No mesmo dia em que a Nvidia se tornou a primeira empresa a atingir uma capitalização de mercado superior a US$ 4 trilhões, Donald Trump enviou ao Brasil uma carta prometendo tarifas de 50% ou mais.
A rápida ascensão da Nvidia e o faturamento das “Magnificent Seven” (Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Amazon, Nvidia, Meta e Tesla) dão uma ideia do peso do setor na economia. Juntas, apenas essas sete empresas representavam cerca de 30% do índice S&P 500 em 2024, algo em torno de US$ 15 trilhões, segundo dados da Bloomberg. Um terço do valor das 500 maiores empresas listadas nos EUA se concentra nas sete magníficas.
O poder das big techs ficou evidente na posse de Trump, em janeiro de 2025. Importantes líderes do Vale do Silício marcaram presença, sinalizando uma aproximação estratégica com o novo governo. Entre os convidados estiveram Elon Musk (Tesla e SpaceX), Jeff Bezos (Amazon), Mark Zuckerberg (Meta) e Sundar Pichai (Google/Alphabet).
Musk, Bezos e Zuckerberg no passado foram inimigos declarados de Trump e bateram de frente com o presidente em seu primeiro mandato na Casa Branca. A participação dos bilionários nesta gestão sugere que, apesar das tensões anteriores, as gigantes da tecnologia viram abertura para influenciar de maneira direta um cenário político cada vez mais relevante para o futuro da regulação e da inteligência artificial.
Ou seja, a carta de Trump ao Brasil provavelmente tem mais relação com os negócios das gigantes de tecnologia do que Bolsonaro ou a liberdade de expressão.
Trump contra o STF, Bolsonaro com Google e Meta
Desde que o ministro Alexandre de Moraes começou a atuar para reprimir discurso de ódio e bloqueou o X no Brasil, Trump tem estado em confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Para piorar, a tese estabelecida no final de junho no STF de que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional, irritou gigantes como Google e Meta. Após investirem rios de dinheiro em lobby para barrar o PL 2630, projeto de lei que iria regular as redes, as empresas de tecnologia foram pegas de surpresa com a decisão dos ministros do Supremo de invalidar parcialmente o Artigo 19, o que tornou o ambiente regulatório ainda mais rígido do que seria caso passasse o PL 2630.
Com a mudança do Artigo 19, as empresas de tecnologia vão passar a ser responsáveis pelos conteúdos que publicam. Na prática significa que terão de investir mais em checagem e combate à desinformação, o que custa caro e deve reduzir os lucros. Vale lembrar que Google e Meta, por exemplo, operam com margens de lucro líquido acima de 30%. Empresas de mídia, que são responsáveis pelos conteúdos que publicam, costumam ter margens inferiores a 10%.
A defesa de Bolsonaro por parte de Trump também favorece as big techs. Google e Meta, por exemplo, são bastante próximas do bolsonarismo. Neste ano, as duas empresas americanas já apoiaram dois eventos do PL, partido de Bolsonaro e inclusive deram treinamentos aos participantes.
Durante um evento do PL em maio, em Fortaleza, com o apoio do Google e da Meta, Bolsonaro disse que as duas empresas estavam “do lado certo” ao seguir “diretrizes da 1ª emenda dos Estados Unidos” – que trata da liberdade de expressão.
Taxar big techs pode ser estratégia de negociação
Agora, o risco para as grandes empresas de tecnologia americanas é Trump repetir o erro que elas cometeram no PL 2630. Ao pressionarem as instituições e se recusarem a negociar, forçaram o STF a agir e saíram com um resultado ainda pior do que imaginavam.
Se Lula, ou qualquer governo quiser bater onde dói para responder às tarifas impostas pelos Estados Unidos, as gigantes de tecnologia são um alvo óbvio não apenas pelo peso que têm na economia americana, mas em vista da proximidade de suas lideranças com Trump.
O Canadá e a União Europeia, dois países em confronto com Trump, avançaram com planos para taxar as big techs por meio de impostos sobre serviços digitais, com o objetivo de garantir que essas empresas paguem uma parte dos lucros gerados localmente.
O Canadá havia aprovado uma taxa de 3% sobre as receitas digitais, retroativa a 2022, mas recuou diante da pressão dos Estados Unidos e da ameaça de sanções comerciais, suspendendo a medida para facilitar as negociações com o governo americano.
Já a União Europeia manteve sua posição firme, com a Comissão Europeia indicando que poderá impor tarifas retaliatórias sobre produtos americanos caso não haja progresso nas negociações multilaterais.
O Brasil em breve poderá se unir ao Canadá e União Europeia que estão usando as big techs como moeda de troca nas negociações com a Casa Branca.
Em resposta, Trump criticou duramente as iniciativas, acusando Canadá e Europa de discriminação contra empresas dos EUA. Ele ordenou à Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR) que iniciasse investigações sob a Seção 301 do Ato de Comércio, o mesmo mecanismo usado em sua guerra comercial com a China.
Ontem, o presidente escreveu que determinou que a USTR abrisse uma investigação tarifária sobre práticas comerciais desleais no Brasil.
A exemplo do que fez com o Brasil, Trump já havia ameaçado impor tarifas adicionais de até 50% sobre produtos canadenses e europeus, afirmando que os EUA não permitirão que suas empresas de tecnologia sejam “punidas injustamente”.
Quem paga a conta das tarifas
O problema é que os Estados Unidos não podem evitar para sempre as consequências do aumento das tarifas. Seu impacto econômico foi adiado, mas não evitado, como aponta reportagem da The Economist desta semana.
A publicação afirma que a economia americana já perde fôlego com consumo e varejo desacelerando. O PIB deve crescer apenas metade do ritmo de 2024 e as empresas domésticas, que estocaram bens importados no início do ano para driblar a guerra tarifária, vêm absorvendo o custo das tarifas para evitar repasses imediatos. Mas esse “amortecedor” é temporário, quando os estoques acabarem, os preços vão subir e a inflação deverá fechar o ano acima de 3%.
Mesmo os acordos já negociados com países como o Reino Unido resultaram em tarifas maiores do que antes de Trump iniciar sua batalha das tarifas. Os problemas não se limitam aos preços mais altos para os americanos. Com o ataque à imigração, Trump também cria um ambiente desfavorável para diversas empresas, particularmente as big techs, ávidas por mão de obra altamente qualificada. Dos 11 engenheiros de IA contratados por Mark Zuckerberg em junho, alguns com salários superiores a US$ 100 milhões, nenhum deles era americano. Todos eram imigrantes, sendo sete chineses, um indiano, um australiano, um britânico e um sul-africano.
Menos fábricas, mais serviços e prejuízo na China
A aritmética comercial de Trump também ignora uma grande exportação americana: os serviços. À medida que os EUA passaram a importar mais bens e suas fábricas fechavam, o déficit comercial de mercadorias disparou, atingindo US$ 1,21 trilhão em 2024. No entanto, o superávit na conta de serviços cresceu para US$ 295 bilhões no mesmo ano, de apenas US$ 77 bilhões em 2000.
Os Estados Unidos deixou de ser um gigante manufatureiro para se tornar líder em serviços. Dentro destes serviços também entram softwares, soluções em nuvem, propriedade intelectual e muito daquilo que as empresas de tecnologia vendem. Também existe o risco de minar a confiança internacional em plataformas e tecnologias americanas, reduzindo a competitividade global das suas líderes de serviços. Se a retaliação estrangeira mirar serviços digitais, esse colchão de US$ 295 bilhões deve encolher.
A Nvidia projeta seus próprios chips, mas a fabricação física é terceirizada para foundries asiáticas. Hoje, quase toda a linha de alto desempenho — incluindo os aceleradores H100, H200 e a nova geração Blackwell (B100/B200) — é produzida pela TSMC, em Taiwan. O que não parece ser um problema, já que a Nvidia reportou receita de US$ 44,1 bilhões no último trimestre, alta de 12 % sobre o trimestre anterior e de 69% em relação ao mesmo período do ano passado.
Mas a Nvidia também serve de alerta para os riscos das políticas restritivas. A empresa afirmou que espera perder cerca de US$ 8 bilhões em receita no segundo trimestre devido às restrições de exportação impostas pelo governo dos EUA, que limitaram as vendas de seus chips H20 para a China. No primeiro trimestre, a empresa já teve um impacto negativo de US$ 4,5 bilhões por conta de estoques excedentes desses chips que não puderam ser comercializados na China.
Jensen Huang, CEO da Nvidia, reforçou, durante a divulgação de lucros, que as medidas para restrição foram “um fracasso”, por terem acelerado a inovação chinesa e corroído a participação de mercado da NVIDIA — que caiu de 95% para aproximadamente 50% na China em quatro anos. A empresa excluiu a China das projeções financeiras até que um novo chip compatível com as regras seja aprovado, destacando que esse mercado de US$ 50 bilhões permanece “efetivamente fechado” para seus produtos.
Vale lembrar, as medidas restritivas citadas por Huang começaram ainda no governo Biden. Ou seja, as consequências das restrições podem levar anos para serem sentidas.
Como o Brasil responderá a Trump é uma questão a ser definida. Mas as big techs são um calcanhar de Aquiles dos Estados Unidos e de Trump, e isso não é segredo.