A expectativa de juros elevados por período prolongado e incertezas econômicas e geopolíticas têm levado mais empresas brasileiras a reforçar seu caixa, garantindo níveis de liquidez considerados seguros para enfrentar potenciais turbulências nos próximos 12 a 18 meses. Sobretudo entre as médias empresas, e as expostas ao mercado de bens de consumo não essenciais ou que estão saindo de ciclos de investimento, o lema é garantir um colchão maior diante do cenário mais difícil.
“Há uma situação que estrangula a liquidez das empresas brasileiras. Não os gigantes, mas aquelas que estão pagando um juro real de 14% ou estão mais alavancadas”, diz o sócio-fundador da assessoria financeira Seneca Evercore, Daniel Wainstein.
Segundo ele, o descolamento entre custo de financiamento e ritmo de crescimento do faturamento afeta a capacidade de retenção de recursos e a própria geração de caixa.
A situação não é generalizada, mesmo dentro de um setor específico, pondera Wainstein. Setores como os de serviços financeiros, recursos naturais, “utilities” e determinados segmentos da construção civil têm, por uma razão ou outra, sustentado bons resultados e fluxo de caixa positivo. Já aqueles cujo desempenho acompanha a renda do brasileiro estão sofrendo mais.
Levantamento do Valor Data, considerando as 67 empresas não financeiras que compõem a carteira do Ibovespa e sem incluir Vale e Petrobras, mostra que, ao fim do primeiro trimestre, essas companhias tinham R$ 433,3 bilhões em recursos disponíveis, entre caixa e aplicações financeiras. O valor é maior que os R$ 407,1 bilhões registrados no ativo circulante um ano antes, mas revela queda de 10,4% em relação ao quarto trimestre. Isso indica que as empresas estão mais conservadoras do que há um ano, ao mesmo tempo em que elevaram desembolsos ou tiveram mais dificuldades de gerar caixa frente aos três meses anteriores.
Uma das mais jovens siderúrgicas nacionais, a Aço Verde do Brasil (AVB) recém emitiu R$ 300 milhões em debêntures, não conversíveis, como “reforço de caixa para apoiar a continuidade de suas atividades”. Ao Valor, a CEO da empresa, Silvia Nascimento, diz que a captação foi estratégica para manter a robustez financeira em um contexto difícil do setor: a concorrência com o aço importado, em particular da China, segue crescendo e pressiona os preços.
Conforme a empresária, os juros elevados inibem investimentos e a aproximação das eleições presidenciais, em 2026, indicam instabilidade nos próximos 18 meses.
“Ter caixa para eventualmente precisar prorrogar prazos de pagamento de clientes ou manter um estoque maior é muito importante. Decidimos antecipar essa captação para se, eventualmente, o mercado se deteriorar mais, mas também para ter caixa. Ou seja, fortalecer capital de giro e caixa.”
Segundo Wainstein, além das companhias que estão buscando linhas para reforço de caixa, há aquelas que estão fazendo gestão de passivos, trocando dívidas mais caras e de menor prazo, para reduzir despesas com esse serviço e, portanto, amortizar menos.
“Também é uma forma de preservar caixa. Não é possível generalizar, mas o cenário como um todo é mais desafiador para a grande maioria das empresas. E o contexto político tende a piorar o ambiente”, diz.
Maior produtora de papéis para embalagem e de caixas de papelão ondulado do país, a Klabin colocou foco no caixa e na alavancagem financeira depois de investir R$ 34,67 bilhões em expansão na última década. No momento, a companhia prioriza geração de caixa e prevê ao menos dois anos de intervalo até o próximo ciclo de investimentos.
“Agora é hora de ser conservador. Não só no caixa, mas com alongamento da dívida, o que já foi feito”, diz o diretor-geral, Cristiano Teixeira. Segundo o executivo, não há possibilidade de investimentos transformacionais no intervalo de 18 meses, no mínimo. “Por quê? Exatamente por um cenário de risco, não só de país como de mundo.”
Belmiro Gomes, presidente da rede de atacarejo Assaí, diz que a companhia também está focada em desalavancagem. “Fomos surpreendidos com ciclos de alta de juros, num momento em que a companhia tinha feito um grande investimento, a compra do Extra. Mas o Assaí é, historicamente, grande gerador de caixa. Hoje, o custo de carregamento da dívida é de é de aproximadamente 50% da geração de caixa, o que permite traçar um cenário de desalavancagem em curto período de tempo.”
Os seis grupos de ensino superior com ações em bolsa – Ânima, Cogna, Cruzeiro do Sul, Ser Educacional, Vitru e Yduqs – estão priorizando geração de caixa de olho no processo de consolidação que se desenha no setor. Com crescimento limitado de matrículas, o caixa tende a servir de indicador em fusões. “A geração de fluxo de caixa livre pode servir de gatilho para os múltiplos”, diz relatório do Morgan Stanley.
Enquanto a consolidação não vem, as faculdades priorizam geração de caixa para pagar mais dividendos e voltar a atrair os investidores, que, nos últimos anos, têm deixado de lado o setor de educação.
Segundo Roberto Valério, presidente da Cogna, o grupo já tem ativos suficientes para atender à demanda atual. Por isso, não há necessidade de novos investimentos. “Gerar caixa é prioridade, traz valor ao acionista”. No ano passado, a empresa voltou a distribuir dividendos depois de cinco anos sem fazê-lo.
“O setor como um todo, nos cursos presenciais, deve se expandir entre 1% e 1,5%, não há alavancas de crescimento. As listadas, por sua eficiência operacional, podem ir um pouco melhor. Diante disso, os grandes grupos e os investidores estão olhando mais geração de caixa, rentabilidade e dividendos”, disse Caio Moscardini, analista do Santander.
O Fleury também está no grupo que está priorizando o caixa. “Estamos com uma estrutura de capital adequada para o momento de juros elevados, com nível de alavancagem de uma vez a dívida líquida/Ebitda”, diz Jeane Tsutsui, presidente da rede de medicina diagnóstica.
“Seguimos com foco de muita eficiência, geração de caixa operacional, mantendo alavancagem adequada”, afirma. Conforme a executiva, o grupo busca disciplina financeira mesmo com uma estratégia forte de fusões e aquisições nos últimos anos. De 2017 para cá, a rede anunciou R$ 2 bilhões em fusões e aquisições (M&A). “Talvez o grande desafio, agora, seja fazer aquisições e ter um preço adequado”.