Veículo: Valor Econômico
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Data: 11/08/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Tarifaço eleva temor de superávit comercial ainda menor em 2025

As tarifas de importação americanas mais pesadas contra o Brasil, ainda que com uma lista de exceções, são fator adicional que pode contribuir para reduzir o resultado já mais achatado esperado para a balança comercial brasileira em 2025, avaliam economistas. As tarifas mais pesadas estabelecidas por Donald Trump, em vigor desde o dia 7 de agosto, vieram após um primeiro semestre em que o saldo comercial perdeu força, sob impacto de cotações mais baixas de commodities exportadas pelo Brasil e importações acima da expectativa.

A consequência pode ser um resultado comercial que deve dar ajuda bem mais modesta para o setor externo este ano, em comparação com os últimos dois anos, avaliam economistas e representantes ligados ao setor exportador. Divulgado pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic), o saldo do comércio internacional do Brasil é ponto de partida para o Banco Central para os ajustes do resultado da balança comercial que integra as transações correntes do balanço de pagamentos. Ao menos parte dos economistas projeta déficit maior em conta corrente em razão da menor ajuda do resultado comercial este ano. Para alguns, o quadro das transações correntes gera certo “desconforto”, embora não seja alarmante.

O governo prevê que o superávit neste ano será de US$ 50,4 bilhões, uma das estimativas mais baixas entre as apuradas pelo Valor – a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) prevê US$ 49 bilhões. Um pouco mais otimista, a projeção atual da XP é de US$ 52,3 bilhões. Na outra ponta, a consultoria Tendências mantém superávit de US$ 67,4 bilhões, com viés baixista e sujeito a nova revisão. A projeção da consultoria é mais próxima da mediana das expectativas de mercado divulgadas no relatório Focus (US$ 65,3 bilhões). No início do ano, o mercado, segundo o Focus, via um saldo de positivo próximo a US$ 76 bilhões.

Trump anunciou em abril, dentro das chamadas tarifas recíprocas, elevação em 10% para importações originadas de boa parte dos parceiros comerciais, incluindo o Brasil. Em 9 de julho, Trump anunciou tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil. Em carta publicada em rede social destinada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a tarifa mais gravosa foi atribuída por Trump a processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 30 de julho saiu o decreto de Trump estabelecendo exceção para cerca de 700 itens na aplicação da tarifa de 50%, que entrou vigor no dia 7.

Antes do anúncio da tarifa de 50% de Trump, o governo divulgou, em 4 de julho, a nova estimativa para o superávit de 2025, que caiu de US$ 70,2 bilhões para US$ 50,4 bilhões. A Secex revisa a projeção a cada três meses. Caso se realize, o saldo comercial deve cair à metade, praticamente, em dois anos. Em 2023 o superávit foi de US$ 98,9 bilhões, pico histórico, seguido de U$$ 74,2 bilhões em 2024, o segundo melhor resultado da série oficial.

Já considerando o efeito das novas tarifas americanas, a AEB calcula atualmente superávit de US$ 49 bilhões em 2025, diz José Augusto de Castro, presidente da entidade. No início do ano a projeção era de US$ 93 bilhões. O valor estimado caiu gradativamente no decorrer do primeiro semestre do ano, dado o desempenho das exportações e principalmente das fortes importações. Ele frisa, porém, que há expectativa de que parte das tarifas ainda seja negociada entre Brasil e EUA.

Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), diz que sua média de projeção de superávit comercial durante o primeiro semestre ficou em torno de US$ 75 bilhões. O saldo máximo projetado no decorrer do período chegou a US$ 81 bilhões. Atualmente sua projeção é de saldo de US$ 64 bilhões.

O impacto do tarifaço de Trump para este ano no superávit, diz Ribeiro, é estimado em US$ 4 bilhões. O cálculo, explica, foi feito antes das exceções estabelecidas no decreto de 30 julho, mas ele avalia que o efeito não será muito menor que esse em 2025. Isso porque, diz, a conta já havia considerado que o aumento não prosperaria para alguns setores, como os de aeronáutica e produtos de ferro, por exemplo.

O menor saldo comercial em 2025 deve se refletir nas transações correntes do balanço de pagamentos, diz Ribeiro. Ele estima atualmente déficit em transações correntes de 3% do PIB, ante projeção anterior de déficit em torno de 2,5% do PIB. “É um cenário com equilíbrio que conta com menos reservas internacionais, Isso, dado tudo o mais constante, é fator de desconforto no comportamento da taxa de câmbio.”

Na Tendências, a redução na projeção de superávit foi de US$ 72,7 bilhões para US$ 67,4 bilhões. A estimativa foi reduzida em junho, mas ganhou agora viés baixista devido ao tarifaço e às importações resilientes, diz Silvio Campos Neto, economista da consultoria. que não descarta nova revisão. “Esse risco um pouco baixista para a balança é fator que corrobora para leitura de cenário de contas externas menos confortável que tínhamos anteriormente. Não é nada alarmante, mas acende sinal amarelo porque não há mais a folga que tínhamos até pouco tempo atrás. Isso reflete, fundamentalmente, uma economia em crescimento mais acelerado.”

Embora as tarifas de Trump não tenham efeito macroeconômico tão amplo após as exceções estabelecidas no decreto americano de 30 de julho, avalia Campos Neto, as exportações devem ser afetadas de algum modo. Embora o principal destino das exportações brasileiras seja a China, o mercado americano vem em segundo no ranking, com fatia de 12%. “O tarifaço  de Trump não deve ter impacto tão expressivo do ponto de vista macroeconômico, mas terá impacto, sim, e já chega num momento em que a balança comercial dá sinais de enfraquecimento.”

Estamos vendo piora da conta de balanço de pagamentos de forma agregada”
— Lucas Barbosa

Embora seja o segundo maior destino das exportações brasileiras, os EUA mantêm historicamente saldos comerciais deficitários para o Brasil. O déficit nas trocas com os americanos é estrutural, em razão da maior demanda brasileira de bens dos EUA, avaliou Herlon Brandão, diretor de Estatísticas e Estudo de Comércio Exterior do Mdic, ao apresentar a balança comercial de julho.

Segundo dados da Secex, de janeiro a julho o comércio com os EUA rendeu ao Brasil déficit de US$ 2,26 bilhões ante saldo negativo de US$ 318,6 milhões em iguais meses de 2024. A China continua a render o maior superávit entre os dez maiores destinos da exportação brasileira. O saldo positivo foi de US$ 16 bilhões em 2025, mas bem abaixo dos US$ 27 bilhões de 2024, também de janeiro a julho.

Já considerando a lista de exceções do tarifaço e incorporando também expectativa de que no decorrer do segundo semestre de 2025 possam ocorrer novas exclusões ou reduções de alíquota, a XP reduziu a estimativa de superávit para este ano de US$ 57,5 bilhões para US$ 52,3 bilhões. Para 2026, a queda foi de US$ 56 bilhões para US$ 53,7 bilhões. A revisões também consideraram importações mais fortes que o esperado em combustíveis e lubrificantes.

Além da revisão de saldo, a expectativa da corretora para as transações correntes em 2025 incorporou o aumento de US$ 2,6 bilhões no déficit em renda primária nos primeiros meses do ano, o que resultou em revisão de projeção de déficit em conta corrente de US$ 65,7 bilhões (2,9% do PIB), para US$ 73,5 bilhões, ou 3,2% do PIB neste ano. Para 2026 a estimativa de déficit também subiu, de US$ 65,0 bilhões (2,7% do PIB) para US$ 69,4 bilhões (2,9% do PIB).

Para Iana Ferrão e Pedro Oliveira, economistas do BTG Pactual, as exportações brasileiras estão robustas, mas o forte crescimento das importações diminuiu o saldo acumulado em 12 meses, que ficou em US$ 62 bilhões. Diante da elevação das tarifas americanas, o banco revisou a projeção de superávit comercial para 2025 para US$ 65 bilhões, ante US$ 70 bilhões anteriormente. A estimativa incorpora uma desaceleração das importações no segundo semestre deste ano, em linha com uma atividade econômica mais fraca a partir do segundo trimestre.

Na AZ Quest, a estimativa atual de superávit comercial para 2025 é de US$ 60 bilhões, bem menor que os US$ 80 bilhões projetados no início do ano, diz o economista Lucas Barbosa. Ele avalia que no curtíssimo prazo as tarifas de Trump devem ter efeito no saldo brasileiro, mas ele está entre os que esperam que parte dos impostos mais pesados possa ser negociada. O que explica a redução na projeção de superávit, explica, é a valorização do real frente ao dólar e principalmente a resiliência das importações, resultado da demanda doméstica muito forte, que vaza para outros países.

“Isso é visível tanto na balança comercial de bens, quanto na de serviços, que pode ser observada no balanço de pagamentos [levantado pelo BC]. Estamos vendo piora da conta de balanço de pagamentos de forma agregada. Há demanda maior por produtos externos, natural de uma economia que está bastante aquecida. A projeção de saldo só não está pior porque os preços de importação vêm caindo.”

As revisões que antecederam o tarifaço, diz Ribeiro, refletem um menor volume de comércio global. “O câmbio está em linha com o esperado, mas a aborção doméstica está muito mais forte que se imaginava. Ainda que se espere um crescimento de PIB de 2,2% ou 2,3% em 2025, o ritmo de absorção doméstica é mais alto e isso está batendo nas importações.” Ao mesmo tempo, diz, a queda de preços dos principais produtos embarcados pelo Brasil também afeta a exportação.

Dados da Secex mostram que de janeiro a julho os preços de exportação da soja caíram 9,6% contra iguais meses de 2024. No mesmo período, petróleo e minério de ferro tiveram queda de preços de 7,1% e 19%, nessa ordem. Juntos, os três itens equivalem a 36% da exportação brasileira de janeiro a julho.