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Data: 22/04/2024

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Mercado de trabalho forte no Brasil preocupa Banco Central. Mas por quê?

No mês passado, o Ministério do Trabalho e Emprego anunciou que o Brasil teve uma abertura líquida de 306 mil vagas de emprego. O número veio muito além das expectativas do mercado. No entanto, na ata da última reunião do Copom, o Banco Central deixou claras suas preocupações em relação à força do mercado de trabalho. Mas afinal, por que a geração de empregos pode ser um problema para o BC? O Valor Investe conversou com com especialistas para explicar o cenário atual e suas possíveis consequências.

Primeiro de tudo, é preciso entender o contexto macroeconômico do Brasil neste momento, que está em um cenário de corte dos juros. Para quem não se lembra, a taxa Selic subiu muito para combater a inflação que veio junto com a pandemia. Agora, no entanto, com a alta dos preços dando sinais de arrefecimento, o Banco Central encontrou espaço para diminuir gradativamente os juros. Essa trajetória começou em agosto do ano passado, quando a Selic estava em 13,75% ao ano. Desde então, sucessivos cortes de 0,5 ponto percentual foram feitos até que a taxa básica de juros chegasse no atual patamar, de 10,75% ao ano.

Agora, porém, o Banco Central tem mostrado cautela. No comunicado que acompanhou a última decisão monetária, o BC fez uma mudança em seu discurso. Antes, a autoridade monetária frisava que novos cortes da mesma magnitude que os anteriores deveriam ser feitos na Selic. Ou seja, ela continuaria caindo 0,5 ponto percentual nas reuniões seguintes. Na comunicação mais recente, porém, o Banco Central afirmou que mais um corte de 0,5 ponto percentual seria feito, deixando o futuro a partir daí em aberto.

Na ata da reunião, a autoridade monetária afirmou que a trajetória de quedas deve continuar, mas acendeu alguns alertas. O Banco Central voltou a reforçar que o movimento desinflacionário está acontecendo, mas deixou claro que a velocidade desse processo tem sido menor. Entende-se, portanto, que a inflação está arrefecendo, mas de maneira mais lenta. No texto, um dos principais pontos de atenção reforçado pelo Banco Central foi a resiliência do mercado de trabalho brasileiro. A autoridade monetária reforçou o “dinamismo do mercado de trabalho”, com “ênfase na aceleração de rendimentos e de massa salarial”.

Mas, afinal, o que o emprego tem a ver com isso?
Segundo pesquisadores, de um modo geral, quando o mercado de trabalho está mais aquecido, significa que as empresas estão contratando mais trabalhadores. Então, se elas estão demandando mais mão de obra, significa que elas também estão dispostas a pagar salários nominais maiores para esses trabalhadores. E isso implica em maior custo para as companhias. Esses custos, portanto, serão repassados nos preços dos produtos. E, assim, há mais inflação.

“Em geral, existe essa conexão entre a inflação e o aquecimento do mercado de trabalho, seja na geração de mais postos de emprego, no aumento de número de horas trabalhadas ou no aumento do salário. Essa relação é importante porque uma parte relevante da formação dos custos das empresas e, portanto, do preço dos produtos é a mão de obra que as empresas pagam. Se os salários estão subindo, de alguma forma esse aumento vai ser repassado para os preços e vai significar mais inflação. Da mesma forma que uma queda na taxa de desemprego sinaliza que tem menos gente procurando trabalho, o que naturalmente faz com que as empresas tenham que pagar salários mais altos para atrair trabalhadores, e isso impacta os preços e sinalize uma inflação a diante”, afirma Renan Pieri, pesquisador de economia da Fundação Getúlio Vargas EAESP.

Um outro impacto que o mercado de trabalho tem na inflação se deve a uma possível perda de produtividade. Segundo a professora Juliana Inhasz, do Insper, quando a taxa de desemprego é baixa, poucas pessoas estão disponíveis para trabalhar e muitas delas têm pouca qualificação. Como as empresas estão demandando mão de obra, esses trabalhadores acabam sendo absorvidos e recebendo salários maiores, mesmo sem gerar mais produtividade. O resultado disso é mais gente com renda (e, claro, consumindo), mas sem que a produção das companhias aumente para suprir a demanda desses consumidores.

“Um mercado de trabalho aquecido significa que tem muita gente conseguindo emprego. A taxa de desemprego fica baixa, o nível de absorção da força de trabalho fica alto. E por que isso pode gerar um cenário preocupante e levar a uma inflação? Porque é provável que quem esteja disponível para trabalhar tenha uma qualificação um pouco menor, então esperamos que a produtividade média dessas pessoas também seja um pouco menor. Mas como temos pouca gente disponível, as pessoas disponíveis acabam querendo trabalhar por salários mais altos. Assim, o custo de produção fica maior. E por que isso preocupa? Porque ficamos jogando mais gente no mercado de trabalho com o salário maior e, na média, com uma produtividade possivelmente menor. Assim, começamos a ter um mercado em que as pessoas têm mais renda, mais dinheiro circulando, mas não necessariamente a produção está maior”, explica a professora.

A conclusão, portanto, é que um mercado de trabalho mais aquecido pode trazer mais inflação.

Os juros, então, vão subir por conta do aquecimento do mercado de trabalho?
Segundo especialistas, dados de emprego fortes não significam, necessariamente, que o Banco Central vai voltar a aumentar os juros. Pelo menos não no Brasil, e pelo menos não por enquanto. Por enquanto, a inflação ainda está dando sinais positivos por aqui. Não à toa, o IPCA de março mostrou uma desaceleração e ficou em 0,16%, muito menor do que as expectativas. Isso significa que, por ora, não há sinais claros de que o Banco Central precise rever os cortes de juros para manter os preços sob controle.

No entanto, segundo Pieri, caso o mercado de trabalho siga surpreendendo, é possível que isso afete os próximos dados inflacionários e, aí sim, seja preciso que o BC recalibre sua rota.

“Não é que necessariamente o Copom vai subir os juros por conta do aquecimento do mercado de trabalho, mas muitos provavelmente se o mercado de trabalho seguir surpreendendo e por um tempo maior do que o esperado, isso pode fazer com que o Banco Central postergue quedas já anunciadas da Selic ou até interrompa antes a série de cortes da taxa de juros”, afirma.

Existe ainda um outro ponto de atenção relativo ao mercado de trabalho: Uma possível defasagem com que os efeitos desses indicadores começam a ser sentidos na economia, o que pode gerar mais pressões inflacionárias no futuro.

No entanto, segundo os especialistas, esse aperto na inflação pode não acontecer porque é provável que o próprio mercado de trabalho desaqueça. Segundo Pieri, da FGV, há um movimento de desaceleração do crescimento da economia como um todo neste ano, que deve se refletir nos dados de emprego.

“O PIB deve ser menor em 2024 do que foi no ano passado. E o ciclo de expansão do mercado de trabalho está se encerrando. Não quer dizer que vamos ter uma crise, nem um aumento expressivo do desemprego, mas existe um limite para reduzir a taxa de desemprego”, diz.

Segundo Inhasz, do Insper, é provável que a taxa de desemprego caia um pouco mais nesse começo de ano e depois fique praticamente estabilizada no segundo semestre, inclusive com chance de aumento. “Há até uma perspectiva de uma leve alta, nada muito dramático, mas talvez tenha um crescimento”, diz.

Essa mudança na rota, no entanto, não deve “assustar”. Segundo a pesquisadora, tão importante quanto olhar os dados de emprego e de atividade para saber o futuro da Selic, é olhar se o governo tem feito o seu “dever de casa”. Inhasz afirma que é importante que as contas públicas estejam em dia não só para controlar a inflação (afinal, um governo mais “gastão” também ajuda a turbinar a alta de preços) mas também para atrair investidores.

E agora? Está tudo perdido?
Por fim, é importante lembrar que não, um mercado de trabalho “bombando” definitivamente NÃO é uma má notícia (apesar de poder trazer consequências negativas).

“É sempre uma boa notícia ter mais empregos no mercado de trabalho, sobretudo se eles vêm de uma dinâmica positiva da economia, sem um estímulo artificial do governo. É claro que um governo pode criar políticas públicas para gerar emprego, mas isso pode mascarar os dados de emprego se essa política não puder ser mantida em termos fiscais. No caso, uma melhoria do mercado de trabalho que se dá por conta de uma melhoria econômica é um dado positivo”, afirma Pieri, do Insper.

Segundo o especialista, é possível achar uma relação de equilíbrio entre uma inflação controlada e um mercado de trabalho forte. Essa harmonia se dá se outras pressões forem aliviadas, como os gastos públicos, por exemplo.
“A inflação pode acontecer se você tem uma demanda maior de produtos e serviços e um crescimento menor da oferta. As pessoas estão demandando muitos produtos, as empresas, o governo, mas a oferta não tem respondido da mesma forma. Nada impede de outras questões que gerem pressão inflacionária, como gastos públicos, possam se adequar para evitar essa inflação quando o mercado de trabalho está mais aquecido. Posso ter crescimento dos trabalhos, pessoas consumindo mais, mas o governo pode retrair seus gastos para segurar a inflação. Além disso, se o crescimento do mercado de trabalho se dá porque as empresas estão inovando, produzindo mais com os mesmos custos ou com custos menores, o repasse dos preços acontece e os preços sobem menos”, conclui.