O grupo de Economia do Futuro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (o Conselhão) apresentou ao Presidente da República a sugestão de um programa para a construção de Polos Tecnológicos de Alto Impacto, a serem articulados pelo governo federal com empresas, universidades, governos estaduais e municipais, e que podem potencializar a inovação e a pesquisa em diferentes regiões do país. O Brasil tem ciência, tecnologia e empreendedores capazes de entregar resultados transformadores da nossa economia e de gerar produtos para o mercado mundial.
A proposta apresentada no Conselhão recomendou o polo de combustíveis do futuro baseado na expertise e capacidade de articulação da USP; e sugeriu a construção de um centro de biotecnologia avançada, via parceria da Fiocruz com Butantan, para direcionar os esforços da saúde para terapias de impacto que o país ainda não domina, como produção de vacinas e outros insumos com base nas tecnologias de mRNA e das técnicas para produção de imunoterápicos. Com o mesmo olhar para o futuro, foi recomendado um programa para potencializar o que temos de melhor na Amazonia, com base na biodiversidade, na floresta e no conhecimento acumulado ao longo de décadas; e ainda uma articulação nacional dos núcleos de pesquisa em Inteligência Artificial (IA) para tratar do grande ativo brasileiro sedimentado em bancos de dados preciosos do SUS, IBGE, Inep e outros.
As propostas apontam concretamente para missões a serem desenvolvidas com pesquisa e inovação, via cooperação e mobilização do setor público e privado.
Políticas tecnológicas precisam combinar aspirações nacionais, buscar sintonias com as tendências mundiais da inovação e potencializar as competências existentes no país. Com metas viáveis e foco, foi realçada a proposta do hidrogênio sustentável, com base na rede organizada pela USP com mais de 400 pesquisadores e apoio da Fapesp, da Shell, Toyota, Marcopolo, Total, Petronas, Cosan e outras.
Potencializar o nosso etanol é a maior oportunidade que o país tem no momento, tanto como alternativa tecnológica de padrão mundial, quanto para um upgrade de nossa economia. Para ilustrar, enquanto os EUA mantêm sua estratégia de produzir 1 kg de hidrogênio a um dólar em uma década, a meta do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa da Escola Politécnica da USP é de 1kg de hidrogênio a um dólar em cinco anos, sem subsídio. Esse hidrogênio sustentável pode abrir caminho para uma reestruturação industrial sem precedentes, com geração de emprego, renda e uma alteração qualitativa da participação do Brasil no cenário internacional.
O governo federal acaba de lançar novas diretrizes para a indústria com ênfase na construção de uma economia de baixo carbono. Porém, é possível e necessário avançar muito mais. A começar por extrair do conceito de “missões” propostas e alvos viáveis, com a perspectiva de resultados concretos. É forçoso reconhecer que os atuais planos do governo carregam enorme lacuna no que se refere à IA. No coração do novo ciclo tecnológico se encontram várias tecnologias que o Brasil ainda precisa absorver e desenvolver. E esse deveria ser o critério básico para concretizar as missões. Deixar de estimular o desenvolvimento de uma IA ética e inclusiva é perder a oportunidade de criação de novas indústrias, novos negócios, novos produtos e de impulsionar uma geração de startups para oxigenar o tecido da nossa economia. Hoje em dia, nossas instituições de pesquisa e empresas sequer possuem computadores com capacidade de rodar com eficiência os grandes modelos generativos atuais.
Missões sem alvo e metas claras deixam de se concentrar no que o Brasil precisa para impulsionar uma indústria distinta do passado. A retomada atual de políticas industriais busca desenvolver competências para impulsionar mudanças tecnológicas palpáveis, que sejam incorporadas pela economia. Por exemplo, o apoio à indústria de autoveículos está ligado ao carro elétrico, híbrido e à redução de emissões. Estímulos à mineração olham para as terras raras, essenciais para os eletrônicos e a computação. Na área da saúde as políticas apontam para o desenvolvimento de terapias e tratamento das doenças que mais afetam a população.
A ideia de política pública baseada em missões remonta à política científica dos países desenvolvidos, especialmente dos EUA, durante e no pós-Segunda Guerra Mundial. Nos dias de hoje, o combate às emissões e às alterações do clima, a busca de fontes novas e limpas de energia, a produção de vacinas ou o tratamento avançado para doenças cardíacas, câncer e envelhecimento tornam-se missões objetivas, com metas e indicadores claros de sucesso ou fracasso.
Para que as missões sejam efetivas, os incentivos públicos não podem excluir os serviços. Pelo contrário. A manufatura continuará essencial para o desenvolvimento do país, mas é certo que ficou menor, mais compacta e integrada – quando não dependente – dos serviços.
A realidade atual, distinta de 30 anos atrás, leva as novas políticas tecnológicas a definirem claramente seus sistemas de governança, para articular uma ampla gama de instrumentos e instituições e propor melhorias no ambiente econômico.
Anos recentes de miséria intelectual não podem levar o Brasil a perder mais uma oportunidade. Novas tecnologias são essenciais para dar conta dos desafios globais, a começar para ajudar o G20 a realizar uma agenda para combater as mudanças do clima, diminuir a desigualdade entre e no interior dos países, estimular a sustentabilidade e os emprego com mais oportunidades para todos.
Glauco Arbix é professor da USP, pesquisador do Observatório da Inovação e do Centro de Inteligência Artificial-USP-Fapesp-IBM.
Fernanda De Negri é especialista em inovação e diretora do Ipea.
Helena Nader é professora emérita da Unifesp e presidente da Academia Brasileira de Ciências
Laércio Cosentino é engenheiro pela Escola Politécnica-USP e chairman da Totvs.
Pedro Wongtschowski é doutor em engenharia, empresário e membro do conselho de diversas empresas e de entidades da área de CT&I