Casos de racismo e injúria racial aumentaram no Brasil de 2023 para 2024. É o que mostra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na manhã desta quinta-feira (24), com base em boletins de ocorrência.
Considerando a taxa por 100 mil habitantes, os registros de racismo tiveram um incremento de 26,3% de um ano para o outro, indo de 7,7 para 9,7. O aumento dos registros de injúria racial foi ainda maior, com um crescimento em 41,4% —de 6,7 para 9,5.
Em números absolutos, os registros de racismo saltaram de 14.919 para 18.923. Os de injúria, de 12.813 para 18.200.
Os resultados do Anuário, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, estão em consonância com outros levantamentos realizados sobre o tema nos últimos anos. Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgados em meados de 2024, por exemplo, mostraram uma alta de 610% nos processos por injúria nos últimos anos.
Outras pesquisas, porém, mostram também a dificuldade em distinguir racismo de injúria. A FGV (Fundação Getulio Vargas) mostrou que a maioria das denúncias de crimes raciais no estado de São Paulo é registrada como injúria racial, não como racismo. De 2010 a 2018, foram 1.001 casos do primeiro e 192 do segundo, cuja pena era mais severa, sem a possibilidade de fiança.
A legislação define como injúria racial quando a agressão é direcionada a um único indivíduo, enquanto o racismo ocorre quando a ofensa é dirigida a uma coletividade.
Até janeiro de 2023, a punição para a injúria era mais branda que a do racismo, com pena de um a três anos e multa. Naquele ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei que equipara injúria racial ao crime de racismo. Os pesquisadores do Fórum, porém, dizem que essa mudança teve poucos efeitos práticos.
“Dito de outro modo: os que procuram denunciar a agressão sofrida relatam e nomeiam
a ocorrência como racismo. Do outro lado do balcão, contudo, os que transcrevem a violência seguem interpretando, sem neutralidade, e se valendo do paradigma normativamente superado, porém ainda latente, que tenta encobrir o racismo”, diz a responsável pelo levantamento, Juliana Brandão.
Nos dados do Anuário por estado, contabilizando os casos de injúria racial para cada 100 mil habitantes, Santa Catarina liderou os registros, com taxa de 25,4. Na sequência estão Distrito Federal e Rondônia, com taxas de 24 e 18,9, respectivamente.
O primeiro colocado nas ocorrências de racismo foi o Distrito Federal, com 30 registros a cada 100 mil habitantes. Em segundo lugar aparecem Rio Grande do Sul, com taxa de 22,1 e São Paulo, 17,9.
LGBTfobia na lei do racismo
Os casos de homotransfobia enquadrados na lei do racismo dispararam de 2023 para 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Há seis anos, o Supremo enquadrou ataques à comunidade LGBTQIA+ na legislação que pune crimes raciais. Em 2023, foram registrados 1.633 casos do tipo. No ano seguinte, 2.480 —um aumento de 52%. A taxa a cada 100 mil habitantes ficou em 0,9 no primeiro ano observado; no segundo, em 1,4.
São Paulo é o estado com mais registros: foram 383 em 2023 e 973 em 2024. A variação foi de 154%.
Na taxa por habitantes, o destaque fica com o Distrito Federal, que registrou 4,6 no ano passado e 3,1 em 2023.
Mesmo o STF tendo enquadrado em 2019 a LGBTfobia na lei do racismo até que o Congresso Nacional aprove uma legislação específica sobre o tema, nenhum caso do tipo foi contabilizado pela Justiça brasileira até junho de 2022. Isso porque até aquele mês eles eram registrados como racismo.
Crimes contra LGBTs
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisa registros de três crimes contra a população LGBTQIA+: lesão corporal, homicídio e estupro. De 2023 para 2024, houve diminuição de homicídios e estupros e leve aumento de lesões.
Segundo o fórum, porém, esse tipo de levantamento apresenta desafios. Há dados inconsistentes, ausência de informação ou falta de registros.
Amazonas e Rio de Janeiro disseram não ter dados em nenhuma das três categorias com o recorte LGBTQIA+, enquanto a Bahia disse não ter os registros de homicídio doloso.
No caso de lesões corporais dolosas houve o registro de 4.929 ocorrências em 2024 no país, o que representa um aumento de 1,9% em relação à 2023. Liderando os registros, em números absolutos, está o Rio Grande do Sul, com 1.004 casos . Na sequência, estão Pernambuco e Minas Gerais, respectivamente, com 571 e 503 casos.
Tanto com relação aos homicídios dolosos, quanto aos estupros, houve diminuição dos registros em comparação com o ano anterior. A maior queda se deu nos casos de homicídio doloso, com decréscimo de 26,3%, ao passo que os registros de estupro diminuíram em 14,6%.
Considerando a totalidade das 202 ocorrências, Rio Grande do Sul contou com 46 casos,
Ceará com 32 e Pernambuco teve o registro de 26.
Foram 444 registrados estupros contra LGBTs em todo país. Desses, 129 aconteceram
no Rio Grande do Sul, 48 na Bahia e 41 em Pernambuco.
“Se considerarmos os dados apurados para este anuário sem a ressalva das inconsistências, estaremos supondo que estamos na direção, tão esperada, de superação da violência. Infelizmente, isso não se sustenta”, diz Juliana Brandão.
Monitoramento realizado pela sociedade civil mostra que essa comunidade segue sendo duramente atacada. O Grupo Gay da Bahia, por exemplo, apurou 117 assassinatos contra travestis e mulheres
trans e 5 contra homens trans e pessoas transmasculinas em 2024.