Veículo: O Globo
Clique aqui para ler a notícia na fonte
Região:
Estado:
Alcance:

Data: 03/05/2024

Editoria: Sem categoria
Assuntos:

‘Fizemos químio juntas, sentíamos as mesmas coisas’, diz filha que teve câncer ao mesmo tempo que a mãe

Foi em um exame de rotina que a servidora pública Scheila Augusto Lyra, de 45 anos, notou o aparecimento de um tumor na região da mama e axila esquerda, com menos de um centímetro, em setembro do ano passado. O quadro já seria motivo para uma mudança brusca na rotina da catarinense, não fosse por outra questão familiar também em andamento: sua mãe, Genoveva Augusto, de 66 anos, passava igualmente por um tratamento oncológico naquele momento devido a um tumor no pulmão com metástase em diversas partes do corpo, como ossos e cérebro.

Juntas, mãe e filha atravessaram os ciclos de quimioterapia lado a lado e dividiram-se entre a esperança da melhora e os desafios deflagrados pelo tratamento. A mãe, infelizmente, morreu em janeiro deste ano em decorrência das complicações da doença. Scheila se recuperou, e em entrevista ao GLOBO fala sobre seu atual estado de saúde, das emoções que viveu ao lado da mãe e da oportunidade de ver a filha Lorena, de 10 anos, crescer com saúde. Abaixo os melhores trechos da entrevista:

Qual o estágio do seu tumor?

Minha médica já fala em cura, porque ao fazer a quimioterapia o tumor reduziu a ponto de não ser mais visto nos exames de imagem. Mesmo assim, fiz a adenomastectomia bilateral (quando há a retirada do tecido das mamas, mas uso da pele para reconstrução). Meu câncer tem um fator genético importante, então era bom fazer o preventivo das duas. Fiz e na biópsia do material não tinha mais nada cancerígeno, sigo com o tratamento até setembro desse ano, com a medicação indicada para o meu tipo de tumor e mais o bloqueio hormonal por uma década.

Como foi o seu diagnóstico?

Descobri bem cedo. Minha família por parte de mãe teve diversos tipos de câncer, meu avô morreu de câncer, uma tia bem jovem também teve tumores de mama (mas hoje está bem), e ainda houve outros casos. Por isso, passei a fazer o acompanhamento a cada seis meses com o mastologista. Quando descobrimos ele tinha menos de um centímetro, mas já tinha indicativo de que poderia se espalhar, era bem agressivo. Se eu tivesse esperado mais poderia ter se espalhado para outros lugares do corpo. Descobri um mês depois do diagnóstico da minha mãe, foi tudo meio junto porque eu já fazia acompanhamento.

Lembra-se desse dia?

Eu estava ao lado dela quando abri o exame. Naquele momento ela estava fazendo uma transfusão de sangue. Eu disse para ela que faríamos quimioterapia juntas, porque eu também recebi, naquele momento, o diagnóstico de câncer. Quis mostrar que estaríamos juntas naquela situação.

Passar por isso juntas mudou a relação de vocês?

Já éramos bem próximas desde antes disso. A gente morava perto uma da outra. Depois do nosso diagnóstico, ficamos ainda mais unidas. Passávamos o dia todo juntas. Tenho duas irmãs, uma mais velha e uma mais nova que eu, que vinham ficar com a gente também, mas elas trabalham e moram mais longe. Eu, por outro lado, me afastei do trabalho (para o tratamento). Íamos juntas ao hospital, recebíamos a químio juntas, sentíamos as mesmas coisas. Acho que esse período nos fez ainda mais próximas.

E como foi o tratamento dela?

Achamos que ela ia melhorar, pois em alguns lugares os tumores dela foram diminuindo, menos os cerebrais, que não tiveram a mesma resposta. Depois, infelizmente, ela teve uma piora no começo deste ano e faleceu. Ela fazia, nessa época, a imunoterapia.

Como lidou com tantas emoções?

Foi algo muito complicado. Eu fiz minha última químio no dia 15 de janeiro e minha mãe faleceu dia 19. Na clínica festejamos o fim das minhas sessões, mas fui logo ao hospital para contar para ela que tinha encerrado esse processo para mim. Mas nessa época ela já não tinha tantas reações, estava um pouco desorientada. Eu queria ficar feliz por mim, mas eu ficava triste por ela. Foi um momento estranho, muitas emoções juntas. Não consegui ficar totalmente feliz. O luto, meu e de minhas irmãs, foi sentido ao longo do tratamento, conforme notamos que ela estava tendo alguma piora no quadro. Por conta do processo, não me desesperei quando ela partiu, mas fiquei muito triste, claro. Por outro lado, sentia que não poderia comemorar minha melhora justamente por conta do quadro dela. Foi muito complicado.

E você tem uma filha pequena…

Sim, eu agradeço por poder estar junto dela, vê-la crescer. Tenho muito a agradecer. Às vezes penso que meu câncer veio junto com o da minha mãe para eu ter a chance de passar o finzinho da vida dela bem perto. Sentir junto dela o que ela sentiu, para poder acolhê-la.

Como foi para sua filha?

Tivemos diversos casos de câncer na família e a Lorena acompanhou muitos casos, inclusive de um primo que faleceu com 22 anos. Ela tinha essa memória muito recente. Quando descobrimos o câncer da minha mãe, explicamos para ela que era algo diferente pois o quadro dele era de um tumor muito extenso. Quando veio o meu, fomos conversar e ela soltou um “ah, mamãe”… No começo ela ficou bem angustiada, mas acompanhou tudo, acabou ficando tranquila com o tempo.

Teve algum momento muito marcante desse período?

Foi contar para minha mãe sobre meu diagnóstico, naquele dia ela estava um pouco sonolenta, pois tinha mudado a dosagem de remédio para dor. Não dava para saber se tinha realmente entendido, mas sinto que foi mais suave para ela ter sabido nessas circunstâncias, isso me marcou muito. Também me recordo muito de sua primeira quémio, ela se emocionou muito com a chegada do tratamento.

Tem planos para os próximos meses?

Espero que mês que vem eu já seja liberada para correr, fazer minhas atividades físicas. Também quero muito voltar a trabalhar. E, seguirei, claro, fazendo meu acompanhamento médico.