Veículo: Estadão
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Data: 22/05/2025

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Juros altos, incerteza fiscal de Lula, efeito Trump: o que ameaça o ciclo de investimentos no Brasil

A disparada da taxa básica de juros, de 2%, em agosto de 2020, para os atuais 14,75%, sem perspectiva de queda no radar, somada ao descrédito do mercado sobre o controle de gastos públicos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e ao cenário da guerra comercial deflagrada por Donald Trump, ameaça a continuidade dos investimentos produtivos no Brasil.

As projeções do Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, indicam crescimento de 1,8% na formação bruta de capital fixo — indicador que representa os investimentos nas contas nacionais. No entanto, pairam dúvidas sobre a disposição dos empresários em manter o ritmo de investimentos, diante do encarecimento do crédito, da perspectiva de retornos incertos e de uma economia que tende a perder tração.

“O parque industrial precisa de investimentos para se modernizar e ficar mais produtivo e competitivo. Vimos muito isso acontecer no ano passado”, comenta Mário Sérgio Telles, diretor do departamento de economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Mas, com a perspectiva de esfriamento da economia, a necessidade de continuar aumentando a capacidade produtiva se reduz. Você tem uma perspectiva lá na frente de uma demanda menor”, pondera.

Obras do Rodoanel trecho norte, perto da rodovia Presidente Dutra, região metropolitana de São Paulo
Obras do Rodoanel trecho norte, perto da rodovia Presidente Dutra, região metropolitana de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Embora as empresas tenham voltado a adicionar capacidade instalada, o estoque de ativos usados na produção não tem crescido o suficiente para acompanhar a expansão mais rápida do consumo. Como consequência, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresce desde o ano passado acima do potencial, colocando assim pressão sobre a inflação.

Em 2024, o total de bens de capital em operação no Brasil teve aumento de 1,5% ante 2023. Ou seja, não chegou à metade do crescimento do PIB, de 3,4%. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que o parque de máquinas e equipamentos vem num processo de enxugamento que reduziu seu tamanho em 14% nos últimos dez anos.

O economista-chefe da Leme Consultores, José Ronaldo Souza Júnior, comenta que a combinação de juros elevados, desaceleração da atividade econômica e deterioração das expectativas, tanto internas quanto internacionais, pune os investimentos produtivos.

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“Por sua própria natureza, esses investimentos exigem prazos de maturação mais longos e apresentam riscos superiores aos das aplicações em renda fixa, tornando-se menos atraentes em um ambiente de custo de capital elevado”, diz o economista, que dirigiu por mais de cinco anos o departamento responsável por estudos e políticas macroeconômicas do Ipea.

Termômetro de como está o humor dos empresários para contratar e investir, o mais recente índice de confiança na indústria de transformação, medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), caiu pela segunda vez em abril, confirmando o cenário de cautela.

De acordo com Souza Júnior, as incertezas relacionadas à trajetória das contas públicas, com a dívida subindo em direção aos 90% do PIB nos próximos anos, compromete a previsibilidade, indispensável ao planejamento de investimentos de longo prazo.

Essa incerteza se agrava com a percepção do mercado de que o arcabouço fiscal, ferramenta do Ministério da Fazenda que substituiu o teto de gastos, ficou desacreditado, a ponto de agora, diante das fraudes bilionárias do INSS, o governo cogitar usar dinheiro público para ressarcir as vítimas de descontos indevidos.

O mais recente levantamento do Ipea revela que, apesar de os investimentos terem aumentado, a relação entre estoque de bens de capital e PIB tem forte trajetória de queda desde 2017. Caiu no ano passado ao menor valor da série estatística: 2,15 vezes o PIB. Isso significa que o volume de bens necessários à produção e distribuição de produtos e serviços do País não tem acompanhado o crescimento da economia.

“Apesar de positivo nos últimos anos, o investimento líquido (superior à depreciação) ainda se encontra em patamar baixo relativamente ao nível do estoque de capital, não fornecendo estímulo suficiente para acelerar o crescimento potencial do País”, comenta Marco Antônio Cavalcanti, técnico do departamento de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea. “Em conjunto com o problema estrutural de crescimento relativamente baixo da produtividade, o crescimento potencial tem provavelmente ficado em patamar relativamente baixo”, emenda o economista.