/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/Y/m/sagfK9Sm6oNGjfbz9iFA/arte10fin-101-mercado-c1.jpg)
Em um momento em que os agentes financeiros apresentavam um maior otimismo com os ativos domésticos, a imposição de tarifas comerciais de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada ontem pelos Estados Unidos, desencadeou uma rápida deterioração do sentimento nos mercados locais. Como o anúncio ocorreu após o encerramento do pregão regular, o efeito foi sentido no Ibovespa futuro, que fechou em queda de 2,44%, aos 137.800 pontos, enquanto o dólar futuro subiu 2,30%, a R$ 5,6115. Já os juros futuros dispararam até 21,5 pontos-base (0,215 ponto percentual).
Diante do maior posicionamento de investidores em posições que se beneficiavam da valorização do real contra o dólar, do avanço da bolsa e do recuo dos juros nominais, gestores acreditam que a surpresa negativa com a nova tarifação do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o Brasil pode impulsionar uma correção mais forte dos ativos e, até mesmo, alguma reversão dos fluxos mais positivos.
Horas antes do anúncio, a declaração de Trump de que a tarifa do Brasil seria revelada já elevou a aversão a risco dos agentes financeiros no mercado local durante a tarde. O movimento foi intensificado pela menor liquidez registrada por aqui, em virtude do feriado de 9 de Julho de São Paulo e das férias de verão no Hemisfério Norte. O Ibovespa encerrou em queda expressiva de 1,31%, aos 137.481 pontos, perto da mínima 137.299 pontos.
Já a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento de janeiro de 2026 subiu de 14,925%, do ajuste anterior, para 14,93%; a do DI de janeiro de 2027 avançou de 14,175% para 14,27%; a do DI de janeiro de 2029 saltou de 13,305% a 13,485%; e a do DI de janeiro de 2031 teve forte alta de 13,425% para 13,64%. O dólar à vista, por sua vez, mostrou valorização de 1,06%, a R$ 5,5032.
Caso as novas tarifas sejam, de fato, implementadas, o sócio e gestor da Heritage Capital Partner, Eduardo Cohn, diz que o real deve se enfraquecer simplesmente pelo fato de que o país vai exportar menos para os EUA e, consequentemente, a balança comercial vai se deteriorar. “O impacto secundário seria visto na inflação, que vem por meio do câmbio mais depreciado, e um terceiro efeito seria um crescimento menor por conta do menor volume de exportações.”
Segundo Cohn, ainda que o governo Trump tenha sido marcado por idas e vindas em sua política comercial até o momento, o líder republicano tem deixado claro suas insatisfações com os rumos da política brasileira. “Duvido que tenhamos uma mudança de rota antes das eleições de 2026, então acho que essas tarifas vieram para ficar. O Brasil não tem essa importância toda para os EUA, como tem a China, onde há espaço para barganha”, avalia o executivo.
O sócio e economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim, também viu com preocupação o anúncio da taxação elevada sobre produtos importados brasileiros. “Parece que 50% é uma declaração de que o Brasil é um país ‘inimigo’. Vamos lembrar que as tarifas universais de 10% eram para os países amigos; a China, hoje, está por volta de 30%. Para alguns países asiáticos, a alíquota era de 40%. Este evento teve o condão de nos tornar o primeiro do ranking”, aponta, lembrando que as declarações dadas no encontro dos Brics parecem ter irritado o presidente dos EUA.
Para Barenboim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quis “afrontar um líder global com a caneta cheia”. “E, diferentemente da China, os Estados Unidos não precisam do comércio brasileiro. Fico realmente preocupado com as empresas de máquinas e equipamentos, como a WEG e a Embraer. É um impacto muito grande”, afirma.
Após o encerramento do pregão regular, os recibos de ações negociados em Nova York (ADRs) da Embraer, por exemplo, eram negociados em queda de 6,45%, por volta das 19h50 (de Brasília).
Para o analista Malek Zein, da Eleven Financial Research, o principal impacto negativo das tarifas deve ser para empresas de siderurgia, aeronaútica e para a indústria automotiva, mas é preciso analisar as companhias caso a caso.
“Muitas empresas brasileiras têm fábricas em outros países. Se o Brasil for muito taxado, é possível exportar para os Estados Unidos de outra fábrica e a fábrica daqui exporta para a Europa, por exemplo. Isso dá pra ser contornado em alguns casos”, argumenta Zein.
Um detalhe que será monitorado de perto pelos investidores nos próximos dias é a reação dos atores políticos nessa escalada de tensões com os EUA e que, dada uma maior probabilidade de radicalização nos discursos, os riscos de cauda para os cenários prospectivos ficaram maiores, pondera Barenboim, da Reach.
Para o estrategista da Meta Asset Management, Alexandre Póvoa, uma eventual retaliação do governo brasileiro, com imposição de tarifas em 50%, seria um “suicídio econômico”. “Resta saber se é mais um ‘blefe’ de Trump para negociar, como ele já fez várias vezes. O que é mais preocupante é como reverter isso, já que a raiz alegada do ato é política e não econômica.”
Uma fonte de uma gestora local, que preferiu não se identificar, também vê com preocupação uma eventual postura mais combativa do Brasil para com os EUA. “Depende de como vai ser a resposta do governo brasileiro com relação ao tema. Se entrar numa linha de confronto direto, pode piorar um pouco a situação sim.”
O profissional conta que estava com uma visão pessimista para o real, mas que não via “preço para esse pessimismo”. “Acho que agora esse pessimismo com o câmbio doméstico começa a aparecer, com chance de piorar um pouco mais.”
Para além da alta do dólar frente ao real, uma tarifação elevada como essa poderia piorar bastante a situação de outras classes de ativos. “O aumento do risco significa bolsa para baixo, dólar para cima e juros longos para cima”, diz Póvoa, da Meta.
Cohn, da Heritage, chama atenção para o fato de que o posicionamento técnico do mercado também pode atrapalhar, à medida que muitos investidores já vinham se posicionando para uma eventual vitória da oposição nas eleições do próximo ano. “Muitos estavam embarcando no ‘trade’ Tarcísio [Freitas, governador de São Paulo] 2026, mas ainda é muito cedo”, aponta o executivo.
Uma fonte de uma gestora local também destaca eventuais reprecificações mais expressivas. “Tem um ajuste nos preços porque o mercado vinha montando posições a favor de Brasil”, acrescenta.
Ao comentar sobre o movimento de ontem, Barenboim diz que a reação foi fruto de ordens de ‘stop loss’. “Há um impacto negativo para a balança comercial, mas manufaturados não são o principal produto das nossas exportações. O impacto na balança comercial parece ser médio, mas pode haver um efeito maior na confiança.”