Veículo: Folha de S.Paulo
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Data: 20/05/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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‘O que é melhor para o Brasil: ter 4% de inflação ou matar o varejo?’, questiona CEO da Petz;

Os números já foram a glória e a ruína para Sergio Zimerman, 59. Desde os dez anos mostrava tino comercial, quando pediu dinheiro emprestado ao pai para comprar mercadorias no Brás e revender com lucro na pequena confecção familiar. Em um único mês de férias, conseguiu ganhar o equivalente a um ano de salário como balconista, impressionando os vendedores com sua determinação precoce.

Aos 18 anos, usou o furto de um Fusca como oportunidade. Com o dinheiro do seguro, fundou com a namorada a Estrelinha Shows, empresa de festas infantis onde inovou ao oferecer pacotes com preço fixo por convidado. O Plano Cruzado e o congelamento de preços o levaram a abrir uma adega para garantir o fornecimento de bebidas, negócio que evoluiu para um mercado e depois para o atacadista Super do Brasil.

Um homem de cabelos grisalhos e curtos, vestindo uma camiseta preta, está em uma pose expressiva, com as mãos levantadas ao lado da cabeça, como se estivesse enfatizando um ponto durante uma conversa. O fundo é neutro e claro, sugerindo um ambiente interno.
Sergio Zimerman, CEO da Petz, grupo que vende produtos e serviços voltados a animais de estimação – Bruno Santos/Folhapress

Mas a expansão descontrolada da empresa acabou levando à falência do negócio. “Tive o privilégio de quebrar, porque foi um aprendizado”, diz Zimerman. De seu antigo negócio, restou apenas um ponto comercial na marginal Tietê, onde nasceu a Pet Center Marginal, hoje conhecida como Petz.

Atualmente, como presidente da maior varejista do país de produtos e serviços para animais de estimação, prestes a se fundir com a rival Cobasi para enfrentar os marketplaces, Zimerman questiona a política monetária brasileira: “Quem disse que a meta de inflação tem que ser de 3% ao ano? E se fosse 4%? Não é melhor ter um país com 4% de inflação, mas que não esteja assassinando o varejo? Essa taxa de juros provoca asfixia.”

Faz um ano que a fusão entre Petz e Cobasi foi anunciada. Em que pé está a operação?
Em abril do ano passado nós anunciamos que estávamos em negociações para uma fusão, em agosto fechamos o acordo. Mas o prazo de análise só começou a contar em fevereiro, quando o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] recebeu a notificação da fusão. Até então, nós estávamos respondendo a questões que a autarquia havia levantado. Em abril deste ano, o Cade admitiu um terceiro interessado no processo. Nós seguimos aguardando a decisão técnica do Cade e estamos confiantes que isso será muito bom para o mercado. A razão central dessa fusão é a gente juntar forças para sermos mais competitivos, vendermos mais barato para o consumidor. As estruturas [de Petz e Cobasi] são pesadas, carregam muitos custos. Por mais que a gente tenha escala [separados], ela é insuficiente, principalmente para lidar com a informalidade do mercado.

A Petlove, que foi admitida como terceira interessada no processo, vem contestando a fusão, dizendo que os tutores vão enfrentar aumento de preços. Qual a sua posição a respeito?
A empresa resultante da fusão vai ter cerca de 10% de market share. Em qual contexto a gente conseguiria fazer um aumento de preços sem ser severamente banido do mercado? Qualquer consumidor hoje tem os preços dos marketplaces na palma da mão, dá para comparar. Se tem uma razão primordial para essa fusão acontecer é a certeza de que a gente precisa diminuir nossos custos para vender mais barato. Nos últimos tempos, houve o crescimento das plataformas digitais, como Mercado LivreAmazon. Tem a pressão do cross-border [marketplaces estrangeiros]. Existem players muito bem estruturados nessa vertical, que são plataformas gigantes, onde o mercado pet representa só um pouquinho. Eles conseguem, no entanto, diluir todo o custo de tecnologia, marketing, aquisição de clientes, em todos os segmentos que eles têm. Mas a gente tem que concorrer com essas plataformas só com base no nosso faturamento.

Segundo o Instituto Pet Brasil, pequenos e médios pet shops respondem por 49% do faturamento do setor, enquanto megalojas, como Petz e Cobasi, respondem por 9,3%. A fusão pode mudar este cenário?
No Brasil, o maior mercado é o de pequenos pet shops, que têm quase 50% das vendas. O segundo país onde há esse tipo de concentração é o Reino Unido, onde os pequenos pet shops têm cerca de 25%. Em muitos países, existe a concentração entre os dois, três maiores competidores, mas aqui não. O processo de união com a Cobasi vai resultar em uma empresa com 10% de participação. Isso nos deixa muito distantes de qualquer concentração.

Em 2024, pela primeira vez desde 2019, o crescimento do mercado pet ficou abaixo de dois dígitos (alta de 9,6%). O que justifica esse desempenho?
O mercado pet é um dos segmentos mais espetaculares do varejo, é pujante. Para começar, pelo aumento populacional: a cada levantamento censitário, o número de cães e gatos sobe em relação à população humana. Depois tem a questão da humanização do pet: as pessoas passam a considerar o pet um membro da família, um filho. O terceiro fator é a informação. Muitas pessoas deixam de dar o melhor não por falta de dinheiro, mas por falta de orientação, coisa que a gente tem procurado disseminar pelo país. No que se refere à performance de 2024, é preciso analisar em um contexto mais amplo. E não tem como não considerar a pandemia, período em que o mercado pet explodiu. As pessoas interagiram mais com seus pets ou aproveitaram para adotar ou comprar um pet. A desaceleração que a gente enxerga hoje nada mais é do que uma correção de um aumento exagerado de dois anos.

No balanço de 2024, o senhor disse que trimestres anteriores apresentaram “baixo crescimento de faturamento, resultado de um mercado cada vez mais competitivo”. De onde vem essa disputa acirrada?
Em 2020 e 2021, tivemos um choque de demanda. As fábricas aumentaram a capacidade de produção, o varejo abriu mais lojas. Ao choque de oferta, se seguiu o esfriamento da demanda. Essa combinação criou um cenário muito mais desafiador. A alternativa para continuar crescendo passa pela fusão. Hoje, Petz e Cobasi separadas é algo muito bom para um marketplace: enquanto a gente fica se digladiando, eles ficam focados em pegar os clientes pelo preço. A gente precisa aumentar nosso grau de competitividade. Continuar investindo em inovação, em oferecer um alto nível de serviço, uma experiência que dê ao cliente vontade de levar o pet na loja física, de levar a família, melhorar os serviços da rede de clínicas veterinárias, a Seres, melhorar os serviços de banho e tosa, esses são nossos diferenciais, que levam à fidelização. E para quem faz compras no aplicativo, oferecer entregas mais rápidas, em até duas horas.

Quais os diferenciais da Petz? Por que alguém iria a uma loja da rede em vez de ir à Petlove ou a um pet shop de bairro?
Existem algumas coisas que são fortíssimos pontos de diferenciação na Petz. As lojas 24 horas, por exemplo, assim como a marca própria, que oferece uma relação de custo-benefício cada vez melhor para o consumidor, em diversas categorias –ração, higiene, acessórios. Temos o Adote Petz, que é o maior programa de adoção do Brasil, são mais de 10 mil cães adotados por ano, mais de 70 mil cães e gatos adotados até hoje. Por meio de uma parceria com a editora Mol, a renda obtida com a venda dos livros nas lojas é revertida para as ONGs dedicadas à proteção animal. Nós já doamos mais de R$ 10 milhões para essas ONGs. Não é uma doação para se fazer qualquer coisa com o dinheiro: é uma doação assistida, onde a gente procura fazer com que esse recurso vá para a infraestrutura das entidades.

O senhor avalia que existem pontos na regulação do varejo no Brasil que devam ser revistos?
Aqui eu me refiro especificamente ao comércio eletrônico. Hoje existe uma desresponsabilização do dono da plataforma: você pode vender qualquer produto sem o devido recolhimento de impostos, ou sem a conformidade técnica exigida pela legislação. Aliás, eles dão o exemplo de classificados de jornal para justificar essa postura. Pelo argumento deles, se você anuncia um carro roubado, você não pode processar o jornal por ter participado da venda. Só que esse argumento não é verdadeiro, por uma simples razão: o jornal não ganha comissão sobre a venda do carro e não pode ser responsabilizado por isso. Mas o marketplace sim, ganha comissão sobre a venda. Essas plataformas participam ativamente do negócio, recebem comissão sobre tudo o que é vendido no seu espaço, seja uma mercadoria roubada, ou que sonega impostos, ou que não segue a conformidade técnica e coloca o consumidor em risco. Não tem como você dizer que não tem nada a ver com isso. Essa é uma grande falha da legislação e, de certa forma, é natural porque o mundo evolui muito mais rápido que as leis. Mas é preciso regular essa questão.

O senhor se refere aos marketplaces asiáticos em especial?
Não, estou falando de todos. Inclusive dos nacionais. Mas existem marketplaces sérios, como o do Magazine Luiza, por exemplo. Essa é uma bandeira com a qual eles estão plenamente de acordo. A moralização da responsabilidade do marketplace faz muito bem para o marketplace ético.

Qual a sua opinião sobre o fim da escala 6×1?
A mudança da escala em si, para 5×2, eu acho muito mais factível. É uma questão de colocar os técnicos para trabalhar e oferecer esse benefício de dois dias de folga na semana. Mas quando você pensa na redução de jornada de 44 para 40 horas, isso representa um aumento de custo de mão de obra de 10%, que fatalmente é repassado. Quem paga é o próprio trabalhador. Por isso a gente tem que analisar a questão com mais atenção, com bastante cuidado, para saber se ela gera benefícios de fato, se melhora a produtividade da empresa e a qualidade de vida do colaborador.

E sobre a isenção da cobrança do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000?
Essa é uma discussão bastante complexa. No passado, quando foi instituída a isenção, em 1995, logo depois do Plano Real, ela equivalia aproximadamente a nove salários mínimos. Se essa isenção tivesse sido devidamente corrigida, hoje a gente teria uma isenção para quem ganha até R$ 13 mil, R$ 14 mil. Os governos que vieram, sejam eles de esquerda ou de direita, nenhum corrigiu a tabela de dedutibilidade, de forma que o valor foi ficando defasado. Ao não corrigir, você tira o dinheiro do assalariado, porque ele perde o poder de compra. Esse mecanismo foi, silenciosamente, ano após ano, tirando alguns bilhões de reais do consumo em favor de impostos para o Estado.

Mas agora o projeto de lei visa corrigir essa distorção.
Não vejo nenhum benefício, está sendo devolvido apenas uma parte do que foi tirado do trabalhador. É muito pouco, mas talvez seja o cenário mais realista diante do que aconteceu. Quando se fala em contrapartida, a única que cabe é a diminuição da despesa pública, que só aumenta. Mas o que me deixa mais estarrecido é que ninguém fala sobre a correção do patamar da isenção. Este é o ponto mais absurdo. O que vai acontecer daqui dez anos: a gente vai falar que o governo de plantão quer corrigir a isenção do IR para quem ganha até R$ 10 mil que, na verdade, vai valer muito menos que os R$ 5.000 de hoje. Vai precisar de uma contrapartida para fazer isso, de novo. Quando existe inflação, o governo se beneficia: as empresas vendem mais nominalmente, elas recolhem mais imposto nominalmente. Não há nada demais em corrigir a isenção, não há problema no tocante ao equilíbrio fiscal. Mas me surpreende que ninguém queira discutir isso. Uma vez eu fiz essa pergunta para o ministro [da Economia] Paulo Guedes [no governo de Jair Bolsonaro]. Ele me falou que ‘se indexar tudo, volta a inflação’. Eu falei: ‘Meu Deus, mas tudo é indexado, só isso que não é’.