Veículo: Valor Econômico
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Data: 17/07/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Ofensiva contra Pix pega setor de surpresa

As investigações do governo americano por supostas “práticas comerciais desleais” dos serviços de pagamentos digitais brasileiros, especificamente o Pix, causaram perplexidade e foram vistas como “desproporcionais” por executivos dos setores de pagamentos de bancos e fintechs – que estudam se e como reagir.

Associações setoriais discutiam ontem se vão se manifestar perante os Estados Unidos ou se isso ficará centralizado no governo brasileiro. A investigação americana fica aberta para comentários do público até 18 de agosto. Uma audiência está marcada para 3 de setembro.

O caso ainda está sendo estudado. O diagnóstico preliminar de fontes ouvidas pelo Valor é que, na prática, os EUA têm pouco alcance direto sobre o Pix. O que se discute é se pode haver retaliações aos participantes do arranjo de pagamentos instantâneos – que em alguma extensão usam tecnologia de empresas americanas. Na leitura de um executivo do setor bancário, em princípio o investigado é o Estado brasileiro e a reação tende a ser organizada por ele. No entanto, diz, é inevitável que as instituições financeiras e de pagamentos sejam tragadas para a discussão.

A investigação do USTR (Escritório de Representação Comercial dos EUA), anunciada na terça-feira, foi aberta a pedido do presidente americano, Donald Trump, que anunciou na semana passada um “tarifaço” de 50% sobre produtos brasileiros. O próprio republicano afirmou que a medida tem a ver com a “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, entre outras acusações.

O documento diz que o USTR abriu investigação sobre “atos, políticas e práticas do Brasil relacionados ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas preferenciais injustas; aplicação de leis anticorrupção; proteção da propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal”.

“O Brasil também parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, entre outras, a vantagem de seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”, acrescenta, sem citar o Pix.

Lançado em novembro de 2020, o meio instantâneo foi desenvolvido pelo Banco Central (BC) em conjunto com o setor privado. Rapidamente caiu no gosto da população, tornando-se a forma de pagamento mais usada no país. Já movimenta cerca de R$ 2,5 trilhões mensais. Aos poucos, vem agregando novas funcionalidades, como o Pix Automático, já em funcionamento, e o Pix Parcelado, previsto para estrear no fim do ano. Ou seja, trata-se de um concorrente de peso para as bandeiras de cartões americanas Visa e Mastercard.

Ao mesmo tempo, o Pix é um potencial competidor para os serviços de pagamentos das “big techs”, aliadas do governo Trump e críticas da postura do Judiciário brasileiro de exigir a retirada de determinados conteúdos. Pouco antes de o sistema promovido pelo BC estrear, a Meta, dona do Facebook, tentou emplacar pagamentos por meio do WhatsApp no Brasil. A iniciativa só foi autorizada pelo regulador brasileiro quando o Pix já estava em funcionamento.

Pix é um potencial competidor para os serviços de pagamentos das “big techs”, aliadas do governo Trump

O governo brasileiro ainda avalia como atuará na investigação, mas ontem mesmo já se posicionou nas redes sociais. Com uma imagem em verde e amarelo, na qual está escrito “O Pix é nosso, my friend [meu amigo, em inglês]”, a publicação diz: “Parece que nosso Pix vem causando um ciúme danado lá fora, viu? Tem até carta reclamando da existência do nosso sistema seguro, sigiloso e sem taxas”.

A inclusão do Pix na investigação é uma medida “desproporcional” e “desconectada” da disputa política que está acontecendo entre os países, na avaliação de Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). “A gente enxerga com preocupação, até porque as fintechs e as empresas que operam arranjos de pagamento são parceiras das bandeiras internacionais, que são essenciais para a existência das fintechs. Não existe um conflito direto”, diz.

Para ele, as taxas transacionais cobradas de empresas de cartão podem ser um dos fatores de incômodo dos EUA, mas, como essa é uma prática comum a outros países, não há motivos para aplicar uma punição ao Brasil. Além disso, destaca, o Pix é reconhecido internacionalmente por ser um instrumento “bem-sucedido” em inclusão financeira e competição.

A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) também defende, em nota, o Pix como “motor da inclusão social, da eficiência e da concorrência saudável no mercado brasileiro”. Para a entidade, que reúne bancos médios e digitais, o Pix Parcelado integrará ao mercado quem não tem acesso ao cartão de crédito. “A nova funcionalidade promete expandir ainda mais o alcance social do Pix”, diz.

A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) afirma estar “avaliando e acompanhando, juntamente aos seus associados, os desdobramentos do tema com atenção dentro de sua esfera de atuação”.

Procuradas, Visa e Mastercard não quiseram se manifestar, assim como a Meta. Febraban e Zetta também não se pronunciaram.