Veículo: Valor Econômico
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Data: 23/05/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Aumento do IOF assusta e contrata apreensão nos mercados

O mercado até recebeu com bom humor o congelamento de R$ 31,3 bilhões anunciado pelo governo na tarde desta quinta-feira. No entanto, a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pegou os investidores de surpresa, gerou estresse ainda durante a sessão regular e se intensificou severamente no pós-mercado, quando apenas os negócios com futuros estavam em operação. A investida assustou a indústria de fundos de investimento e os reflexos nos ativos já apontam para uma abertura tensa nos mercados desta sexta-feira, já que o dólar futuro disparou; os juros futuros passaram a subir com força; e o Ibovespa futuro teve queda firme.

No fim da noite de quinta-feira, o Ministério da Fazenda anunciou que havia desistido de elevar duas das alíquotas.

A mudança no IOF ofuscou totalmente o tom positivo que os mercados chegaram a sustentar após a divulgação de um congelamento de despesas maior que o esperado. A informação, antecipada pelo Valor antes do relatório bimestral de receitas e despesas vir a público, deu fôlego a um bom desempenho dos ativos domésticos. Ao longo da tarde, porém, houve uma reversão do sentimento dos agentes, que aguardavam a publicação do decreto sobre a alteração no imposto.

Como resultado, os mercados futuros exibiram perdas bem mais expressivas após o fim dos negócios à vista. O dólar futuro para junho subiu 1,87%, a R$ 5,7635; o Ibovespa futuro recuou 1,93%, aos 136.375 pontos; e a taxa do DI para janeiro de 2029 avançou de 13,69% para 13,72%. Em Nova York, durante os negócios do “after hours”, o principal fundo de índice (ETF) de ações brasileiras, o EWZ, despencava, em baixa de 4,43%, a US$ 26,30.

“A ideia do IOF é uma excrescência, até por ser um imposto da pior natureza, que é muito cumulativo… Estamos caminhando para uma agenda desestimulante ao investimento. A ideia de resolver os problemas fiscais piorando os fundamentos econômicos tem tudo para dar errado. É uma piora do ambiente de negócios. O caminho da carga tributária só vai gerar mais distorções”, afirma o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca.

O profissional afirma que a elevação do IOF para remessas de capital e a extensão dessa medida para outros instrumentos, como os fundos de investimento que fazem operações no exterior, foi um ponto que “causou alvoroço” entre participantes do mercado. “Estão procurando arrancar dinheiro de onde podem. Não se normaliza algo distorcido espalhando distorções no sistema… O sinal que isso passa é de que estão jogando areia na movimentação de capital internacional em um país que precisa desesperadamente de ingresso de capital estrangeiro.”

“Em certa medida, estamos na antessala, ainda que um pouco distante, de um controle de capitais. Torna mais cara a diversificação, ou seja, coloca sujeira na movimentação de capital. No limite, é um sinônimo de controle de capitais”, enfatiza Fonseca.

A reação dos mercados domésticos durante a entrevista à imprensa do governo para explicar as mudanças no IOF foi ilustrativa do pânico gerado no comportamento dos ativos locais.

Perto das 15h30, já durante a apresentação dos ministros da Fazenda e do Planejamento sobre o relatório bimestral de receitas e despesas, o dólar futuro para junho bateu a mínima do dia, de R$ 5,6045, em queda de 0,93%, enquanto perto das 18h20, já após as divulgações sobre o IOF, o dólar futuro bateu a máxima de R$ 5,7820, em valorização de 2,20%. Da mínima para a máxima, portanto, o dólar futuro “caminhou” expressivos R$ 0,18.

A sócia e fundadora da consultoria Buysidebrazil, Andrea Damico, diz ter visto positivamente os números de contingenciamento e bloqueio do relatório bimestral, mas nota que o aumento do IOF ofuscou essa perspectiva mais otimista. “Não tanto pelo imposto sobre o crédito, embora mais imposto seja sempre ruim, mas por taxar o câmbio, o que é um retrocesso.”

Na leitura da economista, a medida foi uma sinalização ruim, que só não foi um desastre total porque não afetou a importação e a exportação. “Pode não pegar o investidor estrangeiro, mas toda a compra de ativos por fundos brasileiros no exterior, toda a operação offshore, vai ser afetada. Antes pagavam zero e agora vão pagar 3,5%. O governo está não só taxando a pessoa física que quer investir lá fora, mas também o fundo de investimento daqui que investe lá fora. Isso é bem grave”, afirma.

Para Damico, o ideal de um país seria sempre reduzir as alíquotas das operações cambiais, tendo em vista o objetivo de uma moeda mais conversível no futuro. “Mas o que vimos na divulgação é algo oposto, além de ferir gravemente a liberdade dos gestores para diversificar suas carteiras.”

Há um temor relevante de parte do mercado com a abertura dos negócios à vista desta sexta-feira. Com o desempenho bastante negativo dos mercados futuros, quando a liquidez já costuma ser bastante reduzida, a expectativa é de que haja uma pressão vendedora bastante relevante.

“Estamos deixando de aproveitar um ambiente de dólar fraco e em que o mercado estava em um clima de ‘bull market’ [otimismo] total… O governo até tentou enganar, mas o aumento do IOF para financiar gastos ruins emite um sinal muito negativo. A sexta-feira promete. Não sei se o governo sabe o que está fazendo, mas não duvido que os mercados até comecem a sessão perto dos limites [de oscilação diária dos ativos]”, afirma o trader da tesouraria de um grande banco local em condição de anonimato.

A visão é compartilhada pelo chefe de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt, para quem a elevação do IOF deve gerar ruídos em vários mercados, incluindo o de crédito, que já tem sofrido com o aperto da política monetária. “Seria importante saber se, ao reavivar o IOF, o Brasil está desistindo de entrar na OCDE”, diz o economista, ao dizer que a impressão que fica é a de que, para se ter informações mais transparentes sobre resultados fiscais piores, foi necessário pagar o preço de uma carga tributária mais alta e de um aumento do controle sobre os fluxos de capital.

Na visão do gestor Eduardo Cohn, sócio da Heritage Capital Partners, conforme as eleições se aproximam, o governo tentará “buscar dinheiro para conseguir se reeleger”. E, nesse sentido, o aumento do IOF vai nessa direção, na visão do executivo. “Essa iniciativa de hoje só mostra o DNA do governo, que gasta muito e gasta mal. Agora, com o escândalo do INSS, com a queda da popularidade, o governo está sob ataque e quer se recuperar. Ano que vem é ano eleitoral e, para se recuperar, o governo precisa de um dinheiro que não tem”, afirma.

“No nosso setor, de fundos de crédito, de debênture incentivada, há isenção fiscal, não teremos tantos problemas. De qualquer forma, um estresse nos ativos em geral pode respingar no crédito também. Estou com receio de que isso acabe abrindo os spreads de crédito, que estavam bem fechados”, enfatiza o profissional.

Cohn avalia que aumentar o IOF foi uma ferramenta usada como instrumento arrecadatório, mas que pode passar outra mensagem para o investidor. “Não acho que seja isso, mas sei que, na cabeça de muita gente, pode passar a leitura de algum controle de capital, porque agora as pessoas começam a ficar com medo.”