A Prada reforçou a aposta em sua estratégia de varejo, com um plano de investimentos de 1 bilhão de euros para os próximos cinco anos, diante do aumento da demanda por seus produtos em várias regiões e da onda de consumidores de alto padrão que procuram cada vez mais as chamadas “compras experienciais”, segundo o presidente do conselho de administração, Patrizio Bertelli. A ideia, explica ele, é reunir os diversos aspectos da Prada — roupas, acessórios, comida e arte — sob um mesmo teto, combinando-os como parte de uma grande experiência imersiva.
A empresa italiana de artigos de luxo, que tem ações negociadas na bolsa de valores de Hong Kong, passou os últimos 12 meses arrebatando imóveis — em especial nos Estados Unidos, apesar de as vendas na região terem permanecido estáveis. Em dezembro, comprou o prédio em Manhattan que abriga sua loja desde 1997, por US$ 425 milhões (a empresa destacou que a “localização do imóvel oferece alto valor estratégico, por ser caracterizada pela crescente escassez e potencial a longo prazo”). Um local nas vizinhanças também foi adquirido pela empresa holding da família.
Apesar de o setor imobiliário comercial de Nova York ter passado por alguns anos turbulentos e ter sofrido para se recuperar do impacto da pandemia, e apesar de um ajuste de contas no varejo ter forçado o fechamento de lojas de departamento históricas, como a Barneys, “o problema não é a falta de demanda”, diz Bertelli, marido de Miuccia Prada, ao “Financial Times”. “Se você gerencia uma loja de departamento de luxo apenas como se fosse uma operação financeira, em vez de se concentrar nos aspectos comerciais, nos produtos e na experiência do cliente, é claro que isso vai dar errado.”
O mercado de luxo dos EUA tem se mostrado promissor, o que levou as casas de moda a adicionarem mais de 6 mil m2 de espaço de varejo entre 2022 e o fim de 2023, segundo pesquisa da empresa imobiliária JLL. As marcas também procuram novas maneiras de se envolver com os clientes de gastos mais altos, que cada vez mais buscam experiências de varejo únicas e personalizadas. “Nunca acreditei que o comércio eletrônico cancelaria a necessidade de lojas físicas […], apenas analistas mal preparados pensavam assim porque ignoram como as tendências do consumidor evoluíram ao longo da história”, diz Bertelli.
A afirmação veio depois do anúncio dos resultados anuais de 2023 da Prada, semana passada, que mostraram aumento de 17% nas receitas líquidas, para€ 4,7 bilhões de euros, na comparação com 2022, impulsionadas por um grande avanço das vendas da marca Miu Miu (58%) e pelo forte ímpeto da empresa no Japão, onde as vendas cresceram 44% em relação ao ano anterior, impulsionadas principalmente pelos clientes locais. Por sua vez, as vendas da marca Prada aumentaram 12% no mesmo período. As vendas na Europa cresceram 14%, impulsionadas pelos gastos dos turistas.
Enquanto a Prada prioriza seus investimentos no varejo em Nova York, assim como em outras cidades-chave, incluindo Milão, Londres, Paris, Xangai, Hong Kong e Tóquio, o objetivo é criar um destino onde os clientes possam encontrar não apenas suas roupas prontas para uso, mas desfrutar de uma grande gama de serviços, como comida — oferecida pela sua pâtisserie Marchesi 1824 — e mostras de arte e exposições culturais, viabilizadas pela Fondazione Prada, a fundação de arte contemporânea da família. “Não estou dizendo que as plataformas de comércio eletrônico deixarão de existir, elas continuarão existindo”, esclarece Bertelli. “Mas as lojas físicas se tornarão espaços experienciais que reúnem pessoas.”
Promoções de marketing que precisam ser ativadas dentro da loja podem ajudar a atrair os clientes de altos gastos, enquanto os canais online podem ser usados para promover um engajamento mais amplo. O crescimento do comércio eletrônico, porém, está em desaceleração “em comparação ao que temos visto historicamente e às vendas no varejo em geral”, disse Monique Pollard, cochefe da equipe de análises de renda variável do mercado europeu online do Citigroup. Paralelamente, o “grande retorno” às compras presenciais, visto imediatamente após a pandemia, continuou em 2023.
Por outro lado, um grande espaço físico pode ser caro e complexo de manter, e algumas pessoas do setor levantam dúvidas se o ambiente macroeconômico incerto é o melhor momento para tais investimentos. Bertelli diz que vê valor em “criar uma identidade que transcenda o que vendemos”. “Queremos que seja uma mentalidade, uma experiência centrada na marca Prada.”
Nos últimos 20 anos, a Prada lançou três de seus chamados “Epicentros”, em Nova York, Tóquio e Los Angeles — espaços de varejo que também servem como locais para exibições de filmes, performances e outros encontros “intelectuais”. “Fomos acusados de consumismo, mas, na verdade, vimos o que estava por vir, [vimos] como a demanda do cliente mudaria”, diz Bertelli.
A ideia é se aproximar dos clientes sendo um participante mais ativo nas conversas culturais, explica Bertelli. “Afinal, a definição de luxo hoje em dia é qualidade de vida em todos os aspectos, incluindo o que comemos, como viajamos, a arte e cultura à qual temos acesso e o que vestimos.”
Miuccia Prada, filha da família fundadora e codiretora de criação da marca, há muito se interessa pela arte como ferramenta para refletir o mundo e tem procurado interpretar seus conceitos ideológicos por meio das roupas. Sua coleção primavera/verão de 1996 “Excentricidade Banal” foi um divisor de águas, ao estabelecer a identidade transgressora pela qual a marca é conhecida hoje. Ao mostrar conceitos, cores e tecidos contrastantes, marcou o início da abordagem subversiva da Prada, remodelando ideias de estética e tornando o feio, atraente.
Essa atitude continua no DNA da marca, porque “a Prada combate o óbvio por meio da inovação e experimentação”, diz Bertelli. “Claro, isso não significa que a estética e a experiência da Prada serão universalmente apreciadas […], mas não se trata de uma questão de belo ou feio. É uma questão de [substância]”, diz. (Tradução de Sabino Ahumada)