Veículo: Valor Econômico
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Data: 14/08/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Sócio da Fast Shop assinou contrato com auditoria investigada

Há um volume expressivo de dados já coletados pelo Ministério Público Federal de São Paulo que sustentam as investigações de supostos crimes fiscais cometidos por varejistas no país. Sobre a rede Fast Shop, os promotores localizaram contrato da varejista com a Smart Tax, acusada de operar o esquema, com a assinatura de Julio Atsushi Kakumoto, um dos membros da família Kakumoto, controladora do grupo.

Também assina o contrato com a empresa de assessoria tributária o diretor estatutário Mario Gomes, preso desde a terça-feira (12) na Operação Ícaro.

Procurada, a Fast Shop informa que está analisando o conteúdo das investigações e segue colaborando com as autoridades competentes. O Valor apurou que os investigadores obtiveram outros acordos com a Smart Tax assinados pelos sócios, e ainda há busca de evidências envolvendo outros diretores do grupo.

“A análise de seu e-mail [de Silva Neto] comprovou que, de fato, Artur vem atuando em benefício da Fast Shop em conluio com inúmeros membros da alta cúpula da empresa”, segundo os promotores informam à Justiça em pedidos de busca e apreensão da operação.

Varejistas ouvidos pelo Valor temem os efeitos negativos das denúncias sobre todo o setor

Em apenas um ano, ao longo de 2023, a companhia pagou R$ 204 milhões para a Smart Tax (brutos, sem descontar impostos), negociados em 11 parcelas. Em dois meses consecutivos (fevereiro e março), em valores líquidos, foram quase R$ 20 milhões, segundo anexo em e-mails enviados em de 2023 pela coordenadoria da rede de varejo para a Smart Tax.

Demonstrações financeiras da Fast Shop de 2023 mostram o peso do contrato com a Smart Tax. A rede teve receita líquida de R$ 3,6 bilhões em 2023 e lucro de R$ 82 milhões, portanto, o gasto com supostas propinas para a Smart Tax no ano era mais de duas vezes o lucro do mesmo período.

De 2021 a 2022, o contrato da Fast Shop com a Smart Tax passou de R$ 36 milhões em 12 parcelas para os R$ 204 milhões, um aumento de quase seis vezes.

A Smart Tax é uma empresa de consultoria cuja sócia é a professora pública aposentada Kimio Silva, 72 anos, mãe de Artur Silva Neto, auditor e diretor do diretoria de fiscalização da Fazenda (Difis), e investigado por supostos atos de corrupção para acelerar a liberação de créditos de ICMS para empresas.

Há, inclusive, grupos de WhatsApp de Silva Neto com as empresas Ultrafarma e Fast Shop; nesta última, o grupo chamava-se “Fast Shop – Mitigação fiscal”.

Pelas apurações, até as vésperas do Natal do ano passado, em 16 de dezembro, Silva Neto tinha reunião de alinhamento já agendada de forma virtual com Gomes e a coordenadoria fiscal da Fast Shop. O fato seria indício de que as supostas práticas criminosas perduram até 2025, e embasaram o deferimento do pedido de busca e apreensão de empregados da Fast Shop e da Smart Tax.

No caso da rede de supermercados Oxxo, também investigada pela Promotoria, há e-mails entre a área de compliance, a área jurídica e de um advogado do Grupo Nós, controlador da empresa, datado de 19 de novembro de 2024, em que Agnaldo de Campos, suspeito de ser o “testa de ferro” de Silva Neto, envia as condições para fechamento de acordo com a Oxxo. Quatro pessoas do Grupo Nós estão adicionadas na mensagem.

Campos afirma no e-mail para a rede que o objetivo é “auxiliar o Grupo Nós/Oxxo na identificação, quantificação, lançamento e recuperação de créditos administrativos por meio de um processo técnico e detalhado de auditoria, garantindo o retorno financeiro mais eficiente para a empresa”.

Campos, da Smart Tax, se coloca à disposição para uma reunião para “alinhamento”.

Isso feito, cerca de três semanas depois, em 13 de dezembro de 2024, a Smart Tax envia um e-mail com o acordo de confidencialidade com o Grupo Nós/Oxxo na versão assinada para Silva Neto tomar conhecimento.

“[Silva Neto] também vem recebendo propina por parte de outras grandes empresas para beneficiá-las em questões tributárias, adotando o mesmo ‘modus operandi’ ora relatado. A título de exemplo, vale citar a Ultrafarma Allmix Distribuidora, Rede 28, Oxxo, entre outras”, informam os investigadores num pedido de busca.

Em relação à empresa de postos de combustíveis Rede 28, materiais levantados pelos investigadores mostra troca de mensagens entre o financeiro da companhia e as supostas assistentes de Silva Netto em dezembro de 2024.

Nas conversas, uma funcionária de uma assessoria contábil, até então não citada nas investigações, orienta, com o acompanhamento de Silva Neto, o que a Rede 28 deve fazer em relação aos documentos de arrecadação da Receita (DARFs).

A funcionária alerta Silva Neto para que a empresa de combustíveis realmente registre o ressarcimento de créditos de ICMS em seu fluxo apenas aquilo que for efetivamente liberado, e se programe para aquilo que não for compensado ainda.

Procurado, o Grupo Nós/Oxxo afirma que ainda não foi notificado sobre a investigação e esta à disposição para, se necessário, prestar esclarecimentos e colaborar nos termos da lei, e reafirma compromisso com a legalidade, ética e transparência. O Grupo Nós é uma joint venture entre a Raízen (Shell e Cosan) e a Femsa Comércio. O Valor entrou em contato com as demais empresas citadas, e elas não se manifestaram.

No processo em curso que levou Sidney Oliveira, fundador da Ultrafarma, e Mario Gomes, diretor da Fast Shop, à prisão nesta terça-feira (12), o MPSP alega que Silva Neto atuava “em todas as pontas” (da orientação à liberação) de valores a receber relativos a ressarcimentos de substituição tributária de ICMS.

Por meio da substituição tributária se cobra, de maneira concentrada, de um único CNPJ, todos os impostos de uma cadeia, e as companhias têm direito de receber de volta em créditos, em valores que vão se acumulando, mas isso leva anos ou meses. Uma das vantagens é que esse crédito pode ser vendido, com ganhos econômicos.

Quem acompanhava internamente todo esse processo era o diretor da Difis, Silva Neto, que tinha essa função, e portanto, estava a par das etapas dos pedidos das empresas de forma geral, pelas próprias características do cargo.

Existem informações de que a Smart Tax, com acompanhamento de Silva Neto e das assistentes, tentaria fechar contratos novos no mercado. Essas negociações abrem possibilidades de um aprofundamento nas investigações em curso, na equipe que conta com os promotores João Ricupero e Roberto Bodini, envolvendo outras empresas de varejo e serviços. As apurações ainda estão em curso, e a expectativa já tem gerado uma tensão maior no setor, segundo empresários ouvidos pelo Valor.

Em geral, empresários de varejo de alimentos e de bens duráveis ressaltam os efeitos negativos na imagem do segmento, meses após o escândalo contábil na Americanas, e temem que outras empresas de grande porte acabem envolvidas, o que poderia afetar os negócios e empregos gerados, já num ambiente de desaceleração da economia.