O GPA passa por reestruturação operacional, em andamento desde 2023, com melhorias em determinados indicadores, mas ainda não completou esse processo de ajustes
Por Adriana Mattos, Valor — São Paulo
18/08/2025 12h41 Atualizado agora
Depois do pedido de saída de dois membros do comitê de auditoria do GPA neste mês, o conselheiro fiscal André Nassar decidiu deixar a função na varejista alegando dificuldades de trabalho, falta de acesso a dados e supostas “inconsistências” não corrigidas nos números.
O Valor apurou que o GPA buscou informações do dia a dia de lojas e salários solicitadas pelo conselheiro, e que apesar de não serem da alçada da área fiscal, na visão do grupo, tentou-se alinhar contato de forma presencial na rede, mas a visita de Nassar não ocorreu. A empresa desconhece supostas inconsistências alegadas, apurou a reportagem.
O Valor ainda apurou que o GPA estuda medidas legais caso eventuais vazamentos sobre a companhia que afetem empresa e acionistas.
Alegações e motivações
Segundo carta enviada por Nassar para o grupo, o executivo alega que, por ter amplo conhecimento do setor, e ter qualificação — o empresário é da família fundadora do Mambo e que vendeu o Giga Atacado —, buscou fazer um levantamento detalhado das informações mais estratégicas e operacionais da empresa.
A ideia era ter um “diagnóstico claro e amplo”, sobre a capacidade da empresa de voltar a gerar lucro “em volume suficiente para cumprir com seus elevadíssimos passivos e obrigações”.
Nassar diz que o seu objetivo foi frustrado logo de início, e cita na carta acúmulo de prejuízo de bilhões de reais nos últimos quatro anos na varejista, e ainda cita perdas de centenas de milhões de reais a cada trimestre nos últimos 17 trimestres seguidos.
O GPA passa por reestruturação operacional, em andamento desde 2023, com melhorias em determinados indicadores, mas ainda não completou esse processo de ajustes. A empresa anunciou dias atrás que desistiu do plano de abrir 300 lojas de 2022 a 2026 (fez 70% da meta) para manter foco em disciplina de caixa e reduzir dívida, que impactou balanço do segundo semestre.
O prejuízo líquido caiu 35%, para R$ 216 milhões de abril a junho. A ação no ano sobe 8% — Ibovespa avança quase 15%.
Nassar está no órgão desde maio deste ano, quando foi eleito logo após as mudanças no conselho de administração com a entrada dos sócios Rafael Ferri, membro independente, e da família Coelho Diniz — uma das alterações mais amplas no colegiado desde que o Casino tornou-se controlador, anos atrás.
Procurado, o GPA diz, sobre as renúncias de Nassar, e de Diego Mendes, suplente do conselho fiscal, que dados e informações internas da rede, ou protegidas pela LGPD, são disponibilizadas aos órgãos de assessoramento do conselho e aos seus membros em formato adequado, seguindo estritamente normas, leis e ritos de governança. E ainda afirma que tem robusto comitê financeiro e de auditoria, e é auditado por escritório independente, e mantém foco numa gestão transparente, ética e responsável.
Intenções e pedidos
A ideia de Nassar era entender a “real” situação da rede e avalia-la como viável ou inviável financeiramente, e levar a rede a voltar gerar lucro para cumprir com “elevadíssimos passivos e obrigações”.
Mas ele não teve acesso a informações — o conselheiro não detalha muito na carta que dados seriam esses. E diz ter recebido informações “granular por loja”, e com muitas “inconsistências” que não foram corrigidas apesar de ter solicitado.
Nassar buscaria dados do relatório de custos, despesas e vendas de mais de 700 lojas, e informações de salários de executivos de unidades da rede.
Entre as informações estaria, inclusive, valores pagos a chefes regionais da empresa — são centenas no grupo.
A reportagem apurou que internamente, a administração da varejista já havia esclarecido a ele que esse não era o papel do conselheiro.
O acesso foi considerado conflituoso e fora da alçada do conselheiro, além de envolver números que iriam ferir a lei geral de proteção de dados, no entendimento da administração, apurou o Valor nos bastidores.
Por isso, a rede convidou Nassar a ir no grupo se reunir com a diretoria de recursos humanos — o encontro não ocorreu. E sobre dados que gerariam conflito ou eram fora de sua função, o GPA entendeu que não cabia o acesso às informações.
Para o conselheiro e empresário, os dados eram necessários para ele realizar seu trabalho.
Nassar é da família fundadora da rede Mambo, concorrente direta do Pão de Açúcar, e que trava uma competição forte em certos bairros de alta renda, e também vendeu em 2020 a cadeia de atacarejo Giga ao Cencosud. Ele não ocupa funções de comando no Mambo.
O Giga tinha entre os seus sócios os irmãos André, Marcos e Lucas Nassar, mas a gestão da rede de atacarejo e da cadeia de supermercados foram separadas em 2020 — Marcos lidera o Mambo e André comandava o Giga até a sua venda, em 2023.
Ele confirma na sua renúncia que foi avisado pelo conselho fiscal que estaria extrapolando os limites de sua atuação de conselheiro fiscal e que estaria estressando o “management”.
“Não concordo com esse argumento, porque a principal atribuição do conselheiro fiscal é fiscalizar e é isso o que eu estava querendo fazer”, escreveu, e fala em aparelhamento da rede para atender primordialmente os interesses de um pequeno grupo de acionistas
Situação delicada
Na visão de certos investidores da rede, as últimas trocas de conselho e comitê no GPA, meses atrás, deixaram a empresa em situação delicada.
O investidor Rafael Ferri ficou com um assento no conselho de administração, e o grupo de investidores que reuniu conseguiu eleger ainda Edison Ticle, CFO da Minerva. André Coelho Diniz, diretor do grupo varejista mineiro Coelho Diniz, também foi eleito, e com duas cadeiras, em maio.
Os Coelho Diniz estariam acompanhamento essas divergências sem estar dentro das polêmicas, dizem fontes, apesar de se incomodarem com o tamanho da exposição e seus efeitos.
Eles não têm relação próxima com os novos sócios que entraram na empresa três meses atrás e teriam proximidade maior com Ronaldo Iabrudi, outro acionista do GPA.
Governança e conflito
A varejista ainda estaria sendo questionada por fornecedores sobre riscos de governança e impactos pelo fato de um dos executivos da empresa de carnes Minerva, Edson Ticle, ser conselheiro da empresa, e pela presença de Nassar no conselho fiscal, dizem fontes.
Sobre esse suposto pequeno grupo de acionistas citado na carta de Nassar, ele diz que o grupo controlaria com “mão de ferro a gestão / governança da empresa a partir do conselho de administração, com ascendência e influencia sobre o conselho fiscal”, exceto sobre ele.
Isso levaria à sobreposição de interesses individuais aos interesses da própria empresa e dos acionistas minoritários.
O Valor apurou que a empresa nega interferências e questiona as motivações de Nassar.
O mesmo assunto surgiu quando o CFO da Minerva questionou a política de governança da empresa, como noticiou semanas atrás o Pipeline, site de negócios do Valor.
Em reunião de conselho no fim de junho, Ticle sugeriu zerar a remuneração dos membros, e definir um programa de remuneração em ações alinhado com a recuperação da companhia, ou manutenção de um salário mínimo como o fixo com um pacote de longo prazo.
Só que a proposta não avançou — a maioria do colegiado – Ronaldo Iabrudi, Helene Bitton, Líbano Barroso, Marcelo Pimentel e Christophe Hidalgo – aprovou o montante de R$ 9,2 milhões, sendo 16% para o Hidalgo, que representa o Casino no “board”.
Ali a situação entre as partes já andava estressada, e ficava clara as diferenças dentro dos conselhos e comitê.
Mais alegações
Nassar ainda fala na carta em “penúria” financeira e operacional e risco “não desprezível de interrupção das suas atividades operacionais”, tendo como origem as decisões de pequeno grupo que não coloca os interesses do GPA em primeiro plano, diz.
E que a gestão da empresa é “incompetente, irresponsável, conflitada e opaca”, e logo, não aprovaria as demonstrações financeiras do primeiro e segundo trimestre, disse na carta.
A reportagem apurou que o grupo varejista analisa o impacto de informações que tem vazado no mercado desde as mudanças no conselho do grupo, e se existir efeitos negativos sobre acionistas, entenderia que caberia à Comissão de Valores Mobiliários analisar a questão. E ainda considera a hipótese de tomar medidas legais de proteção à rede.
A reportagem apurou que a companhia tem colhido informações divulgadas por Ferri em redes sociais sobre a empresa, para verificar se seu comportamento afeta governança e suas responsabilidade como conselheiro.
Após as divulgações de resultados neste mês, relativas ao segundo trimestre, a ação da rede recuou 16% até início da manhã desta segunda-feira (18).
Segundo analistas de bancos e dados de consenso de mercado, o prejuízo de abril a junho foi menor que o esperado por analistas, de R$ 235 milhões, segundo média de estimativas compiladas pela LSEG, que realiza compilado para agências de noticias.
A rede teve resultado operacional medido pelo ebitda ajustado de R$ 420 milhões no segundo trimestre, alta de 6,1% ano a ano, com expansão de 0,2 ponto percentual na margem, para 9%.
— Foto: Silvia Costanti/Valor