Casino precisa reduzir seu índice de alavancagem até o fim do ano, sob risco de voltar a quebrar “convenants” junto a credores, e por isso, a venda de ações ON no GPA deve acontecer nas próximas semanas
Por Adriana Mattos, Valor — São Paulo
15/09/2025 14h54 Atualizado agora
O grupo francês Casino precisa reduzir seu índice de alavancagem até o fim do ano, sob risco de voltar a quebrar “convenants” junto a credores, e por isso, a venda de 110,5 milhões de ações ON da companhia no GPA deve acontecer nas próximas semanas. Inicialmente, o plano é que isso ocorra até o fim de setembro ou, no máximo, após a assembleia geral extraordinária (AGE) do GPA de 6 de outubro, apurou o Valor.
O CEO do Casino, Philippe Palazzi, esteve no Brasil na semana passada, na tentativa de avançar com as negociações de venda dos papéis, que equivalem a 22,5% do GPA. Segundo uma fonte a par das tratativas, o BH Supermercados teria desistido de avançar nas análises, com base em decisão tomada semanas antes da chegada de Palazzi em São Paulo.
O Pipeline informou que executivos da Cencosud visitaram lojas do GPA. Segundo uma fonte, o Spani Atacadista e os acionistas do Roldão teriam sido sondados para analisar os números e visitar as lojas. O Roldão não tem interesse na empresa.
O plano em andamento envolve a venda das ONs pelo Casino para sair do Brasil, de forma definitiva, por 70 milhões de euros a 80 milhões de euros, algo que giraria em torno de R$ 450 milhões a R$ 500 milhões, apurou o Valor. A ideia inicial de 100 milhões de euros pelos 22,5% já foi descartada — a empresa vale hoje na bolsa R$ 2,015 bilhões (cerca de 322,5 milhões de euros).
Esses 70 milhões de euros a 80 milhões de euros equivaleriam a R$ 4,10 a R$ 4,50 por ação — só que, considerando a média do papel de setembro, o valor visto como justo para uma venda hoje estaria mais para o piso da faixa, sem prêmio, segundo uma fonte que já avaliou o ativo, mas desistiu do negócio.
A escalada das ações nos últimas semanas, sustentada em parte por informações publicadas de que existiria um maior interesse na empresa — e de que a família Coelho Diniz tem ampliado a fatia — sempre pode turbinar esse número.
Não é de hoje que o sobe e desce das ações da varejista brasileira seguem rumores favoráveis ou contrários à saída do Casino do país e sobre a movimentação dos Coelho Diniz, só que dessa vez, diferente do que se viu na gestão de Jean-Charles Naouri, não há carta na manga do Casino, especificamente para dinheiro de curto prazo, além da venda das ONs.
Por isso, há mais expectativa de que os franceses deixem a rede de forma definitiva, após mais de duas décadas e meia na sociedade.
No ano, a ação de GPA subiu 56%, e desde a metade de agosto, já escalou 50%, algo que cria uma porta de saída para os franceses.
O problema é quem levaria as ações de Casino considerando o risco jurídico da varejista brasileira.
O Valor apurou que, supermercadistas que já viram os números consolidados distribuídos pelos assessores da rede fizeram contas separadamente e contabilizaram R$ 17 bilhões em contenciosos, junto à União e Estados, e cerca de cinco mil autos de infração. A maior parte seria federal, diz uma das fontes a par dos números.
A empresa tem quase R$ 14 bilhões em seguro garantia e carta de fiança para ações tributárias, trabalhistas e cíveis.
O nó do Casino
O ponto central para os franceses é a pressão do indicador financeiro que rege os “covenants”.
Houve um período de suspensão dos covenants negociado, mas a obrigatoridade de respeitá-los volta partir de 30 de setembro, e este é visto pelos investidores como principal teste do ano da atual administração, na liderança do Casino desde 2023.
A relação dívida líquida e Ebitda válida para esses indicadores financeiros (a serem seguidos como definido em contrato de financiamento) fechou em 9,75 vezes em 30 de junho, e precisa estar em 8,34 vezes em setembro e 7,17 vezes em dezembro deste ano.
Ou seja, será preciso tirar da cartola um recuo de um quarto no índice em seis meses. De janeiro a junho, já conseguiu reduzir de 11,7 para os 9,75 vezes, velocidade menor do que a que precisa agora.
Como pela geração de Ebitda, que mede lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação, não se consegue uma queda tão rápida (essa linha tem subido 10%), a saída é gerar liquidez mais imediata via venda das ONs de GPA, ou uma nova injeção de recursos dos sócios, que não parece estar no radar pelas informações atuais.
As ações de Palazzi têm trazido melhorias, mas os resultados que levariam a uma melhoria na alavancagem ainda demoram a aparecer.
O Casino já havia confirmado em 2023, em meio a um duro processo de reestruturação na França, que o ativo no país poderia ser vendido.
O mercado assiste a “novela Casino” desde quando a companhia era administrada por Jean-Charles Naouri, que deixou o controle há dois anos, após uma forte diluição, e não comanda mais a empresa.
O Casino foi construído por Naouri com base em aquisições de negócios que envolveram aumento de alavancagem em diversas estruturas de sua holding.
A intenção era gerar receita e pagar as dívidas das empresas abaixo da holding distribuindo lucro, mas forte concorrência, aumento de desconfiança pelo mercado e alta dos juros levou a uma reestruturação judicial em 2019.
Para sair dessa encruzilhada, já na gestão de Naouri, vendeu-se bilhões em ativos na Europa e no Brasil, e, depois disso, em situação ainda muito delicada, foi feito aporte de capital de 1,2 bilhão de euros em 2024 — que levou o bilionário tcheco Daniel Kretinsky a se ternar o controlador.
No entanto, a maioria dessas alienações já foi concluída, e os novos donos ainda precisam baixar mais a alavancagem em 2025.
Operacionalmente, o CEO Philippe Palazzi tem um plano lançado para 2028 que tem animado investidores.
Isso envolve recuperação dos negócios da rede Monoprix, Franprix e Casino, com base principalmente na manutenção e desenvolvimento da rede de franquias, corte e eficiência de custos para diluir mais gastos e gerar mais ebitda e caixa, que é o que precisa sustentar a empresa daqui para frente.
Procurado para comentar, o Casino ainda não se manifestou.
— Foto: Silvia Costanti/Valor