Presidente da Câmara anuncia que requerimento será levado a plenário na próxima semana e evidencia insatisfação com atraso no pagamento de emendas parlamentares
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Murillo Camarotto,
Beatriz Roscoee
Lu Aiko Otta, Valor — São Paulo e Brasília
12/06/2025 12h07 Atualizado 13/06/2025
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Depois de passar o fim de semana negociando com o governo uma saída para a crise do IOF, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou na quinta-feira que vai colocar em votação um requerimento de urgência para derrubar o reajuste do imposto. A decisão evidencia o agravamento da crise entre Congresso e Planalto, que decorre da insatisfação com a solução apresentada pelo Ministério da Fazenda e, mais ainda, com a demora no pagamento de emendas parlamentares.
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“Informo que o colégio de líderes se reuniu hoje e decidiu pautar a urgência do PDL [projeto de decreto legislativo] que susta os efeitos do novo decreto do governo que trata do aumento do IOF”, disse Motta nas redes sociais. “Conforme tenho dito nos últimos dias, o clima na Câmara não é favorável para o aumento de impostos com objetivo arrecadatório para resolver nossos problemas fiscais”, completou o parlamentar.
Motivado por uma forte pressão de líderes da oposição e de partidos do Centrão, o movimento do presidente da Câmara aconteceu mesmo após o governo editar um novo decreto em que atenuou o aumento anunciado originalmente para o IOF e de encaminhar uma medida provisória para compensar a eventual revogação. É este segundo decreto que deputados pretendem derrubar no plenário, na segunda-feira (16).
Ainda não há clareza, entretanto, de que isso vá acontecer. Na saída da reunião, líderes governistas e do Centrão enfatizaram que apenas a urgência será votada e que não há previsão para a análise do mérito. Segundo um líder próximo a Motta, trata-se, ao menos por enquanto, de um recado para o governo sobre o nível da insatisfação na Casa.
“Não é apenas sobre emendas, é sobre a falta de planejamento de um governo que num dia concede um reajuste que vai custar R$ 27 bilhões aos servidores e no outro aumenta imposto porque precisa de R$ 60 bilhões”, disse o parlamentar. Ele também se queixou da MP recebida pelo Congresso na noite de quarta-feira. “Veio cheio de coisas que não foram combinadas na reunião da qual nós participamos.”
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que “nem tudo o que está nela [MP] foi discutido domingo”. “Essa reclamação procede. Tem pontos que foram acrescidos. Mas vocês sabem que toda vez que vem uma medida provisória nós temos 120 dias para discutir, acrescentar”, afirmou. Ele também reconheceu o atraso na execução orçamentária e, consequentemente, no pagamento das emendas parlamentares.
Guimarães, ainda assim, lamentou a decisão de Motta e disse que a maioria dos líderes “nem sequer leu” o decreto que pretende revogar. Ainda assim, destacou que mesmo aqueles que votaram favoravelmente ao requerimento de urgência asseguram que não há acordo para a votação do mérito. “Vamos trabalhar para buscar os entendimentos até segunda-feira”, completou.
Em outra direção, o líder do União Brasil, Pedro Lucas (MA), disse que o desejo de sua bancada é de que o mérito seja, sim, votado e o decreto, derrubado. Mais contido, o líder do PSD, Antonio Brito (BA), informou que ainda irá ler o decreto e consultar a bancada.
A oposição espera convencer a maioria dos líderes a ir até o fim. Na saída da reunião, o líder da minoria, Luciano Zucco (PL-RS), afirmou que a urgência do PDL é um “gesto” para apontar a desorganização e a irresponsabilidade do governo. “A ampla maioria apoiou a nossa urgência. Vamos mostrar que não é por meio de um confisco que vamos arrumar as contas do Estado”, disse ele, que é o autor do PDL.
Ao avaliar a temperatura da crise entre o governo e a Câmara, outro líder influente alertou para o perigo do requerimento de urgência, mesmo ainda sem acordo para análise do mérito. “Quando você joga uma pedra em um aquário, você sabe até onde a onda pode chegar. Quando joga a pedra no oceano, isso pode fugir ao seu controle, e é isso que pode acontecer agora”, ilustrou.
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Com a decisão do colégio de líderes, a Câmara dos Deputados subiu em um degrau a pressão sobre o governo. Mas, na prática, isso dá ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, perto de duas semanas para apresentar as medidas de corte de gastos que são cobradas pelos parlamentares como uma condição ao exame de medidas impopulares de aumento de impostos. Depois de votar a urgência, deputados e senadores deverão retornar a suas bases para os festejos juninos.
Por outro lado, segundo avaliou um deputado, a mensagem ao Executivo foi: não havendo propostas de redução de despesas, a Medida Provisória (MP) 1.303 pode ser rejeitada. A federação União-PP, por exemplo, já disse que fechará questão nessa direção.
Uma prova do desafio que o Planalto enfrentará para aprovar a MP é fato de o PT ter deixado a relatoria do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, para ficar com a da MP. O PLDO era uma peça tão estratégica para o partido do presidente Lula que sua relatoria integrou as negociações em torno da eleição de Hugo Motta à presidência da Câmara, comentou. Contudo, agora a matéria deve ser entregue ao deputado Gervásio Maia (PSD-PB).
Diante disso, em um esforço para melhorar o relacionamento com o Congresso, o governo também começou a liberar recursos das emendas parlamentares, retidas pelo atraso na aprovação do Orçamento e pelas restrições de gastos enfrentadas pelos ministérios. “Desanuvia, mas não resolve”, comentou um deputado.
Contudo, as emendas, orçadas em R$ 50 bilhões este ano, podem ser contingenciadas caso faltem este ano as receitas para cumprir a meta fiscal. Foi o que aconteceu em maio passado, quando o valor disponível foi reduzido em R$ 4,7 bilhões. Por esse ângulo, argumentam interlocutores do governo Lula, derrubar o decreto do IOF e rejeitar a MP, como sugere o clima no momento, não parece ser uma boa estratégia para deputados e senadores.