A nova perspectiva de que os juros ficarão altos por mais tempo no Brasil – ou, para alguns analistas, de que a Selic pode até voltar a subir – começa a trazer incertezas para as projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano.
A expectativa mediana do mercado na última pesquisa Focus, do Banco Central, estava em 1,97%, um pouco abaixo dos 2% esperados no início de 2024. A média, no entanto, está mais baixa, em 1,9%, e algumas instituições financeiras têm revisto seus números para menos do que isso.
“Já estávamos vendo alguns riscos se acumulando para o ano que vem. O nosso balanço para a projeção de PIB em 2025 estava começando a ficar bem assimétrico para o lado negativo. A mudança na Selic foi o estopim”, diz Gabriel Couto, economista do Santander.
Na semana passada, o banco ajustou sua projeção para a Selic ao fim deste ano de 10% para 10,5%, diante do “contínuo fortalecimento do dólar” ante o real e da “persistência de incertezas domésticas”, sobretudo no âmbito fiscal. Por causa disso, o Santander reduziu sua projeção para o crescimento do PIB em 2025 de 2% para 1,8%.
A avaliação, segundo Couto, já era de que parte significativa do bom desempenho da atividade no início de 2024 estava ligada a um “impulso fiscal muito razoável”, principalmente por causa do pagamento de precatórios. “Mas não vemos elementos como esse à frente. Só por causa disso, a atividade já poderia perder um pouco de momento mais para o fim deste ano.”
Além disso, as condições financeiras também vinham piorando, conforme a perspectiva de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) pudesse cortar os juros no início de 2024 migrou para o fim do ano.
No indicador de condições financeiras do Santander, os fatores domésticos até tinham “normalizado” e estavam em terreno estimulativo, enquanto os fatores externos ficaram bastante restritivos, segundo Couto. “Mesmo que o Fed venha a cortar os juros no segundo semestre, que é o nosso cenário, em novembro, tem a questão da defasagem”, afirma.
No âmbito doméstico, o Santander chegou a estimar que a Selic poderia se aproximar de níveis próximos do estimulativo, “coisa que não é mais verdade agora”, afirma Couto. “Não é só essa última revisão, tem um acúmulo de revisões altistas na Selic que está começando a fazer efeito na projeção de PIB do ano que vem.”
De dois meses para cá, Couto observa que os fatores domésticos no indicador de condições financeiras do banco começaram a apertar de novo, “até como consequência do comportamento dos ativos brasileiros nas últimas semana”, diz, observando que os fatores domésticos nas condições financeiras estão, agora, ao redor da neutralidade.
Assim, para o Santander, o mês de junho foi marcado pelas condições financeiras mais restritivas desde o segundo semestre de 2023. “Vemos uma probabilidade maior de ter uma atividade um pouco mais comprometida para o que vem”, diz Couto.
Ele pondera que um crescimento de 1,8% para o PIB do Brasil em 2025 ainda não é ruim, considerando que a estimativa do Santander para o crescimento potencial do país está em 1,5%. “Ainda seria um crescimento acima do potencial, sustentado por um mercado de trabalho que tende a continuar bastante robusto. Mesmo que a gente veja alguma desaceleração da atividade um pouco maior do que o esperado na virada do ano, o mercado de trabalho demora mais para responder”, afirma Couto.
A desaceleração da atividade em 2025 pode ficar mais concentrada na primeira metade do ano, segundo o economista. “Como o nosso cenário ainda contempla a possibilidade de cortes da Selic entre o primeiro e o segundo trimestre de 2025, isso pode começar a gerar um pouco mais de impulso à atividade para o fim do ano que vem”, afirma. O Santander projeta que a Selic pode cair para 9% ao longo de 2025.
Bem mais conservadora, a XP Asset passou a contemplar uma retomada das elevações na Selic já a partir de setembro deste ano, com quatro altas consecutivas de 0,25 ponto percentual nos juros.
Com isso, o crescimento que a gestora projetava para o PIB do Brasil em 2025 em torno de 2% deve ir para ao redor de 1%, segundo o economista-chefe Fernando Genta. “A gente estava construtivo com atividade. O impacto do Rio Grande do Sul parece que vai ser menor do que o esperado. Mas esse aperto recente de condições financeiras coloca em xeque principalmente o PIB do ano que vem”, disse Genta em apresentação a clientes.
Na avaliação de Cristino Oliveira, economista-chefe do Banco Pine, será “impossível” para o governo promover, nos próximos dois anos, o mesmo impulso fiscal de 2,2% do PIB que ocorreu entre 2022 e 2024. “Há restrições, dadas até pelo arcabouço fiscal”, afirma.
Ao mesmo tempo, a política monetária, com a interrupção da queda da Selic, passou a contribuir no sentido de aceleração da piora das condições financeiras, segundo o indicador do Pine.
Esses dois fatores devem contratar uma desaceleração mais forte da economia no primeiro semestre de 2025, segundo Oliveira, que prevê crescimento de 1,8% para o PIB do próximo ano.
“Projetamos algum arrefecimento do consumo, em linha com uma expansão mais moderada das transferências governamentais. Além disso, não vemos melhorias na condução da política econômica que indiquem um cenário mais favorável para os investimentos”, diz a equipe da A.C. Pastore & Associados em relatório, ao também projetar 1,8% para o PIB de 2025.
“Óbvio que um BC mais contracionista joga para baixo o PIB do ano que vem. Mas a variável-chave aqui são as condições financeiras mais amplas. A Selic é apenas um dos fatores”, pondera Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval.
Ele ainda projeta um PIB de 2% em 2025. “Estamos segurando um pouco a revisão porque queremos ver onde vai parar a história do [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad”, diz, em referência aos debates fiscais. “Se a gente voltar para um cenário mais parecido com o do ano passado, é um PIB em 2025; se for a curva de juros de hoje, é outro PIB”, afirma.
O Daycoval projeta ainda um corte por parte do Fed em dezembro. “Se antecipar, também ajuda [o cenário para a atividade no Brasil]”, afirma Cardoso. “Além disso, com o externo mais tranquilo, os agentes econômicos ficam até mais lenientes [com a situação do Brasil], tomam mais risco”, diz.