A ansiedade deu lugar à aflição, e esta se transformou em angústia nos mercados financeiros ao longo da semana passada. Gigante, a confiança dos agentes foi completamente abalada, o que ficou claro nos gráficos de qualquer ativo financeiro local ou externo: bolsa, juros, moedas
Os sinais cada vez mais concretos de reaceleração da inflação nos EUA tiraram o chão do mercado, que apostava que as coisas andariam para o lado oposto. Todo mundo estava alocado nessa aposta. A reprecificação no mercado, que passou a jogar os cortes de juros do Federal Reserve (Fed) cada vez mais adiante, não foi trivial.
Resumir a semana é fácil: a inflação nos EUA ficou bem acima do esperado; os juros subiram; o dólar saltou; as bolsas caíram. Mas como chegamos a isso? Na virada do ano, a história era de cortes de juros nos EUA que começariam em março, totalizando seis ou sete reduções de 0,25 ponto percentual. Já no primeiro bimestre ficou claro que em março não daria mais para iniciar o ciclo, que passou para junho. Em abril, novo choque de realidade.
A história, agora, é diferente e afeta os mercados como um todo. As opiniões sobre o início do ciclo do Fed estão díspares. Nas apostas de bancos e consultorias, que têm errado constantemente, julho, setembro e dezembro estão no páreo. Há quem fale só em 2025. E, como risco de cauda, novas altas de juros voltaram ao radar, algo impensável até há pouco – no início do mês, quando a diretora do Fed Michelle Bowman disse ver esse risco, o mercado ignorou por completo.
Mas não é só isso e é aí que o Brasil entra no jogo.
Na primeira semana de abril, foi possível observar uma “coincidência” no mercado. Diversas casas que mantinham em seus cenários projeções de Selic abaixo de 9% mudaram seus números exatamente para 9% neste ano. Foi um sinal amarelo, que na semana passada se tornou vermelho. Quando casas que já têm números acima de 9% passaram a elevar ainda mais suas projeções é porque o sinal emitido pelos preços do mercado, encarado com ceticismo e exagero por alguns players, pode estar mais próximo do nível correto.
O Itaú Unibanco abriu a porta, ao mudar de 9,25% para 9,75%, e a Quantitas veio em seguida, ao passar seu número de 9,5% para 10%.
A sensação entre agentes era de que nada podia dar errado. Mas deu. Em conversas reservadas com gestores e estrategistas, o ambiente já estava “estranho” até antes da surpresa negativa com a inflação nos EUA.
O sentimento positivo da virada do ano se esvaiu, mas as posições não acompanharam. Enquanto o mercado manteve posicionamento mais construtivo, a inflação de serviços surpreendeu para cima no Brasil; a agenda econômica ficou – e continua – paralisada no Congresso; preços de commodities subiram e podem subir mais, a depender dos rumos dos conflitos no Oriente Médio; e há um temor fiscal que não se dissipa entre agentes econômicos, que continuam a mostrar ceticismo em torno do próximo presidente do Banco Central e de seu compromisso com a meta de inflação. O medo é perder a única “âncora” à qual o mercado tem se agarrado.
A angústia que predominou na sexta-feira pode se dissipar se a tensão no Oriente Médio não ganhar ainda mais escala. Mas os outros fatores de desancoragem permanecem e estão cada vez mais vivos.