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Data: 22/01/2024

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Mercado mantém visão otimista com o real

Mesmo que o Federal Reserve (Fed) não comece a reduzir os juros em março, o ambiente de taxas mais baixas nas economias avançadas deve dar apoio ao real, que é sustentado, ainda, pela melhora da balança comercial e pela postura cautelosa adotada pelo Banco Central no processo de cortes da Selic. O otimismo se reflete na posição vendida em dólar (aposta na queda da moeda) dos fundos locais, que se mantém em níveis recordes, o que contrasta com a postura conservadora do investidor estrangeiro neste início de ano.

“Desde o início de dezembro, a indústria está com um viés mais positivo para o real”, observa o gestor Eduardo Cotrim, da JGP, ao se referir à posição vendida em dólar do investidor institucional local via derivativos (dólar futuro, swap cambial, cupom cambial e dólar mini), que estava em US$ 16,01 bilhões na quinta-feira, de acordo com dados da B3. “Ainda tenho um viés otimista para o real, porque temos fatores para acreditar que veremos sobra de dólares no Brasil.”

Do começo do ano até o fechamento dos negócios de sexta-feira, o dólar acumulou alta de 1,53% ante o real. O comportamento do câmbio doméstico tem sido baseado, em particular, na dinâmica externa, no momento em que as discussões sobre o início do ciclo de flexibilização monetária do Fed têm tido impacto relevante nos juros americanos de curto prazo. Na visão de profissionais consultados pelo Valor, há motivos para acreditar que, à frente, o câmbio deve voltar a se valorizar.

“Eu estou na linha de que não vamos ver queda de juros nos EUA em março e isso, em tese, é algo que fortalece o dólar. Atrapalha um pouco, mas, quando eu olho os dados de balança comercial, balanço de pagamentos e o BC mais cauteloso, ainda vejo um ambiente bom para a moeda”, diz Cotrim. Ele afirma que parte da posição comprada da JGP em real se dá contra o dólar e outra parte, contra o euro. “Se tivermos um dólar mais forte no mundo, isso ajuda a dar uma balanceada”, afirma o gestor.

O fluxo cambial é um fator positivo que tem papel de destaque na visão do gestor. Até o dia 12 de janeiro, o câmbio contratado acumulou no ano uma entrada líquida de US$ 3,575 bilhões, segundo dados do BC. “O problema é que, nos últimos dias, os juros começaram a abrir [subir] lá fora”, observa Cotrim, ao apontar, ainda, para dados mais fortes da economia dos EUA, como as vendas no varejo de dezembro e o número semanal de pedidos de seguro desemprego, que veio muito abaixo do esperado. “Tudo isso ajuda a fazer com que o dólar fique um pouco mais forte.”

A alta do dólar contra o real não é exclusiva do mercado doméstico. O índice DXY, que mede a força do dólar contra uma cesta de outras seis moedas principais, subiu 0,82% na semana passada, para 103,24 pontos. Além disso, a divisa americana também acumulou ganhos contra moedas emergentes.

Diante dos dados mais fortes da economia americana que têm sido vistos, Bruno Marques, sócio e cogestor dos fundos multimercados da XP Asset Management, acredita que o dólar pode ser beneficiado momentaneamente, mas, para o ano, a expectativa continua a ser de corte de juros, o que deve apoiar os ativos de risco. “Não quer dizer que vai ser um movimento de linha reta. De todo modo, continuamos otimistas com o real.”

Neste começo de ano, o ajuste no câmbio tem se dado, em especial, pelo investidor estrangeiro. A posição comprada em dólar (aposta na alta da moeda) via derivativos pelos estrangeiros renovou recorde e, na quinta-feira, estava em US$ 65,72 bilhões, um aumento de US$ 11,39 bilhões somente em 2024, de acordo com dados da B3.

Com uma visão que se baseia em um cenário externo construtivo ao longo do ano, a XP Asset aproveitou o fim do ano passado, com a saída sazonal de dólares via fluxo financeiro, para aumentar a posição comprada em real, segundo Marques. Além do cenário externo, ele menciona os números robustos das contas externas, em um desempenho positivo que deve se fazer presente novamente em 2024.

Assim, mesmo com a perspectiva de um diferencial de juros menor entre Brasil e EUA, Marques acredita que a situação atual é diferente do último ciclo de flexibilização monetária no país, entre 2018 e 2020. “É claro que o menor diferencial de juros à época acabou atrapalhando o real, mas havia outros fatores que tiveram relevância para essa desvalorização, como a Petrobras recompondo seu balanço, ao comprar dívidas externas e mandar quase US$ 40 bilhões para o exterior”, diz o gestor, ao lembrar, ainda, do impacto do “overhedge” dos bancos no período, quando o dólar chegou a ultrapassar R$ 5,80.

Quando eu olho os dados de balança comercial e o BC mais cauteloso, vejo um ambiente bom para o real”
— Eduardo Cotrim

“Havia um fluxo de saída que não tinha relação com o diferencial de juros e, agora, não temos mais isso”, pondera Marques. “Quer dizer que voltaremos a juros tão baixos? Não, mas, com um ambiente externo mais favorável, poderemos ter uma Selic a 8%.”

O risco de uma mudança na postura do Fed ao longo do ano na condução da política monetária nos EUA também é citado pelo gestor Daniel Gordonos, da Vinci Partners. Ele, porém, acredita que, com a indicação do Fed de que os juros americanos já atingiram o pico, o real “parece estar bem posicionado”, especialmente ao se observar os fatores domésticos, que dão sustentação a um bom desempenho da moeda brasileira. A Vinci tem posições compradas em real e vê chance de aumentar a exposição.

Na visão de Gordonos, mesmo que a balança comercial não apresente a mesma robustez do ano passado, o real deve continuar sustentado, diante da expectativa de que o superávit comercial deste ano não seja tão distante dos números de 2023. “O investidor – e não só aquele de mercado, mas o de investimento direto – quer saber se a moeda terá estabilidade ou se ela pode sofrer uma grande desvalorização. E uma redução de superávit, desde que não seja uma deterioração expressiva, não altera essa estabilidade”, afirma.

Além disso, a condução da política fiscal e da política monetária é um fator positivo para o câmbio, na avaliação do gestor da Vinci. “Por mais que tenhamos esses ruídos que vemos no noticiário, na prática ambas as políticas estão sendo conduzidas de forma consistente. Não vemos voluntarismo do BC e, na questão fiscal, ainda que haja debates, as coisas estão bem ancoradas”, afirma. “Com essa política econômica previsível e uma balança comercial muito positiva, eu diria que, ao longo do tempo, o real deveria se beneficiar disso.”

E é com base na indicação de que os riscos políticos e fiscais “parecem contidos” no Brasil que as estrategistas Gisela Brant e Tania Escobedo, do J.P. Morgan, mantêm recomendação “overweight” (acima da média) para o real. O banco americano, além disso, detém em seu portfólio posições compradas em real contra o peso colombiano.

Na visão das estrategistas, as perspectivas para 2024, após um período de incertezas políticas e fiscais, “parecem benignas”. Entre os fatores citados por elas estão a manutenção da meta de resultado primário deste ano em 0% do PIB; a aprovação da reforma tributária; e os efeitos agregados das reformas econômicas desde 2016.

Embora os riscos relativos à política do Fed ainda estejam no topo da lista dos investidores, potenciais impactos da eleição presidencial americana também já começam a ser citados por participantes do mercado. “É um ingrediente que pode atrapalhar um pouco posições vendidas em dólar contra moedas emergentes”, observa Cotrim, da JGP.

“Coincidentemente, um dia após as prévias republicanas em Iowa, onde o [ex-presidente americano Donald] Trump saiu vencedor, a moeda mexicana performou muito mal. É um sinal ruim para emergentes”, alerta. “O timing foi surpreendente. Se o mercado começar a operar a eleição americana, pode não ser legal para as moedas emergentes. É um risco para a posição comprada em real.”