O valor atualizado do total de multas aplicadas, desde junho do ano passado, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) às cinco grandes plataformas de e-commerce que atuam no país – Mercado Livre, Amazon, Magazine Luiza, Americanas e Shopee – supera R$ 7,5 milhões, informou o órgão regulador. As empresas não reconhecem as multas. Por isso, a agência busca na Justiça uma medida mais drástica: bloquear a operação de sites e aplicativos de vendas no país.
As penalidades mais duras começaram a ser impostas a partir de medida cautelar, expedida há quase um ano, para coibir a venda de produtos eletrônicos não homologados, em especial celulares.
Além de descumprirem a cautelar, as plataformas passaram a contestar as sanções na Justiça. A autarquia também entrou na guerra de liminares movidas nos tribunais de primeira e segunda instância – TRF1, TRF3, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Superior Tribunal Federal (STF).
A medida prevê multas diárias em caso de descumprimento. Como o valor é limitado a R$ 50 milhões, por imposição legal, a Anatel tem enxergado o risco de as empresas assumirem este custo como forma de se livrar de mais penalidades da agência. Por conta disso, a agência busca na Justiça retirar do ar sites e aplicativos de vendas.
Na Justiça, os recursos vão de argumentos relacionados à legalidade até a constitucionalidade da fiscalização da Anatel. Na avaliação da agência, as plataformas são atualmente a “principal porta de entrada” desses equipamentos irregulares no Brasil, conforme afirmou, recentemente, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri.
No STF, a Anatel espera que prevaleça o entendimento do ministro Dias Toffoli, manifestado em voto, sobre a responsabilidade das plataformas digitais. “A gente imagina é que essa questão do Artigo 9º do Marco Civil da Internet – que é utilizado como escudo pelas plataformas de comércio eletrônico para não se responsabilizar pelos produtos ilegais que são vendidos nas suas plataformas – precisa ser de uma vez por todas rechaçado pelo Judiciário brasileiro, seja no TRF ou no STF. Este é o nosso foco principal”, disse Baigorri, recentemente à imprensa.
Baigorri tem defendido que a solução envolve o fortalecimento do poder de fiscalização da agência, o controle aduaneiro das mercadorias que ingressam no país, maior conscientização da população sobre os riscos de consumo de produtos irregulares e maior competição na oferta de produtos homologados, o que pode reduzir o preço de marcas certificadas.
Celulares vendidos de forma irregular, incluindo aparelhos contrabandeados, devem representar 14% das unidades vendidas no Brasil este ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
Procuradas pelo Valor, as plataformas de comércio eletrônico Amazon, Mercado Livre, Magalu e Americanas informam estar em conformidade com as regras da Anatel. Isso inclui uma lista de aparelhos homologados pela agência – os vendedores nas plataformas devem cadastrar seus produtos nessa lista. O Shopee foi procurado, mas não se pronunciou.
O Magalu informou que a empresa também propôs o uso do código de barras EAN-13 (sigla para European Article Number), padrão internacional para identificar produtos de forma única, para celulares anunciados na plataforma. O Magalu diz que não foi multado, pois foi qualificado como “empresa conforme” pela Anatel, disse o diretor-executivo de Marketplace da Magalu, Felipe Cohen.
Segundo o Mercado Livre, a análise feita em julho pela Anatel identificou 5,8% de anúncios de produtos de telecomunicações irregulares em seu marketplace – uma faixa “dentro da normalidade”, diz a diretora jurídica da empresa, Adriana Straube. “A Anatel entende que [esse índice de produtos irregulares] nunca será zero”. Acrescenta que a empresa possui softwares de inteligência artificial que monitoram anúncios irregulares constantemente. “Nos surpreende essa percepção de que vendamos aparelhos irregulares e que sejamos responsáveis por essa venda no Brasil”, diz o diretor de relações governamentais, François-Xavier Martins.
O Mercado Livre recebeu duas multas nos valores de R$ 5,4 milhões e R$ 1,3 milhão da Anatel, que estão sendo discutidas ainda na esfera administrativa.
A diretora de Marketplace da Amazon Brasil, Virginia Pavin, informou que “não recebeu nenhuma notificação oficial de multas relacionadas à não conformidade no caso de celulares irregulares” e refuta a alegação da Agência de que tais multas foram aplicadas à empresa.
Sobre a ameaça de bloqueio dos marketplaces pela Anatel, Straube, do Mercado Livre, considera “uma medida muito extrema, que fere as leis de liberdade econômica, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Telecomunicações e que vai impactar toda a sociedade brasileira”.
Pavin, da Amazon, diz que “não há base para tal ação” e que “o bloqueio completo de um site de comércio eletrônico seria sem precedentes no país, enviaria uma mensagem negativa para as comunidades empresariais e investidores nacionais e internacionais”. A executiva afirma que “caberia à Anatel criar uma base de dados de smartphones homologados que seja completa e permanentemente atualizada”. A agência deve adotar processos de verificação “mais robustos”. (Colaborou Natália Flach)