O marketplace chinês Temu vem aceitando fabricantes de produtos baratos que antes trabalhavam para a Shein, a rival do setor de moda rápida que tenta “limpar” a cadeia de fornecedores enquanto se prepara para sua enorme operação de abertura de capital nos Estados Unidos. Em 2023, a Shein, cuja sede fica em Singapura, abriu mão de vários fornecedores do sul da China, depois de auditores terem descoberto que eles violavam os padrões de certificação da empresa, de acordo com diversas fontes do setor que tomaram conhecimento das dispensas.
A reação de muitos desses fornecedores foi passar a vender itens na Temu, pertencentes à PDD Holdings, que tem ações negociadas na Nasdaq e está investindo bilhões de dólares para tentar replicar o sucesso da Shein no envio de produtos super baratos, direto de armazéns na China para compradores no Ocidente.
A gestão eficiente da cadeia de fornecedores da Shein é a espinha dorsal de sua capacidade de oferecer preços baixos para atrair compradores da geração Z. Por sua vez, a rival Temu tem adotado táticas combativas para incentivar os comerciantes a usarem sua plataforma para vender a consumidores nos EUA e na Europa, por exemplo, oferecendo itens como maletas para computadores portáteis por US$ 4, ternos de três peças por US$ 50 e pneus de carro por US$ 9.
A Shein, que foi avaliada em US$ 60 bilhões na rodada mais recente de captação de recursos em 2023, se prepara para fazer uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) nos EUA ainda neste ano, caso receba o aval do governo federal chinês.
Ao mesmo tempo que a Shein enviou seus auditores para inspecionar fábricas pela China em 2023, um investidor que quis ingressar na rodada de captação daquele ano também realizou sua própria investigação da cadeia de fornecedores da empresa, de acordo com uma fonte.
A Shein descobriu que muitos de seus fabricantes contratados não atendiam seus requisitos, como ter um mínimo de 50 funcionários e pelo menos 800 metros quadrados de espaço de chão de fábrica.
“Costumávamos fornecer para a Shein, mas agora não podemos fornecer diretamente para eles porque não atendemos aos requisitos de tamanho de fábrica”, disse Louis Li, dono de uma fábrica de bolsas na província de Cantão, acrescentando que após a Shein cortar relações com as fábricas menores, “todos nós fomos para a Temu”.
A Temu não leva em conta o tamanho da fábrica ao aceitar novos vendedores. A firma chinesa informa que opera um marketplace e não age diretamente como varejista, de forma que aceita “comerciantes com licenças de operação válidas que sejam capazes de atender aos requerimentos para os produtos”. Embora a Shein tenha recentemente aberto um marketplace, em geral ela faz encomendas a fornecedores que produzem roupas para a própria marca da Shein.
Li, o dono da fábrica de bolsas, diz ter normalmente uma margem de lucro de menos de 20% com a Shein e de cerca de 15% com a Temu. No entanto, quando o produto em questão vende bem, a Temu busca similares de outros fornecedores, o que força as fábricas a competir e reduzir ainda mais os preços.
A Shein destaca o “relacionamento de longo prazo” com sua rede de fabricantes de roupas como uma das vantagens competitivas sobre rivais da moda rápida, como Zara e H&M, e sustenta ter conseguido construir esses laços porque paga mais rápido do que a média do setor. Também tem adotado várias estratégias para incentivar os fornecedores a entregar produtos em questão de dias.
“A Shein classifica os fornecedores por pontualidade”, diz Zhang Zhongbao, fundador da Xingcheng Excellent Swimwear Consultancy, que ajuda fabricantes de artigos de moda praia a encontrar canais de distribuição. Ele explica que os melhores fornecedores recebem o pagamento em uma semana e os piores, apenas após 45 dias. “O pagamento lento é punição para a entrega lenta”, diz.
A Shein não quis comentar as informações.
A Temu também paga rápido e surge como outro canal para que os fornecedores possam vender seu estoque excedente, o que inclui produtos originalmente destinados à Shein.
“A Shein está percebendo que seu embargo a fornecedores foi menos efetivo do que o esperado à luz dos avanços da Temu”, diz Robin Zhu, analista da Bernstein.
Penny Lin, gerente de uma fábrica de roupas em Zhejiang, diz ter dobrado ou triplicado a produção de roupas encomendadas pela Shein e enviado os produtos restantes para a Temu ou plataformas chinesas como a 1688, do Alibaba.
Depois de ter direcionado a mira aos fornecedores da Shein na China, a Temu também passou a ir atrás de vendedores da Amazon. Em janeiro, fez um seminário para recrutar fornecedores na China que tivessem armazéns nos EUA e na Europa.
De acordo com Mo Yu, que dirige a área de roupas femininas da Temu, a empresa quer competir mais diretamente com a Amazon e o Walmart permitindo que os fornecedores fiquem responsáveis pela logística e entrega, uma tentativa de acelerar a chegada dos produtos aos consumidores.
Isso marca uma mudança no atual modelo da Temu, em que os comerciantes enviam produtos a seus armazéns na China, onde são embalados e enviados diretamente aos consumidores ocidentais.
Hoje, a Temu leva de uma a três semanas para entregar pedidos aos EUA. O serviço expresso leva entre quatro e nove dias. Em comparação, os clientes da Amazon costumam receber seus pacotes nos EUA em dois dias.
Mo disse que, apesar de os fornecedores terem mais custos quando ficam responsáveis por entregar os itens a partir dos armazéns deles nos EUA, a Temu dará grandes “subsídios” para garantir que a plataforma “mantenha sua posição de ter o preço mais baixo do mercado”.
Alguns vendedores da Amazon dizem que as táticas da Temu têm levado a gigante americana do comércio eletrônico a pressioná-los por preços mais baixos.
Owen Zhang, dono de uma fábrica de brinquedos na província de Cantão que atende empresas com lojas na Amazon, disse que a empresa americana começou a pedir-lhes para “fornecer produtos com preços mais baixos” no segundo semestre de 2023, justo quando a Temu fazia uma campanha publicitária multibilionária nos EUA para tentar expandir sua participação de mercado.
A Amazon informa que os “vendedores terceirizados definem seus próprios preços” e que a companhia “oferece ferramentas opcionais para ajudá-los a ter preços baixos e competitivos”.