Veículo: Estadão
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Data: 21/08/2025

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Empresas americanas acusam o Pix de ‘competição desigual’ em documento levado ao governo Trump

Empresas norte-americanas colocaram na mesa seus argumentos contrários ao Pix em um documento encaminhado ao United States Trade Representative (USTR) — o Escritório do Representante Comercial dos EUA. As tratativas fazem parte do inquérito que investiga práticas comerciais brasileiras acusadas de irregularidades pelo governo de Donald Trump.

Estadão pediu ao Banco Central, responsável pela criação do Pix, um posicionamento sobre as alegações das empresas americanas, mas a instituição ainda não se manifestou.

O documento foi produzido pelo Conselho da Indústria da Tecnologia da Informação (ITI), associação que reúne empresas de meios de pagamento, softwares, redes sociais, cibersegurança, processamento de dados e data centers, entre outras. A entidade tem voz ativa nos EUA desde sua fundação, em 1916, e conta hoje com 81 membros, incluindo gigantes do mundo financeiro como Visa e Mastercard e big techs como AmazonGoogleAppleMicrosoftMetaIBMIntelDell e Nvidia, por exemplo.

A ITI criticou também o Brasil pelas políticas de moderação de conteúdo nas plataformas digitais, de inteligência artificial e de data centers, bem como pelas ameaças recentes do governo brasileiro de taxar as big techs.

Em relação ao Pix, a associação começou traçando elogios sobre como a ferramenta teve sucesso na inclusão financeira da população brasileira desde o seu lançamento pelo Banco Central, em 2020, e observou que as próprias empresas de lá fizeram parcerias para operar o Pix por aqui. “De fato, sua atuação e crescimento têm sido benéficos para todos os participantes, incluindo fornecedores de serviços de pagamento eletrônico dos EUA, que viram o volume de transações dobrar desde o lançamento do Pix”, descreveu.

Já na sequência do documento, a ITI passou a elencar suas preocupações e tecer críticas ao Banco Central. O problema, em sua avaliação, está no fato de o BC tanto regular quanto competir com as empresas de meios de pagamento no País, o que cria uma situação de competição desigual, em sua opinião.

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“Embora não seja incomum para bancos centrais operar um ou mais sistemas de pagamento e supervisionar o setor privado, o BC falhou em estabelecer procedimentos de governança que evitem conflitos de interesse e abafem o setor privado”, afirmou a instituição.

A ITI apontou ao USTR que há uma infração da “neutralidade competitiva” por parte do BC, uma vez que a autarquia federal regula o sistema financeiro local, define padrões operacionais e condições para novos entrantes, ao mesmo tempo em que também opera o Pix, um concorrente das empresas de meios de pagamento. “Na prática, os fornecedores de serviços de pagamento eletrônico dos EUA estão sujeitos a uma competição desigual, uma vez que devem competir contra seu próprio regulador”, denunciou a associação norte-americana.

“Isso contradiz as melhores práticas internacionais e a orientação de entidades multilaterais, que defendem uma separação clara entre funções de supervisão e atividades comerciais”, afirmou.

O ITI reclamou também que o Pix não está sujeito à supervisão de um agente terceiro, ao contrário do que ocorre com as empresas privadas sob regulação do BC. O documento apresentou uma lista de práticas locais consideradas distorcidas (veja abaixo).

Nas suas argumentações, a associação não citou nomes de empresas, nem casos específicos. É sabido, porém, que o Pix teve impacto nos negócios de Visa e Mastercard, uma vez que o Pix é gratuito, enquanto os cartões de crédito e débito cobram taxas. O Pix também se tornou concorrente de big techs como a Meta, dona do WhatsApp, que também tem serviço de pagamento instantâneo.

Embora a manifestação da ITI tenha ocorrido na esteira de uma investigação formal conduzida pelo USTR, que pode desembocar em retaliações dos EUA ao Brasil, a associação sugeriu que as diferenças sejam resolvidas com base na conversa entre as autoridades dos dois países. “É crucial fortalecer os diálogos bilaterais”, defendeu. “O diálogo comercial entre EUA e Brasil provou ser uma plataforma bem-sucedida para abordar barreiras não tarifárias ao comércio entre ambas as nações no passado.”

Veja abaixo a lista de práticas ligadas ao Pix consideradas distorcidas, segundo o Conselho da Indústria da Tecnologia da Informação (ITI):

  • Acesso a informações competitivas: O Banco Central do Brasil tem acesso a informações confidenciais e sensíveis de seus concorrentes privados (incluindo preços, desenvolvimento de produtos e planos de comercialização), e também gere o desenvolvimento e operação do Pix. Sem salvaguardas eficazes de governança, essa estrutura permite que o BC molde tanto a dinâmica do mercado quanto os padrões regulatórios de maneiras que favoreçam sua própria plataforma.
  • Os bancos são obrigados a fazer investimentos nos sistemas e destacar a apresentação do Pix aos clientes nas suas plataformas, mas não existe o mesmo tipo de obrigação de se priorizar outras ferramentas privadas de meios de pagamento que concorrem com o Pix.
  • Regulamentação que dita a posição prioritária do ícone do Pix dentro dos aplicativos bancários, garantindo destaque e experiência aprimorada para o usuário.
  • Integração obrigatória de rede com o Pix, o que canaliza o comportamento de varejistas e consumidores para a plataforma governamental, restringindo oportunidades de crescimento para empresas dos EUA no ecossistema de pagamentos do Brasil.
  • Padrões não equivalentes aplicáveis ao Pix como concorrente: os provedores de pagamento do setor privado devem oferecer segurança de alto nível o tempo todo. Isso significa estar sob supervisão constante do Banco Central e investir pesadamente para manter os sistemas seguros e resilientes. Os fornecedores de meios de pagamento também estão sujeitos a padrões técnicos, requisitos de coleta de impostos e custos de supervisão que não se aplicam ao Pix.
  • Tratamento desigual das redes de cartões para iniciar transações no Pix: as redes de cartões dos EUA não estão autorizadas a usar suas credenciais para iniciar pagamentos via Pix. Como uma medida de boa-fé, o BC deveria expandir imediatamente o conceito de iniciação de pagamento para permitir que todas as redes de cartões e carteiras digitais iniciem pagamentos no Pix, e que isso seja feito de maneira que não requeira acesso contínuo ou retenção de dados de clientes e transações. Essa medida complementaria, mas não substituiria, as ofertas existentes do Pix e apoiaria uma adoção mais ampla.