Comprar uma bolsa da Louis Vuitton ou uma roupa da Gucci pode até não ser acessível para todo mundo, mas movimenta os sonhos de consumo de muita gente no planeta. Apesar de estar fora do alcance da maioria da população, o mercado de luxo move altas quantias de dinheiro todos os anos. Só em 2024, de acordo com a Bain & Company, este segmento movimentou cerca de 1,48 trilhão de euros no mundo. Agora, com o tarifaço de 15% nos Estados Unidos, grande mercado consumidor das marcas, sobre a União Europeia, de onde saem os principais artigos de luxo, esse tipo de relação comercial está ameaçado?

De acordo com Roberto Kanter, economista especialista em varejo e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), dificilmente essas taxas vão afetar o consumo de quem já está acostumado a desembolsar uma quantia considerável por produtos de alto nível.

“O verdadeiro rico não vai se importar de pagar R$ 10 mil a mais para comprar uma bolsa Birkin, da Hermès, por exemplo. O impacto seria mais sentido se estivéssemos falando de segmentos como o fast fashion, como Zara ou H&M, em que o preço da peça pesa na decisão de compra dos consumidores”, explica.

O especialista também aponta que as marcas de luxo têm uma grande margem de lucro e, por isso, podem optar por absorver o “prejuízo” causado pelas tarifas e não repassar o novo preço final aos consumidores – o que reduziria ainda mais o efeito das taxas sobre o consumo de alto luxo. Porém, ele destaca que alguns efeitos podem sim ser sentidos.

“Talvez as marcas menos posicionadas no mercado sintam um pouco mais o impacto, pois são preteridas por outras que se destacam mais e continuarão a ser consumidas de qualquer forma”, aponta.

Já Eduardo Menicucci, professor associado da Fundação Dom Cabral, é menos otimista em relação ao assunto. Ele calcula que as taxas devem provocar um aumento de até 12% nos produtos de luxo e isso pode, sim, impactar o consumo, mesmo entre os endinheirados.

“É muito provável que haja algum impacto, o que podemos supor é que ele seja menor em itens como roupas, bolsas e calçados de couro, perfumes e cosméticos. São itens de maior rotatividade, digamos assim, produtos que as pessoas consomem mais em seus cotidianos”, argumenta.

O professor também aponta que o impacto deve ser sentido pois os EUA representam um dos maiores mercados para os produtos de luxos europeus. A relação comercial entre o país norte-americano e a União Europeia representa 30% das trocas comerciais mundiais, com um montante de cerca de 2 trilhões de dólares (11 trilhões de reais) em bens e serviços em 2024, segundo o Conselho Europeu.

“Países como a China, mesmo tendo uma grande população, dificilmente absorveria o consumo perdido nos Estados Unidos”, analisa Menicucci.

Enquanto isso, a Federação de Exportadores de Vinhos e Licores Franceses (FEVS) alertou, na última sexta-feira (1º/8), para o impacto “brutal” que as tarifas norte-americanas podem causar ao setor. Gabriel Picard, presidente da FEVS, estima uma redução das vendas de vinhos e licores de até 25% nos EUA, o que representa perdas de cerca de 1 bilhão de euros (6,4 bilhões de reais, na cotação atual) – além de 600 mil empregos afetados.

Mercado da moda em declínio?

Se o tarifaço de Trump vai causar prejuízos ao mercado de luxo, isso só poderá ser medido de forma mais palpável a médio e longo prazo. Porém, é inegável que o segmento tem sofrido abalos mesmo antes do tarifaço.

Segundo a Câmara Nacional da Moda, o setor de moda italiano, que inclui óculos, jóias e beleza, gerou um faturamento de pouco menos de 96 bilhões de euros (575 bilhões de reais) em 2024, uma queda de 5,3% em relação a 2023.

O grupo de luxo francês Kering, dono da Gucci, anunciou há 15 dias que seus lucros caíram em 2024, afetados pela queda drástica de 23% nas vendas de sua principal marca, que enfrenta dificuldades há vários anos.

O grupo, que também é dono da Saint Laurent e da Bottega Veneta, viu seu lucro líquido cair 62% no ano passado, para 1,13 bilhão de euros (6,77 bilhões de reais). A receita caiu 12%, para 17,19 bilhões de euros (103 bilhões de reais).

Para os especialistas, são dois os principais motivos para a atual “crise do luxo” mundial. O primeiro, aponta Eduardo Menicucci, professor associado da FDC, seria a falta de renovação dos consumidores, uma vez que as novas gerações têm outras prioridades e valores. A experiência, para os jovens, conta mais que os produtos caríssimos.

“É um mercado que acaba sendo consumido mais por pessoas acima dos 40 anos. Os mais jovens são mais desapegados a bens como carros, imóveis e acessórios caríssimos. Sem falar na insegurança que assola as grandes cidades e torna mais difícil o uso desses itens em locais abertos”, analisa.

Já Roberto Kanter, professor da FGV, aponta que parte dos consumidores pode se sentir desestimulada a consumir itens de alto luxo em um mundo instável econômica e socialmente. “Muitos deles são empresários que estão ascendendo e dependem de um mercado estável para consumir. Com guerras e inflação, a austeridade tende a crescer”, diz.