A temporada de resultados financeiros do terceiro trimestre do setor de varejo deve mostrar uma desaceleração da atividade, apesar da resiliência que alguns segmentos devem apresentar. Mesmo o quarto trimestre, com festas de fim de ano e datas como Black Friday e Natal, ainda não deve abrir espaço para uma inflexão dessa tendência, segundo analistas consultados pelo Valor.
Eles apontam os juros altos como fator que têm freado a atividade, como acontece em outros setores da economia. Atualmente, a Selic está em 15%, maior patamar em quase 20 anos, com expectativa de que cortes aconteçam apenas no próximo ano.
“Se o Banco Central sinaliza que tem espaço para queda de juros, significa que ele está enxergando a inflação sob controle e potencial para colocar no mercado um crédito mais barato. As empresas interpretam isso como um sinal de que vale a pena voltar a discutir expansão e linhas novas de produtos. Como essa sinalização não deve vir antes do fim do primeiro trimestre de 2026, vamos ver o mesmo panorama [de desaceleração] até lá”, afirma Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, focada no setor de varejo.
Ela diz que os juros altos são um “vírus” porque seguram o pagamento de dívidas e atrapalham o crescimento do varejo. Segundo Tozzi, mesmo que haja a perspectiva de queda dos juros no primeiro trimestre de 2026, o processo deve ser lento, o que mantém o varejo sem apetite para expansão ou investimento.
“Não faz sentido trabalhar no investimento de uma loja, de alguns milhões de reais, que vai ter ‘payback’ daqui a cinco anos, sem saber qual perspectiva eu tenho de queda de juros”, diz.
O analista de consumo e varejo do BTG Pactual, Luiz Guanais, concorda e diz que, enquanto não houver novas quedas nos juros, é difícil pensar em grandes acelerações no setor de varejo. “No quarto trimestre, acho que algumas empresas até vão reacelerar, mas com o consumo em geral ainda sendo impactado pelos juros. Talvez no ano que vem, com queda das taxas, o consumo poderia se recuperar, mas gradualmente. Não acho que ele se recupera de uma vez.”
Segundo o Índice de Varejo Stone (IVS), divulgado nesta semana, as vendas do varejo brasileiro subiram 0,5% em setembro, na comparação com agosto, mas tiveram recuo de 0,5% no terceiro trimestre, frente ao mesmo trimestre de 2024. Na comparação com o segundo trimestre de 2025, a queda foi de 0,2%.
A projeção do BTG é que a receita líquida do setor cresça 8% ao ano, enquanto o lucro líquido deve cair de R$ 1,39 bilhão no terceiro trimestre de 2024 para R$ 1,26 bilhão no terceiro trimestre deste ano.
Analistas do Itaú BBA disseram em relatório recente que a percepção da redução do consumo levou os investidores a um modo de aversão ao risco, com os papéis mais líquidos do setor de varejo sofrendo quedas de 15% a 20% nos últimos 30 dias.
Segmentos mais resilientes
Entre os diferentes segmentos de varejo, os vistos com mais otimismo por Tozzi, da AGR Consultores, são os farmacêuticos e de cosméticos. “Esse varejo cosmético e esse varejo farmacêutico têm um comportamento completamente diferente do varejo de vestuário, por exemplo, e ainda mais do eletroeletrônico.”
Ela diz que o varejo farmacêutico, embora não apresente grandes resultados, ainda cresce em receita, mostrando resiliência. “Quando falamos do varejo de cosméticos, que também é um varejo resiliente, começamos a ver melhora dos números da Natura, assim como vemos números muito bons em relação ao Boticário.”
O analista do BTG concorda que o segmento farmacêutico é exceção e diz que ele ainda deve apresentar resiliência. Guanais afirma que o setor tem se beneficiado, entre outras coisas, da venda de medicamentos análogos ao GLP-1, de tratamento para diabetes e obesidade, e de outras tendências, como o aumento das vendas de medicamentos antigripais, provocados por um julho mais frio neste ano.
“Vamos ver empresas como Drogasil, Panvel e Pague Menos com bons resultados no terceiro trimestre e tem esse efeito do GLP-1, que ajuda junto com outras tendências.”
O analista afirma que em outros segmentos, como de serviços e de bem estar, uma ou outra companhia deve apresentar bons resultados. Cita a SmartFit como empresa que tem conquistado cada vez mais espaço no País e Track&Field como outra que deve apresentar resiliência e resultados melhores. “Eu colocaria a Vivara nesse grupo também.”
Eletrônicos devem desacelerar
No setor eletroeletrônico, mais ainda do que em outros, é a taxa de juros o principal problema, segundo a CEO da AGR Consultores. Ela diz que itens de alto valor agregado, como geladeiras, máquinas de lavar e televisores grandes, não estão girando bem devido ao parcelamento com juros de 15%, que torna as mensalidades muito altas.
“É só olhar o balanço do que está acontecendo com a Casas Bahia e até mesmo com o Magalu, que têm uma diversificação de portfólio de produtos. Não vemos números excelentes, justamente porque as vendas não estão excelentes”, afirma. Ela diz que apesar de setembro ter registrado alívio pontual para o segmento, o setor fechará o trimestre e também o ano negativo, “sem dúvida”.
Tozzi acredita que a Black Friday não deve registrar grande saída dos itens usualmente mais procurados, os eletrônicos, como celulares e televisões. “Claro que quando falamos de Black Friday e Natal, enxergamos crescimento de vendas em relação aos meses anteriores, mas em relação ao ano anterior, não. Então, a desaceleração vai sim até o fim do ano”, diz.