Visto como a área segura para lançamentos imobiliários, diante dos juros altos, o segmento de alto padrão teve crescimento de 57% nas unidades lançadas no primeiro semestre, e o valor geral de venda (VGV) dessas unidades subiu 81%, segundo pesquisa realizada pela consultoria Brain em todas as capitais do país. As vendas também cresceram, mas em ritmo menor, de 20% e 74%. “A oferta cresceu em velocidade maior do que a de compradores”, diz Fabio Araújo, CEO da Brain.
Mesmo onde o escoamento tem ocorrido em ritmo adequado, o maior interesse de incorporadores pelo alto padrão aumentou a disputa por espaço e a busca por áreas alternativas. “Encontrar novas regiões para onde o cliente vá é o maior desafio do luxo.”, diz Araújo.
Otávio Zarvos, fundador e CEO da incorporadora Idea!Zarvos, conta que seu negócio está construindo em bairros clássicos para o alto padrão, como Itaim Bibi e Jardins, mas só porque os terrenos foram comprados há mais de seis anos. A disputa encareceu as áreas, a pandemia deixou as obras mais caras, e cobrar R$ 50 mil por metro quadrado já se tornou “barato” nesses locais. “São preços que começam a ficar bem desafiadores”, afirma. Tanto que, hoje, a empresa procura novas regiões para atuar, mantendo como alvo o público de alto padrão.
Não será a primeira vez que a Idea!Zarvos se arrisca em uma área nova. A empresa nasceu com foco na Vila Madalena, mas lançou quatro projetos na Vila Ipojuca, bairro ao lado. São apenas 5 minutos de carro, mas para os consumidores já parecia muito. A incorporadora está terminando de vender o último dos quatro projetos na região, e Zarvos analisa que a investida ajudou a melhorar e rejuvenescer o bairro. Porém, a empresa sofreu nos primeiros anos. “Vimos o quão difícil é essa mobilidade”, diz.
Ele afirma que há apenas quatro bairros para onde o cliente de alta renda deseja ir: Itaim Bibi, Jardins, Vila Nova Conceição e, mais recentemente, Pinheiros. Higienópolis perdeu seu lugar na lista. Já a Vila Madalena tem seu público cativo, à parte.
Quando se é uma incorporadora de grande porte, diz, é mais fácil entrar em uma área nova. “Para desbravar, precisa ter um grande investimento, aí você compra uma área grande, perde no comecinho, mas depois tem onde ganhar”, afirma. “Quando você é pequeno, vai para uma área dessa e desbrava para os outros”. A Idea!Zarvos se vê como uma empresa de porte médio.
Luciano Amaral, CEO da Benx, reduz para três os bairros desejados em São Paulo pela alta renda: Jardins, Itaim Bibi e Vila Nova Conceição, com o acréscimo da rua Curitiba e da avenida República do Líbano, no entorno do parque Ibirapuera. Sua empresa levou anos para tornar uma outra região um ponto de interesse do alto padrão, com o megaprojeto Parque Global, ao sul da Marginal Pinheiros. O negócio contou com investimentos pesados e outros atrativos, como hospital e shopping. “Empreendedor tem que arriscar”, diz.
Para Amaral, a região “deu certo” por estar cercada de escolas que esse público aspira para os filhos e próxima a novos polos corporativos de alto padrão.
Replicar o projeto em outro canto da cidade, ao menos no curto prazo, seria impossível. “Não vejo áreas com essa capacidade, a não ser no Jockey Club, que está tombado”, afirma.
Menos arriscado é o novo lançamento da Benx, o 280 Art Boulevard, entre o Itaim e o Jardim Europa, com unidades a partir de R$ 40 milhões. O desafio ali, conta Amaral, foi conseguir formar um terreno grande, de 3 mil m2, que envolveu uma disputa com 60 concorrentes por uma agência bancária e paciência para levar um posto de combustível cheio de “imbróglios jurídicos”.
Se o mercado de alto padrão já é concentrado em São Paulo, no Recife a situação piora. A avenida Boa Viagem concentra os projetos de alto padrão, mas a Moura Dubeux viu potencial em outra área, uma “que ninguém queria, nem de graça”, conta o CEO Diego Villar. É o projeto Novo Cais, que surgiu como um consórcio de três empresas – posteriormente, a Moura Dubeux comprou a participação das demais. Antigo pátio de manobras de trens, com armazéns históricos, o espaço está sendo remodelado pela companhia, um investimento de R$ 150 milhões, fora o valor aportado nos lançamentos – “aí passa de bilhões”, afirma.
Dois projetos já foram entregues, outros quatro, lançados, e há mais dois em desenvolvimento. Logo no primeiro empreendimento, a empresa viu que precisaria fazer mais para convencer o cliente de alto padrão a se mudar para lá. “Vendemos ‘barato’, porque as pessoas não enxergavam o endereço”, diz Villar.
A incorporadora, então, deu destaque para o projeto em uma loja, com uma maquete com 63 m2 e uma sala “imersiva”, com telão do chão ao teto, máquinas de vento e até borrifadores de água, para que os interessados se sintam no local, que ainda não existe. “Tem dado super certo”, afirma o executivo. “Criamos o desejo pelo local”. Os projetos têm unidade de 28 m2 a 750 m2.
Em São Paulo, Otávio Zarvos conta que, em noites de insônia, se pergunta qual será a “nova fronteira” da sua empresa na cidade, que reúna terrenos mais acessíveis, concorrência menor e caia no gosto do público de alta renda. “Mesmo que tivesse a resposta, não ia dizer para você.”