O comitê de auditoria entra no debate justamente aí. Ele é uma das engrenagens mais relevantes da boa governança corporativa, pois oferece à organização um centro de inteligência crítica, de prevenção e de proteção reputacional. Sua importância é crescente: a 19ª edição da pesquisa A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais, da KPMG, levantamento com 278 empresas abertas, aponta que a quantidade de companhias com comitê de auditoria é de 90%.
Em um ambiente corporativo cada vez mais exposto a riscos, pressões regulatórias e expectativas sociais, as empresas precisam de estruturas sólidas que sustentem os resultados dos negócios e agreguem credibilidade. Certamente, necessitam cumprir suas obrigações legais e normativas e demonstrar responsabilidade. Mas não é só isso.
A rigor, ele se tornou um verdadeiro centro de comando para os pilares da governança corporativa. Explico melhor: sua atuação impacta diretamente a confiabilidade das demonstrações financeiras, a robustez dos controles internos, a eficácia da gestão de riscos e do compliance, auditoria interna e auditoria independente.
Tudo isso tem o intuito de zelar por princípios de governança, como a transparência e integridade, cujas substâncias caminham juntas. O que torna esse comitê tão especial é justamente sua posição estratégica. Embora, enquanto comitê de assessoramento ao conselho de administração não tome decisões, ele é o ponto de intersecção entre a gestão executiva, os auditores (internos e externos) e o conselho.
Cabe, ainda, ressaltar sua funcionalidade como um filtro técnico, um fórum de aprofundamento e uma instância de questionamento isento. E não estou só me referindo ao papel de ajudar o conselho a supervisionar de maneira mais bem fundamentada. Um comitê de auditoria desafia a gestão a justificar escolhas, confrontar riscos e demonstrar a efetividade dos controles. E tudo isso com autonomia, profundidade e senso crítico.
Acredito que muitas empresas, ao olharem para características tão cruciais desse comitê, porém, ainda se questionam: por que, então, há tantos danos em organizações que decorrem de falhas de auditoria? Observando pesquisas relevantes, percebemos que, apesar de todo o valor agregado pelo órgão, se reconhece ainda a necessidade de avanços.
O “Relatório de práticas dos comitês de auditoria 2024”, elaborado pela Deloitte, que entrevistou 266 integrantes desses órgãos nos Estados Unidos, mostra que, dentre suas duas prioridades máximas, está o foco na gestão de riscos empresariais. Dos entrevistados, 65% indicaram que há pelo menos uma estratégia que pode melhorar a eficácia do comitê. Finalmente, na edição de 2024 da pesquisa global “Desafios e Prioridades do Comitê de Auditoria”, realizada pela KPMG, o foco nas demonstrações financeiras e nas demais divulgações do mercado, impactado pelo atual cenário geopolítico, macroeconômico e de riscos emergentes, continua sendo a prioridade número um e o maior desafio para esses órgãos.
Na linha de recomendações, acredito ser relevante destacar, primeiramente, que a composição do comitê não pode ser trivial. Embora não seja essencial a composição apenas por conselheiros, permitindo membros externos, sua coordenação deve ser exercida por um membro do colegiado, de preferência, independente. A presença de profissionais, pelo menos em parte de sua composição, com sólida experiência em contabilidade, auditoria ou finanças é essencial para garantir discernimento técnico.
A independência em relação à diretoria é fundamental. Por isso, é importante a autonomia para a contratação de consultorias especializadas, quando necessário. É relevante que, anualmente, o comitê de auditoria emita um relatório com a descrição de suas atividades e recomendações ao conselho. Além disso, como importante elo de governança, deve reunir-se periodicamente com o conselho de administração, conselho fiscal, demais comitês do conselho e órgãos de fiscalização e controle. São práticas que, juntas, elevam o comitê à condição de instância confiável, preparada para enfrentar temas delicados com independência e assertividade.
Desde 2004, o Banco Central e a Susep exigem comitês de auditoria estatutários para instituições financeiras e seguradoras. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) os tornou obrigatórios, em 2011, também para companhias abertas não financeiras. Do mesmo modo, estatais e empresas de economia mista submetidas ao TCU (Tribunal de Contas da União) enquadram-se nessa exigência.
O que se vê é uma evolução regulatória que acompanha o amadurecimento das práticas de governança: temas como mudanças climáticas, sustentabilidade, risco cibernético e AI são cada vez mais temas de regulação, seja no Brasil ou no exterior, e por isso, entram na agenda do órgão. O que se reflete em um consenso: nas organizações nas quais existe um comitê de auditoria bem estruturado, há mais confiança, previsibilidade e resiliência institucional.
Mais do que um instrumento técnico, o colegiado representa uma cultura. Ele traduz, na prática, o compromisso da empresa com a prestação de contas, com a transparência perante investidores e stakeholders e com a adoção de controles que evitem fraudes, erros, desvios de conduta e decisões mal calibradas. É justamente essa função mais preventiva que lhe confere um valor estratégico. Em vez de ser acionado apenas após crises, atua continuamente para que elas não ocorram.
Quando o colegiado exerce bem seu papel, os sinais tornam-se visíveis: a qualidade das informações financeiras melhora, as decisões tornam-se mais responsáveis, o diálogo com investidores ganha consistência e os controles internos deixam de ser uma formalidade para se integrar ao DNA da organização.