A disparada da taxa básica de juros, de 2%, em agosto de 2020, para os atuais 14,75%, sem perspectiva de queda no radar, somada ao descrédito do mercado sobre o controle de gastos públicos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e ao cenário da guerra comercial deflagrada por Donald Trump, ameaça a continuidade dos investimentos produtivos no Brasil.
As projeções do Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, indicam crescimento de 1,8% na formação bruta de capital fixo — indicador que representa os investimentos nas contas nacionais. No entanto, pairam dúvidas sobre a disposição dos empresários em manter o ritmo de investimentos, diante do encarecimento do crédito, da perspectiva de retornos incertos e de uma economia que tende a perder tração.
“O parque industrial precisa de investimentos para se modernizar e ficar mais produtivo e competitivo. Vimos muito isso acontecer no ano passado”, comenta Mário Sérgio Telles, diretor do departamento de economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Mas, com a perspectiva de esfriamento da economia, a necessidade de continuar aumentando a capacidade produtiva se reduz. Você tem uma perspectiva lá na frente de uma demanda menor”, pondera.

Embora as empresas tenham voltado a adicionar capacidade instalada, o estoque de ativos usados na produção não tem crescido o suficiente para acompanhar a expansão mais rápida do consumo. Como consequência, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresce desde o ano passado acima do potencial, colocando assim pressão sobre a inflação.
Em 2024, o total de bens de capital em operação no Brasil teve aumento de 1,5% ante 2023. Ou seja, não chegou à metade do crescimento do PIB, de 3,4%. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que o parque de máquinas e equipamentos vem num processo de enxugamento que reduziu seu tamanho em 14% nos últimos dez anos.
O economista-chefe da Leme Consultores, José Ronaldo Souza Júnior, comenta que a combinação de juros elevados, desaceleração da atividade econômica e deterioração das expectativas, tanto internas quanto internacionais, pune os investimentos produtivos.
“Por sua própria natureza, esses investimentos exigem prazos de maturação mais longos e apresentam riscos superiores aos das aplicações em renda fixa, tornando-se menos atraentes em um ambiente de custo de capital elevado”, diz o economista, que dirigiu por mais de cinco anos o departamento responsável por estudos e políticas macroeconômicas do Ipea.
Termômetro de como está o humor dos empresários para contratar e investir, o mais recente índice de confiança na indústria de transformação, medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), caiu pela segunda vez em abril, confirmando o cenário de cautela.
De acordo com Souza Júnior, as incertezas relacionadas à trajetória das contas públicas, com a dívida subindo em direção aos 90% do PIB nos próximos anos, compromete a previsibilidade, indispensável ao planejamento de investimentos de longo prazo.
Essa incerteza se agrava com a percepção do mercado de que o arcabouço fiscal, ferramenta do Ministério da Fazenda que substituiu o teto de gastos, ficou desacreditado, a ponto de agora, diante das fraudes bilionárias do INSS, o governo cogitar usar dinheiro público para ressarcir as vítimas de descontos indevidos.
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O mais recente levantamento do Ipea revela que, apesar de os investimentos terem aumentado, a relação entre estoque de bens de capital e PIB tem forte trajetória de queda desde 2017. Caiu no ano passado ao menor valor da série estatística: 2,15 vezes o PIB. Isso significa que o volume de bens necessários à produção e distribuição de produtos e serviços do País não tem acompanhado o crescimento da economia.
“Apesar de positivo nos últimos anos, o investimento líquido (superior à depreciação) ainda se encontra em patamar baixo relativamente ao nível do estoque de capital, não fornecendo estímulo suficiente para acelerar o crescimento potencial do País”, comenta Marco Antônio Cavalcanti, técnico do departamento de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea. “Em conjunto com o problema estrutural de crescimento relativamente baixo da produtividade, o crescimento potencial tem provavelmente ficado em patamar relativamente baixo”, emenda o economista.