Depois de crescerem no primeiro trimestre no maior ritmo desde 2022, as vendas no varejo devem desacelerar no restante do ano. Isto se deve à suavização dos efeitos do aumento da renda no início do ano, ao fim da influência positiva do pagamento de precatórios e à possível inflação de alguns itens, como alimentos, afirmam economistas. A expectativa para o segundo trimestre já era de piora, e a tragédia no Sul reforça esse cenário.
Após duas altas mensais consecutivas, o volume de vendas no varejo restrito ficou estável em março ante fevereiro, na série com ajuste sazonal, segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na comparação com março de 2023, o varejo restrito avançou 5,7%.
O resultado de março ante fevereiro veio menor que o esperado por consultorias e instituições financeiras.
No varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o volume de vendas caiu 0,3% na passagem entre fevereiro e março. Na comparação com março de 2023, houve queda de 1,5%.
As vendas recuaram em sete das oito atividades pesquisadas no varejo restrito em março, ante fevereiro. A única atividade no campo positivo foi a de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria, com alta de 1,4%.
A base de comparação elevada – após taxas de crescimento de 2,7% em janeiro e 1% em fevereiro – ajuda a explicar a estabilidade do varejo restrito em março, segundo Cristiano Santos, gerente do IBGE responsável pela PMC.
Em termos trimestrais, as vendas no varejo restrito fecharam o primeiro trimestre de 2024 com alta de 2,5% frente ao quarto trimestre de 2023, a mais intensa desde o segundo trimestre de 2022 (2,8%). No caso do varejo ampliado, a alta também foi de 2,5%, a maior taxa desde o segundo trimestre de 2021 (3,4%).
Em relatório enviado a clientes, Cláudia Moreno, economista do C6 Bank, disse que “o crescimento do varejo nos três primeiros meses do ano é reflexo da combinação do mercado de trabalho aquecido, aumento da massa salarial e estímulos fiscais do governo, como o pagamento de precatórios”.
“Passado esse impulso, acreditamos que o setor registre uma leve queda até o fim do ano, mas ainda assim feche 2024 com crescimento de 3,1%”, escreveu.
Depois do primeiro trimestre positivo, o varejo restrito deve ter queda no segundo, enquanto o ampliado deve ficar estável, prevê Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria.
Na variação anual, lembra, o crescimento do varejo restrito foi de 5,9% no primeiro trimestre e de 4,6% no ampliado, o que indica volumes bastante elevados.
Ela afirma que a expectativa para o segundo trimestre já era de um desempenho pior, e as chuvas no Rio Grande do Sul podem contribuir ainda mais para isso.
“Já esperávamos resultados mais fracos do varejo, em um cenário de saída [dos impactos trazidos pelo pagamento dos] precatórios e todas as incertezas políticas e econômicas de abril, como pressão sobre o câmbio e juros de mercado, que exigiam maior cautela no segundo trimestre”, diz. “Esses eventos climáticos na região reforçam esse cenário de um segundo trimestre mais fraco. Os impactos numéricos, contudo, ainda são difíceis de se estimar.”
A Tendências espera queda de 0,4% no varejo restrito no segundo trimestre ante o primeiro. Para o ampliado, a expectativa é de estabilidade, podendo ser queda de 0,1% ou alta de 0,1%.
Para Georgia Veloso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), as vendas no varejo devem sofrer impacto negativo devido às chuvas no Sul. “Pode ser que vejamos certa aceleração na inflação de alimentos, por causa dos eventos no Rio Grande do Sul.”
Ainda que seja cedo para mensurar o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul sobre a atividade econômica em todo o país, as fortes chuvas podem tirar de 0,2 a 0,3 ponto percentual do PIB neste ano, afirma Rodolfo Margato, economista da XP.
“Para o PIB, o impacto é negativo. Em termos de proporção do Rio Grande do Sul ao PIB total, talvez o impacto direto mais forte ocorrerá em um primeiro momento na agricultura, especialmente arroz e soja, já que o Estado é um player importante no setor”, diz.
“Também haverá consequências para a indústria moveleira, químicos, metalmecânica, calçados e artefatos de couro. E, a partir de maio, devemos começar a ver o impacto no comércio varejista no Rio Grande do Sul.”
Ele diz, contudo, que o impacto entre 0,2 e 0,3 ponto percentual no PIB não está incluído no cenário-base da XP. “Esperamos hoje alta de 2,2% do PIB em 2024, com viés de baixa. Por enquanto, tratamos essa estimativa de impacto como fator de risco, de viés baixista.”