Após meses de protagonismo do ambiente externo nas discussões dos agentes financeiros sobre a perspectiva para os ativos locais, o noticiário fiscal voltou à pauta dos investidores nos últimos dias. Rumores de que o governo prepara medidas para melhorar sua popularidade, às vésperas da apresentação do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, sublinharam de novo a sensibilidade do mercado à possibilidade de piora das contas públicas, com efeito no dólar e nos juros futuros, e levantaram questionamentos sobre se o noticiário de Brasília pode frear o bom desempenho recente do mercado local.
Na quinta-feira, notícias de que o governo poderia ampliar medidas fiscais e parafiscais voltaram a ter reflexos no preço dos ativos. No dia, o dólar chegou a avançar mais de 1% nas máximas da sessão e os juros futuros saltaram 15 pontos-base em alguns trechos da curva — um aumento da volatilidade devido a fatores domésticos que não se via desde a crise do fim de 2024.
O estrategista macro da XP Investimentos, Victor Scalet, observa que, desde o anúncio das tarifas de Donald Trump no “Liberation Day”, as questões domésticas brasileiras estavam afetando os preços de ativos menos do que o usual, especialmente por conta do fluxo estrangeiro. “E como os riscos idiossincráticos pioraram nas últimas semanas, em nossa opinião, estávamos procurando gatilhos para que a dinâmica do mercado mudasse de seguir o externo para seguir de novo as notícias locais”, diz.
Ele aponta que, a despeito da falta de novidades nas medidas ventiladas, a XP passou a receber mais perguntas de estrangeiros sobre temas como eleições, riscos fiscais e a dinâmica da inflação, em movimento que classificou como “incomum”.
“Tudo isso me fez pensar se uma combinação de Trump recuando nas tarifas com posicionamento já muito grande dos estrangeiros em ativos brasileiros poderia ser suficiente para fazer com que a dinâmica do mercado respondesse novamente às notícias locais, uma hipótese que temíamos que pudesse acontecer, mas que não estávamos esperando para agora. Mas vamos ver a evolução nas próximas semanas, especialmente com os locais mantendo posições ‘bullish’ [otimistas], embora acreditem em um cenário ‘bearish’ [pessimista], o que poderia contribuir para esse barril de pólvora”, afirma, em postagem numa rede social.
A diretora de pesquisa e estratégia de mercados emergentes do Crédit Agricole, Olga Yangol, não vê com bons olhos a aposta na queda dos juros locais. “Nossa previsão de que a Selic terminará o próximo ano em 13% é mais ‘hawkish’ [agressiva] do que o mercado está precificando e, portanto, não consideramos a parte inicial da curva de juros particularmente atraente. Também não consideramos a ponta longa particularmente atraente, dadas as preocupações fiscais atuais e a curva de juros invertida”, disse ao Valor.
Na avaliação do ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, atual diretor da Oriz Partners, o ambiente se mostra mais desafiador para o Brasil, já que os dois elementos propagados pelo Banco Central (BC) na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) para justificar um balanço de riscos mais equilibrado – a desaceleração da economia doméstica e da global – perderam força. “Temos um ambiente de uma política econômica que continua estimulativa. Nesse sentido, a desaceleração propalada pelo BC na ata pode estar mais distante”, disse em seu podcast semanal.
Ao destacar a economia doméstica, Kawall observa que há projetos em vigor, como o do aumento de isenção do imposto de renda para salários até R$ 5 mil e o novo consignado privado, que apontam na direção de um desaquecimento menos intenso. “E [na semana passada] surgiram especulações com relação a novas medidas de estímulo na área de crédito e, também, na área fiscal, com coisas que já estão sinalizadas, como o vale-gás e a redução do preço de energia elétrica, e a hipótese do aumento do Bolsa Família para R$ 700. Por mais que essa medida, em particular, tenha sido negada, os mercados consideram muito provável esse tipo de estímulo no ano eleitoral.”
Nesse contexto, o mercado deve monitorar com ansiedade a sinalização do governo no Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, que será divulgado na quinta-feira.
O Morgan Stanley espera que o relatório indique algum congelamento de gastos, entre R$ 5 e R$ 10 bilhões. “Vale lembrar que há cinco relatórios bimestrais em um ano em que o governo avalia a evolução dos gastos e receitas para atingir a meta fiscal primária para o ano, que atualmente é de zero”, apontam os economistas da instituição.
Os profissionais da TS Lombard avaliam que é provável que a extensão do bloqueio e contingenciamento anunciado pelo governo tenha impactos sobre o sentimento do mercado. “Acreditamos que qualquer número acima de R$ 20 bilhões será visto como positivo para o mercado. E, embora haja rumores de que o governo planeja anunciar um congelamento de gastos desse calibre enviaria um sinal positivo aos investidores, ajudando a estender a recente recuperação do Ibovespa e do real”, apontam os economistas Elizabeth Johnson e Wilson Ferrarezi.
No entanto, há riscos de que a extensão dos cortes a serem anunciados seja considerada insuficiente. “Isso ocorre porque o governo Lula pode não estar disposto a cortar gastos em um momento em que seu índice de aprovação continua em baixa. A recuperação marginal do índice de aprovação do governo em abril provavelmente será interrompida pelo escândalo em andamento no sistema de pensões do governo”, lembram.
A estrategista de ações do J.P. Morgan para Brasil e América Latina, Emy Shayo Cherman, aponta que o desempenho forte das ações brasileiras em 2025 tem ocorrido menos por uma história doméstica do que pelo contexto global. “O Brasil está brilhando, mas não por causa de seus próprios esforços. Os problemas que vêm minando os mercados e elevando as taxas de juros ainda estão presentes, ou seja, uma história fiscal ruim”, diz.
Entretanto, segundo ela, a dinâmica global mudou em favor do Brasil recentemente, considerando que o país é uma economia não muito afetada por tarifas; é barata; o posicionamento é muito baixo; o juro real é muito alto, o que dá suporte à moeda; e os resultados das empresas foram bons. “Ainda assim, os dois catalisadores locais que importam ficam mais próximos a cada dia: o início do ciclo de flexibilização da taxa de juros e o início da corrida eleitoral de 2026. Enquanto isso, o Brasil continuará sendo uma história de fluxo global, a menos, é claro, que o mundo de Brasília traga outro conjunto de más notícias, como aconteceu algumas vezes em 2024.”