Empresas norte-americanas colocaram na mesa seus argumentos contrários ao Pix em um documento encaminhado ao United States Trade Representative (USTR) — o Escritório do Representante Comercial dos EUA. As tratativas fazem parte do inquérito que investiga práticas comerciais brasileiras acusadas de irregularidades pelo governo de Donald Trump.
O Estadão pediu ao Banco Central, responsável pela criação do Pix, um posicionamento sobre as alegações das empresas americanas, mas a instituição ainda não se manifestou.
O documento foi produzido pelo Conselho da Indústria da Tecnologia da Informação (ITI), associação que reúne empresas de meios de pagamento, softwares, redes sociais, cibersegurança, processamento de dados e data centers, entre outras. A entidade tem voz ativa nos EUA desde sua fundação, em 1916, e conta hoje com 81 membros, incluindo gigantes do mundo financeiro como Visa e Mastercard e big techs como Amazon, Google, Apple, Microsoft, Meta, IBM, Intel, Dell e Nvidia, por exemplo.
A ITI criticou também o Brasil pelas políticas de moderação de conteúdo nas plataformas digitais, de inteligência artificial e de data centers, bem como pelas ameaças recentes do governo brasileiro de taxar as big techs.

Em relação ao Pix, a associação começou traçando elogios sobre como a ferramenta teve sucesso na inclusão financeira da população brasileira desde o seu lançamento pelo Banco Central, em 2020, e observou que as próprias empresas de lá fizeram parcerias para operar o Pix por aqui. “De fato, sua atuação e crescimento têm sido benéficos para todos os participantes, incluindo fornecedores de serviços de pagamento eletrônico dos EUA, que viram o volume de transações dobrar desde o lançamento do Pix”, descreveu.
Já na sequência do documento, a ITI passou a elencar suas preocupações e tecer críticas ao Banco Central. O problema, em sua avaliação, está no fato de o BC tanto regular quanto competir com as empresas de meios de pagamento no País, o que cria uma situação de competição desigual, em sua opinião.
“Embora não seja incomum para bancos centrais operar um ou mais sistemas de pagamento e supervisionar o setor privado, o BC falhou em estabelecer procedimentos de governança que evitem conflitos de interesse e abafem o setor privado”, afirmou a instituição.
A ITI apontou ao USTR que há uma infração da “neutralidade competitiva” por parte do BC, uma vez que a autarquia federal regula o sistema financeiro local, define padrões operacionais e condições para novos entrantes, ao mesmo tempo em que também opera o Pix, um concorrente das empresas de meios de pagamento. “Na prática, os fornecedores de serviços de pagamento eletrônico dos EUA estão sujeitos a uma competição desigual, uma vez que devem competir contra seu próprio regulador”, denunciou a associação norte-americana.
“Isso contradiz as melhores práticas internacionais e a orientação de entidades multilaterais, que defendem uma separação clara entre funções de supervisão e atividades comerciais”, afirmou.
O ITI reclamou também que o Pix não está sujeito à supervisão de um agente terceiro, ao contrário do que ocorre com as empresas privadas sob regulação do BC. O documento apresentou uma lista de práticas locais consideradas distorcidas (veja abaixo).
Nas suas argumentações, a associação não citou nomes de empresas, nem casos específicos. É sabido, porém, que o Pix teve impacto nos negócios de Visa e Mastercard, uma vez que o Pix é gratuito, enquanto os cartões de crédito e débito cobram taxas. O Pix também se tornou concorrente de big techs como a Meta, dona do WhatsApp, que também tem serviço de pagamento instantâneo.
Embora a manifestação da ITI tenha ocorrido na esteira de uma investigação formal conduzida pelo USTR, que pode desembocar em retaliações dos EUA ao Brasil, a associação sugeriu que as diferenças sejam resolvidas com base na conversa entre as autoridades dos dois países. “É crucial fortalecer os diálogos bilaterais”, defendeu. “O diálogo comercial entre EUA e Brasil provou ser uma plataforma bem-sucedida para abordar barreiras não tarifárias ao comércio entre ambas as nações no passado.”
Veja abaixo a lista de práticas ligadas ao Pix consideradas distorcidas, segundo o Conselho da Indústria da Tecnologia da Informação (ITI):
- Acesso a informações competitivas: O Banco Central do Brasil tem acesso a informações confidenciais e sensíveis de seus concorrentes privados (incluindo preços, desenvolvimento de produtos e planos de comercialização), e também gere o desenvolvimento e operação do Pix. Sem salvaguardas eficazes de governança, essa estrutura permite que o BC molde tanto a dinâmica do mercado quanto os padrões regulatórios de maneiras que favoreçam sua própria plataforma.
- Os bancos são obrigados a fazer investimentos nos sistemas e destacar a apresentação do Pix aos clientes nas suas plataformas, mas não existe o mesmo tipo de obrigação de se priorizar outras ferramentas privadas de meios de pagamento que concorrem com o Pix.
- Regulamentação que dita a posição prioritária do ícone do Pix dentro dos aplicativos bancários, garantindo destaque e experiência aprimorada para o usuário.
- Integração obrigatória de rede com o Pix, o que canaliza o comportamento de varejistas e consumidores para a plataforma governamental, restringindo oportunidades de crescimento para empresas dos EUA no ecossistema de pagamentos do Brasil.
- Padrões não equivalentes aplicáveis ao Pix como concorrente: os provedores de pagamento do setor privado devem oferecer segurança de alto nível o tempo todo. Isso significa estar sob supervisão constante do Banco Central e investir pesadamente para manter os sistemas seguros e resilientes. Os fornecedores de meios de pagamento também estão sujeitos a padrões técnicos, requisitos de coleta de impostos e custos de supervisão que não se aplicam ao Pix.
- Tratamento desigual das redes de cartões para iniciar transações no Pix: as redes de cartões dos EUA não estão autorizadas a usar suas credenciais para iniciar pagamentos via Pix. Como uma medida de boa-fé, o BC deveria expandir imediatamente o conceito de iniciação de pagamento para permitir que todas as redes de cartões e carteiras digitais iniciem pagamentos no Pix, e que isso seja feito de maneira que não requeira acesso contínuo ou retenção de dados de clientes e transações. Essa medida complementaria, mas não substituiria, as ofertas existentes do Pix e apoiaria uma adoção mais ampla.