à ultrassonografia portátil (0,35 por 1.000 exames), ultrassonografia automatizada das mamas (0,26 por 1.000 exames) e tomossíntese digital mamária (0,14 por 1.000 exames).

A ressonância magnética abreviada, que exige menos sequências e demanda um tempo de execução significativamente menor, também apresentou uma alta acurácia, com pesquisas mostrando uma sensibilidade de 95,7% para o câncer invasivo e o carcinoma ductal in situ, em comparação com 39% no caso da tomossíntese digital mamária. Embora a especificidade da ressonância magnética abreviada seja inferior à da tomossíntese digital mamária (87% vs. 97%, respectivamente), essa modalidade diagnóstica está associada a uma alta taxa de detecção de neoplasias invasivas, diagnosticando 12 cânceres a cada 1.000 exames, sendo que em 96% dos casos as pacientes não apresentavam sinais de acometimento linfonodal.

Uma vantagem da ressonância magnética abreviada em relação à convencional é o tempo de realização do exame. A ressonância magnética convencional pode levar até uma hora para ser realizada, enquanto o exame abreviado normalmente leva cerca de dez minutos ou menos; “portanto, esse é um exame mais fácil de ser realizado em pacientes que podem ter dificuldade em ficar paradas dentro do aparelho”, disse a Dra. Bethany.

Entretanto, de forma geral, a ressonância magnética (seja ela convencional ou abreviada) é superior na detecção do câncer de mama na maioria dos cenários.

“Que eu saiba, não existe nenhuma população estudada na qual a ressonância magnética não supere a mamografia, a tomossíntese digital mamária ou a ultrassonografia”, disse a Dra. Bethany.

Todavia, existem algumas ressalvas quanto à ressonância magnética. Embora ela tenha uma sensibilidade muito alta para cânceres invasivos e carcinoma ductal, dados mostram que a taxa de falso-positivos é maior em comparação com a mamografia. No geral, cerca de um em cada dez exames de ressonância magnética apresentam alterações e a taxa de falso-positivos varia entre aproximadamente 5% e 11%.

“Esses números podem ser úteis na conversa com as pacientes, dando-lhes expectativas realistas”, disse a Dra. Bethany. “Encontramos muito mais cânceres, mas também precisamos fazer mais biópsias.”

Além disso, embora o rastreamento por ultrassonografia e ressonância magnética possa detectar mais lesões neoplásicas, nem todos os especialistas concordam com a sua utilização no rastreamento complementar de mulheres com mamas densas.

Por exemplo, na última atualização das suas diretrizes de rastreamento mamário, a U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) não encontrou “evidências suficientes sobre os benefícios e danos” do rastreamento complementar com ultrassonografia mamária ou ressonância magnética em mulheres com mamas densas que tiveram uma mamografia de rastreamento negativa.

As recomendações atualizadas da USPSTF, publicadas em 30 de abril no periódico JAMA, destacaram que mulheres submetidas ao rastreamento complementar por ressonância magnética apresentaram índices mais elevados de reconvocações (94,9 por 1.000 pacientes rastreadas), reconvocações com achados falso-positivos (80,0 por 1.000 rastreadas) e biópsias falso-positivas (62,7 por 1.000 rastreadas).

No entanto, em um editorial que acompanha as diretrizes da USPSTF, a Dra. Wendie A. Berg, Ph.D., radiologista ligada à University of Pittsburgh, nos EUA, trouxe uma opinião diferente. Segundo ela, a equipe da USPSTF “subestimou” os benefícios da ressonância magnética complementar bienal em reduzir a incidência de cânceres de intervalo, pois as suas estimativas também incluíam mulheres que foram convocadas para rastreamento, mas recusaram o exame.

Ao focar somente nas pacientes submetidas ao rastreamento bienal com ressonância magnética, apenas 0,8 em cada 1.000 mulheres rastreadas teve algum câncer de intervalo, em comparação com 4,9 em 1.000 que recusaram o exame e 5 em 1.000 que não foram convocadas para rastreamento complementar, explicou a Dra. Wendie.

Com relação ao problema dos falso-positivos, ela apontou que as taxas desse tipo de achado diminuíram significativamente entre o primeiro e o segundo anos de ressonância magnética complementar.

Em outro editorial publicado juntamente às diretrizes da USPSTF, os médicos Dra. Joann G. Elmore, da University of California Los Angeles, e Dr. Christoph I. Lee, da University of Washington, ambas nos EUA, concordaram que “atualmente a ressonância magnética é o método de escolha” em mulheres que atendem aos critérios de alto risco para o rastreamento mamário complementar. Além disso, os especialistas acrescentaram que a mamografia com contraste também tem se mostrado promissora nessa população, e a ultrassonografia de rastreamento “pode ser considerada” em pacientes que não toleram a ressonância magnética e a mamografia com contraste ou não têm acesso a esses exames.

Mais dicas de rastreamento

Os especialistas destacaram várias outras recomendações importantes para os médicos:

  • Não se baseie apenas na história familiar para determinar o risco da paciente. “Existe um equívoco de que mulheres sem história familiar [positiva] ou fatores de risco não têm risco [de câncer]”, disse a Dra. Andrea V. Barrio, médica vinculada ao Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos EUA, que moderou a apresentação realizada na conferência da NCCN, acrescentando que o motivo mais comum para avaliar a história familiar é que ela pode indicar a presença de uma mutação genética. A Dra. Bethany concordou com essa fala e apontou que “os médicos tendem a se basear excessivamente na história familiar e a subutilizar modelos validados de risco de câncer de mama para estimar o risco oncológico”.
  • Não presuma que todas as pacientes são de risco habitual. Utilize modelos de risco validados, disponíveis on-line, para determinar o risco de pacientes com ou sem história familiar de câncer de mama. Existem diferentes tipos de modelos, mas “é importante usar essas ferramentas para prever o risco de câncer de mama, em vez de focar apenas na história familiar da paciente ou na densidade mamária vista na mamografia mais recente”, disse a Dra. Bethany.
  • Evidências disponíveis também indicam que as melhores taxas de detecção são vistas nas abordagens que utilizam meios de contraste, em comparação com os métodos sem contraste. Os exames de rastreamento com contraste “detectam mais cânceres de mama do que aqueles que não utilizam contraste intravenoso”, disse a Dra. Bethany.

No entanto, ela apontou que o rastreamento complementar não deve substituir a mamografia de rastreamento na maioria dos casos.

Por exemplo, se a paciente tiver feito uma longa viagem até o centro diagnóstico, a Dra. Bethany solicitaria uma mamografia e uma ressonância magnética das mamas no mesmo dia, considerando a baixa adesão da mamografia nos Estados Unidos e as taxas ainda mais baixas de realização de ressonância magnética das mamas em mulheres de alto risco.

“Em um mundo ideal, o mais eficiente seria espaçar os exames (mamografia e ressonância magnética, por exemplo) em intervalos semestrais, possibilitando que cada um deles fosse realizado anualmente”, disse a Dra. Bethany.

A Dra. Bethany L. Niell informou ter recebido financiamento para pesquisas dos National Institutes of Health (NIH) e do National Cancer Institute (NCI). Ela também informou atuar como vice-presidente do NCCN Guidelines Panel for Breast Cancer Screening and Diagnosis e como presidente do comitê de relações governamentais da American College of Radiology Breast Imaging Commission. A Dra. Andrea V. Barrio informou não ter conflitos de interesses.