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Data: 17/11/2023

Editoria: Sem categoria
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Câncer de mama: diferença de tecnologia entre o SUS e a rede privada pode ser uma questão de vida ou morte

O Jornal Nacional está exibindo nesta semana uma série especial sobre o câncer de mama. A repórter Lilian Ribeiro mostra nesta terça-feira (14) os gargalos para o diagnóstico e tratamento no Brasil. A diferença cruel de tecnologia entre o Sistema Único de Saúde e a rede privada.

“A gente, desde o ano passado, estava se planejando para ir embora do Brasil. Vendemos tudo de casa. Meu marido foi par Portugal, e foi um baque”, conta a dona de casa Elisângela Felipe Pinto de Oliveira.

O baque foi um diagnóstico de câncer de mama com metástase no pulmão. Mas ele só veio quase seis meses depois dos primeiros sintomas, que levaram a Elisângela a buscar ajuda médica na rede pública de saúde. Demora para conseguir consulta, exames, biópsia.

“Eu estou com muito medo dessa demora, porque já está no meu pulmão e foi muito rápido”, diz Elisângela.
Segundo dados da plataforma Radar do Câncer, do Instituto Oncoguia, nos últimos três anos, 44% das pacientes iniciaram seus tratamentos depois do prazo estipulado por lei, que é de 60 dias a partir do diagnóstico. A maior parte delas descobre o câncer de mama nos estágios mais avançados da doença.

“Quando a gente compara a chance de sobrevivência em cinco anos de uma paciente com câncer de mama tratada na rede privada versus uma paciente com câncer de mama tratada no SUS, o risco de mortalidade de alguém tratado no SUS é de 40% maior”, diz o oncologista Fernando Maluf, do Instituto Vencer o Câncer.
A emprega doméstica Laidia Moreira teve câncer duas vezes. Ela passou por mastectomia e há quatro anos espera pela reconstrução da mama.

“Eu levei um susto muito grande quando eu perdi uma mama. Quando eu soube que eu ia perder as duas, eu entrei em choque. E ainda não ter um atendimento que complementa a necessidade da gente, isso ofusca muito a autoestima da gente”, conta.
“É óbvio que a gente celebra o SUS, se a gente for falar aqui do nosso país, a gente celebra o SUS, a gente sabe quanta coisa boa e ilhas de excelência mesmo existem dentro do sistema de saúde. A gente viu, com a pandemia, a importância dele, mas oncologia é uma área onde as tecnologias têm sido adquiridas de forma muito acelerada e a gente não está conseguindo no Sistema Único de Saúde acompanhar o ritmo desses desenvolvimentos”, afirma a oncologista Ana Amélia Viana, da UFBA.

Para a dona de casa Mariane Moreira Barroca foram quatro anos até que finalmente descobrissem que o nódulo que ela tinha na mama era um câncer. Ela procurou atendimento no posto de saúde pela primeira vez em 2017.

“Consulta para o mastologista, sete meses. Tudo muito demorado”, conta.
Enquanto fazia exames e aguardava na fila para fazer a cirurgia, ela descobriu as primeiras metástases.

“Se tivesse descoberto no início, como eles mesmos falam, fazem campanha, mas não é assim que funciona. A realidade é outra”, lamenta Mariane.
“A maioria das mulheres brasileiras, dois terços delas, chegam para fazer o diagnóstico já com lesão palpável. Então, isso significa que a gente não está fazendo o rastreamento adequadamente. A nossa taxa de cobertura mamográfica no Brasil é muito baixa. Pela Organização Mundial de Saúde, pelo menos 70% das mulheres deveriam estar com as mamografias em dia, isso acontece em 20%. Então, a cada 100 mulheres, só 20 estão com os exames em dia. Então isso tem que mudar”, afirma Sandra Gioia, presidente do Departamento de Políticas Públicas da SBM.

Outro gargalo está entre o diagnóstico e o início do tratamento. Maicon Rocha é assistente social e atua como navegador de pacientes com câncer de mama no Hospital da Mulher, na Baixada Fluminense.

“O papel do navegador é guiar a paciente no meio do sistema de saúde, no SUS. Então, ela já sai daqui com os exames de estadiamento, com os exames pré-operatórios e com o local indicado para fazer o tratamento em um centro especializado ou no hospital especializado”, conta Maicon.
A demora para conseguir o diagnóstico e iniciar o tratamento; a diferença de tecnologia disponível no SUS e no sistema privado; a baixa cobertura mamográfica: desafios que a saúde pública brasileira precisa enfrentar.

“A gente sabe que tem 40% dos cânceres são previsíveis, 40% hoje são curáveis. Mas 100% têm que ser tratados da melhor forma. Embora a gente tenha uma diferença entre o tratamento que a gente pode oferecer no Sistema Suplementar e no Sistema Público, no tratamento da doença inicial nós estamos muito próximos. Todas essas drogas são acessíveis pelo SUS, elas estão dentro do plano de cobertura do SUS. O que a gente precisa é otimizar a sua utilização. A gente conseguir ter o tratamento dentro da lei dos 60 dias, e isso a gente está trabalhando no esforço para que a gente faça isso. Não estamos no ideal. Não negamos os problemas, queremos superá-los e melhorá-los”, afirma Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do INCA.

A Elisângela conseguiu começar o tratamento. Nós a reencontramos no dia da segunda sessão de quimioterapia.

“Nossa, melhorou 100%. Na primeira entrevista, eu estava muito ofegante. Agora, eu consigo subir escada, descer escada, acho que eu consigo até correr”, diz.
O Hospital de Amor, em Barretos, no interior de São Paulo, atende exclusivamente pacientes do SUS e tem um projeto de rastreio de câncer de mama. São 53 carretas equipadas com mamógrafos. Elas percorrem 640 municípios em 16 estados.

Taiaçu: município do interior de São Paulo onde vivem cerca de 5,6 mil pessoas. Ao longo de uma semana, mais de 300 mulheres vão realizar as suas mamografias e cada exame feito na carreta vai ser enviado digitalmente para uma central de diagnóstico, que também usa inteligência artificial para rastrear o câncer de mama.

A tecnologia desenvolvida na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, faz uma segunda leitura dos exames e é capaz de sinalizar alterações.

“É um novo olhar. Ela nunca vai substituir o olhar humano, mas ela ajuda o ser humano a trabalhar cada vez melhor”, afirma a radiologista Silvia Sabino.
A vendedora Ana Paula fez a mamografia em uma das carretas e foi diagnosticada com câncer em estágio inicial. A previsão é de que a cirurgia seja o único tratamento necessário para que ela fique curada.

“Eu quero ficar bem, quero ter saúde para acabar de criar a minha filha. Eu fico até emocionada… Vai passar”, diz.
“A gente sempre tem que olhar não com a frieza dos dados, não com a frieza dos algoritmos, e sim pensando que cada número é uma pessoa que tem um pai, que tem uma mãe, que tem uma família. E eu acho que isso é o grande diferencial. A gente poder entregar qualidade de vida para o amor de alguém”, diz André Luiz Pinto Santos, cientista de dados do Hospital do Amor.