Em julho deste ano, a casa de leilões Sotheby’s, em Paris, foi palco de uma transação histórica: a venda da bolsa Birkin original, feita sob medida pela Hermès para Jane Birkin e um marco na história da moda, pelo valor recorde de 8,6 milhões de euros (cerca de R$ 55 milhões).
A bolsa em questão tem particularidades que a tornam única no mundo, mas o valor astronômico pago pelo item — reflexo da grande valorização que o objeto teve ao longo das últimas décadas — não é nenhuma exclusividade e nem novidade. Itens de luxo como bolsas, carros, relógios, joias e vinhos — e outros objetos colecionáveis — muitas vezes abandonam as suas funções originais para fazerem parte de um portfólio de investimentos.
E não são somente as casas de leilões que se beneficiam da movimentação financeira oriunda do interesse do público de altíssima renda. A popularização do mercado de second-hand ampliou o mercado endereçável e também o potencial de liquidez — principalmente para produtos como bolsas e relógios.
Segundo um estudo da Bain & Company, o varejo global de luxo movimentou 1,48 trilhão de euros (cerca de R$ 9,22 trilhões) em 2024 — queda de 3% no comparativo com o ano anterior, incluso o efeito do câmbio. No levantamento, o Brasil (ao lado do México e o restante da América Latina) aparece como destaque e tendência de crescimento.
Já o Knight Frank Luxury Investment Index (KFLII) aponta que o mercado de colecionáveis de luxo recuou 3,3% no último trimestre de 2024. Segundo o relatório “The 2025 Luxury Investment Index”, o recuo aponta que colecionadores e investidores estão navegando um cenário que está mudando e onde “escassez não garante retornos”. Apesar da conclusão, a queda é creditada a uma correção após anos de crescimento robusto.
Ainda que o mercado tenha encolhido, alguns itens colecionáveis como bolsas, joias, moedas, relógios e carros mostraram crescimento — mas abaixo da inflação global, de 5,8%.
As bolsas de alto luxo foram as que mostraram o maior índice de crescimento no último ano— 2,8%. Em 10 anos, a alta acumulada supera os 85%. As bolsas Hermès, reconhecidas pela sua raridade e qualidade, aparecem como os principais objetos de desejo e de retorno.
Entre relógios, marcas como Rolex, Patek Philippe, Breiling, Omega e Cartier foram algumas das que viram uma valorização de cerca de 125% na última década. Vinhos tiveram queda de 9,1% no ano (mas alta de 37% em 10 anos). Enquanto isso, o mercado de arte caiu 18,3%, mas preserva ganhos de 54% na década.
Já o S&P Global Luxury Index, que reúne as 80 maiores empresas do universo do luxo, apresenta alta de 23% nos últimos cinco anos.
O retorno acumulado robusto no longo prazo, aliado ao interesse pelos objetos deixa muitos inclinados a investirem no segmento. Mas apesar do bom resultado dos índices, especialistas consultados pela Forbes apontam que, para pessoas com grandes patrimônios, esse tipo de investimento é quase “irrelevante” para uma estratégia mais ampla.
“Investir em luxo é, muitas vezes, sobre história e pertencimento, não sobre rentabilidade”, aponta Marta Zaidan, sócia e CIO da Vos Investimentos.
Yuri Freitas, head de Planejamento Patrimonial para o Brasil no UBS GWM, explica que o banco suíço não encara o investimento em arte e colecionáveis como uma categoria de ativos destinada a gerar retorno dentro da carteira de um cliente. Isso acontece pela dificuldade de se precificar os itens. “Para nós, eles estão muito relacionados à satisfação que aquele indivíduo tem com aquela obra. O banco presta assessoria para quem quer investir nesses ativos, mas a tomada de decisão deveria ser a paixão e o interesse pessoal”, explica.
Luxo: retorno ou narrativa?
Ao contrário do que ocorre em diversas classes de ativos, não há um índice de referência para a precificação de uma bolsa ou de um vinho raro. Eles são ativos pouco convencionais. É a escassez e não a sua utilidade que o transforma em potencial reserva de valor. E à ela se somam elementos como a história, qualidade do produto e valor de mercado.
“Em termos de portfólio, o impacto é irrisório. É um mercado movido por desejo, muito mais do que por retorno financeiro”, pondera Mariella Gontijo, também da Vos. “Esses ativos têm pouca liquidez e são difíceis de precificar. É mais teoria do que prática”. Em síntese: a decisão de investimento está escorada mais em uma narrativa emocional do que em uma decisão técnica.
Se há algo que une os apaixonados por esses itens, é o senso de pertencimento. Freitas, do UBS, observa que, para muitos clientes, o investimento em luxo é uma forma de participar de comunidades exclusivas, compartilhando paixões — por arte, carros antigos, vinhos raros — e conexão por meio das experiências. O retorno não é financeiro, é simbólico e imensurável.
Não é só paixão
Os especialistas consultados pela Forbes Brasil apontam que o universo de colecionadores de itens de luxo é muito semelhante ao dos investidores de arte. Ainda que não façam parte oficialmente do portfólio de investimentos, bancos e family offices podem atuar como facilitadores do processo de compra e venda.
“Nosso papel é dar estrutura e segurança, especialmente em relação à autenticidade, transporte, seguro e sucessão dessas obras ou peças”, explica Freitas, do UBS. “O banco atua desde a assessoria técnica — como participar de leilões com anonimato, por exemplo — até questões tributárias e jurídicas, garantindo que o cliente esteja protegido.” Além disso, o banco também promove a interação entre comunidades de colecionadores para troca de experiências e oportunidades de troca.
Já na Vos, a preocupação é equilibrar entusiasmo e racionalidade. “Muitos clientes chegam com vontade de investir em luxo, e a primeira coisa que fazemos é mostrar que é preciso responsabilidade. É importante entender que não é um ativo líquido, e que o ganho, se vier, é um bônus”, afirma Gontijo.
O avanço do mercado second-hand, com a revenda de itens de luxo, transformou a relação entre consumo e investimento. Peças que antes eram apenas de uso pessoal hoje têm preço de mercado. O movimento não só deu liquidez maior aos ativos, mas também criou um comparativo melhor para o preço de mercado dos itens.
Gontijo observa que essa nova dinâmica também se apoia em valores contemporâneos, com as gerações mais jovens atentas aos impactos ambientais do consumo — ainda que de luxo.
No fim do dia, a visão dos especialistas aponta que investir em luxo é também investir em narrativas – e em estilo de vida. Um investimento que está menos no balanço patrimonial e mais na biografia de quem o faz.