Veículo: Valor Econômico
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Data: 29/10/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Como saber se o consumidor está prestando atenção

Contar quantos segundos um anúncio permanece na tela não é o mesmo que medir a atenção de quem está olhando para a tela. É o que defende a pesquisadora australiana Karen Nelson-Field, fundadora da consultoria Amplified Intelligence.

Nelson-Field, que trabalha com marcas como Nestlé, Procter & Gamble (P&G), Pepsi, Red Bull e Danone, pela primeira vez estará no Brasil, nesta quarta-feira (29), a convite da Netflix para falar no evento de marketing MMA Innovate, em São Paulo.

A pesquisadora, em entrevista on-line ao Valor, disse que parte significativa dos orçamentos de mídia é desperdiçada por falta de critério na escolha dos formatos. Para ela, eficiência não depende de gastar mais, e sim de direcionar melhor os recursos.

Em parceria com a Netflix Ads, plataforma de anúncios da empresa de “streaming”, Nelson-Field conduz um estudo sobre atenção em telas grandes, já concluído no México.

No Brasil, o estudo está em fase de implantação, com previsão de ser iniciado ainda neste ano.

A pesquisa utiliza pequenos computadores enviados às residências para medir, com consentimento, o movimento dos olhos e das expressões faciais enquanto os espectadores assistem à TV ou ao “streaming”. Os primeiros resultados, obtidos na etapa conduzida com o público mexicano, indicaram que 80% dos anúncios exibidos na Netflix são vistos com atenção desempenho superior ao da TV aberta (66%) e de plataformas digitais naquele país.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Nos últimos anos, pesquisas mostraram uma redução na capacidade de atenção e uma desconexão entre marcas e consumidores. Quais formatos ou abordagens têm se mostrado mais eficazes para as marcas superarem esse cenário?

Karen Nelson-Field: Há um limite para o que uma marca pode fazer. Na forma como a atenção funciona, a experiência do usuário na plataforma define o quanto de atenção ele pode dedicar. Nas redes sociais, você é treinado para rolar a tela; em algumas, para pular; em outras, a sair o mais rápido possível. No ‘streaming’, no cinema, em telas grandes, é diferente, porque é uma experiência de entretenimento. Então, para marcas que tentam aumentar a atenção nas redes sociais, é difícil porque a forma como essas plataformas foram projetadas impede isso. Existe um conjunto de gatilhos que ajuda, como melhorar o conteúdo para que “entre” mais cedo, priorizar emoção em vez de razão, trabalhar surpresa, ressonância, relevância. Chamamos as marcas que fazem isso de “amplificadores de atenção”. Mas, quando você tem dois segundos para impactar alguém, há um limite para o que é possível fazer.

Valor: Quais tecnologias de mensuração estão mais próximas de criar padrões éticos e confiáveis para medir atenção?

Nelson-Field: Essa é a raiz do problema. Por 20 anos, a métrica padrão foi o tempo de exibição, ou seja, quanto tempo o anúncio fica na tela. Mas isso não mede atenção. O anúncio pode estar na tela e ninguém estar olhando. A diferença entre o tempo em tela e o tempo de atenção é enorme, especialmente no ambiente programático. A mensuração precisa voltar a considerar o fator humano. Com isso, é possível construir bons modelos sintéticos, o que exige dados de referência. É por isso que valorizo o uso de biometria, com consentimento, para observar, por exemplo, se uma pessoa está olhando ou não para a tela. É a melhor forma de entender se há atenção de fato.

Valor: Como funciona essa tecnologia?

Nelson-Field: Nós coletamos, com permissão, vídeos de pessoas interagindo com mídias, seja no celular, na TV ou no “streaming”. Medimos o rosto e o movimento dos olhos para saber onde o olhar está focado. No caso da TV e do streaming, enviamos pequenos computadores para as casas das pessoas para capturar as expressões faciais e entender a direção do olhar. É visão computacional em sua forma mais pura. Tudo é feito com triplo consentimento, e nenhuma imagem facial é armazenada. No “streaming”, o processamento ocorre no próprio dispositivo, eliminando qualquer risco de privacidade.

Valor: Você enfrentou resistência ao propor essas novas métricas?

Nelson-Field: No início, sim. As pessoas não gostam de mudanças. Estavam acostumadas com a métrica de visibilidade. Mas os dados contam a verdade, e a diferença entre ser exposto a um anúncio e realmente vê-lo é enorme. Hoje, há muito mais aceitação sobre a necessidade de mudar. Publishers de qualidade, como a Netflix, se beneficiam disso, porque sabemos que, no streaming, as pessoas estão relaxadas, assistindo de fato. Já os que têm uma diferença grande entre exposição e visualização ficam mais apreensivos. As agências de publicidade gostam, porque isso ajuda a planejar melhor o alcance e a distribuição de mídia. Os clientes que usam esses dados ganham em performance e otimizam gastos. CEOs e CMOs ficam satisfeitos.

Valor: Quanto tempo leva um projeto desse tipo?

Nelson-Field: Depende. Quando fazemos medições domiciliares, como no caso da Netflix, pode levar alguns meses. Precisamos obter todas as autorizações de conformidade e envio dos computadores. Em três meses já é possível ter uma base sólida de dados, mas o processo completo pode levar até seis meses, dependendo do país. O resultado é um conjunto de dados muito profundo e valioso.

Valor: Entre os diferentes formatos de mídia, quais se destacam por captar mais atenção?

Nelson-Field: Costumo dividir em quadrantes. De um lado, os formatos não entediantes, como cinema, “streaming”, TV, que mantêm o público engajado por mais tempo. Do outro, o “rabo longo” da mídia programática, que chamo de extremamente entediante. Há marcas que conseguem se sair bem com anúncios curtos, o exemplo clássico é a lata vermelha da Coca-Cola, reconhecida em dois segundos, mas, de modo geral, formatos mais longos e imersivos são mais eficazes.

Valor: Como equilibrar a coleta de dados com a privacidade?

Nelson-Field: Privacidade nunca deve ser comprometida. Qualquer empresa que faz vigilância sem consentimento tem uma atuação indevida. Nós seguimos rigorosamente as regras de consentimento e damos total controle ao usuário para revogar a permissão. É um processo cuidadoso, mas necessário para manter a ética e a confiança.

Valor: No Brasil, se fala muito sobre misturar formatos e canais para melhorar os resultados das campanhas. A senhora acredita nisso?

Nelson-Field: Sim, acredito, desde que o mix de mídia seja bem feito. Alguns meios constroem marca, outros reforçam a lembrança. O problema é o excesso: a ideia de “muitos formatos pequenos” foi tirada de contexto. Não se trata de ter cem formatos diferentes, mas de encontrar o equilíbrio certo entre canais. Quando o mix está bem estruturado, o retorno é melhor.

Valor: As marcas precisam investir mais hoje para conquistar atenção?

Nelson-Field: Não, pelo contrário. O que falta não é investimento, é eficiência. Muito dinheiro é desperdiçado em formatos ineficazes. Se as marcas realocarem esses recursos para canais que realmente geram atenção, conseguirão mais resultado sem gastar mais. O setor é obcecado por impressões. As pessoas têm dificuldade de trocar “10 milhões de impressões” por “5 milhões melhores”. Impressões não são iguais. O segredo não é investir mais, é investir melhor, podendo até gastar menos para ter o mesmo resultado.