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Duas vezes por ano, o alagoano Gelio Medeiros, CEO da grife de vestuário Martha Medeiros, inclui na agenda um compromisso que considera estratégico para os negócios: acelerar um UTV, aquele carrinho invocado usado em ralis, sobre terrenos bem acidentados, de preferência em regiões inóspitas. Via de regra, ele se aventura a bordo de um veículo desse tipo ao longo de uma semana na companhia de velhos amigos.
Vão umas 20 pessoas por vez, formando uma fileira de UTVs. Para os roteiros mais amigáveis, Medeiros e sua turma costumam convidar esposas e filhos. Já os trajetos mais desafiadores são restritos, geralmente, à ala masculina. “É só durante essas viagens, normalmente, que não penso em trabalho”, afirma Medeiros. “Realmente me desligo, até porque não há sinal de celular para onde costumamos ir. E volto renovado para encarar a intensidade do meu cargo.”
Assim como Gelio Medeiros, vários altos executivos sentem que ter algum hobby que os faça desligar do trabalho é importante para o próprio trabalho. Alvaro Gutierrez, country manager no Brasil do grupo Oniverse, dono da Intimissimi e da Calzedonia, entre outras marcas, diz que tanto líderes quanto liderados precisam disso.
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“Nossa mente funciona como um motor de carro. Se trabalha em alta rotação e sem pausas ou manutenção, uma hora, fatalmente, vai falhar. Os hobbies equivalem a manutenções mentais”, diz Dennis Herszkowicz, CEO da Totvs.
Gelio Medeiros é filho da estilista que dá nome à marca, fundada pela dupla em 2008. Até então, o empreendimento de Martha Medeiros se resumia a uma loja multimarcas em Maceió. A ideia de transformá-la em uma grife partiu de Gelio, que elegeu o projeto como tema de seu trabalho de conclusão de curso na FGV, onde se formou em administração de empresas.
“A renda, naquela época, só era vista como artesanato no Brasil”, recorda ele, de 41 anos. “Demos sofisticação ao tecido, a ponto de a atriz Sofía Vergara se casar usando um vestido nosso.”
Em 2019, quando a estilista vendeu sua fatia da marca para o filho, dando adeus à operação, ele assumiu o cargo de CEO. São oito lojas atualmente, todas no Brasil, e dois pontos de venda no exterior. “Ampliamos o mix de produtos”, diz o filho. “Vendemos de moda praia até casaco de esqui e crescemos cerca de 30% nos últimos três anos.” O tíquete médio é de R$ 11.800.
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Lá se vão 14 anos desde que as viagens de UTV viraram um hobby. A primeira delas, em 2011, se resumiu a um passeio pelas dunas da Praia do Rosa, em Santa Catarina. Com o passar dos anos, elas foram ganhando complexidade e envolvendo doses maiores de adrenalina. Uma das expedições mais intensas, a do Pantanal, se estendeu por 1.200 quilômetros ao longo da Transpantaneira – com trechos alagados nos quais foi preciso desviar de jacarés.
O destino da próxima expedição, marcada para outubro, é o Monte Roraima, na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. Gelio e sua turma costumam pilotar os próprios UTVs, que são despachados para os locais de partida a bordo de uma carreta.
Eles só alugam esses carrinhos no caso de destinos internacionais – no norte do Canadá, em uma região inabitada, o grupo amargou 40°C negativos. Carros de apoio se encarregam das malas, da comida e do transporte de peças sobressalentes para os UTVs. “A ideia é se arriscar, mas não demais”, afirma o CEO.
Alvaro Gutierrez, do grupo Oniverse, também tem o hábito de se embrenhar no meio do nada – mas a cavalo. Radicado em São Paulo desde 2014, o madrileno começou a praticar equitação quando tinha 6 anos. Os filmes de caubói assistidos na mais tenra infância, acredita ele, são a origem do fascínio por esse universo. Na adolescência, o executivo participou de campeonatos de salto e doma em sua cidade natal.
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Sua família tinha poucos recursos para investir no esporte caro pelo qual Gutierrez caiu de amores. Como não tinha um cavalo, ele pendurou uma plaquinha, quando tinha uns 12 anos de idade e já montava bem, na hípica próxima de seu colégio. Dizia: “Alvaro monta o seu cavalo grátis”. “Eu sempre tive tino para aproveitar as oportunidades que surgem pelo caminho”, diz, ao lembrar do estratagema usado para ganhar mais experiência no hipismo.
Com o passar dos anos, os saltos e as manobras nas hípicas foram dando lugar a cavalgadas com vários dias de duração, em meio à natureza. Em dezembro último, ele partiu de Mendoza, na Argentina, em direção ao Chile, desbravando a Cordilheira dos Andes. Foram seis dias cavalgando, de sete a oito horas diárias, em trechos com até 5 mil metros de altitude. Gutierrez foi acompanhado de três pessoas, incluindo dois guias e oito cavalos montados em rodízio para poupá-los.
“É o tipo de viagem que ensina muito sobre resiliência e disciplina”, diz o executivo, que adora fazer paralelos entre seu hobby e o mundo corporativo. “Nessas cavalgadas, os cavalos que não estão sendo montados andam livremente, sem corda nenhuma, mas seguem o líder. Há cavalos, porém, que não deixam que ninguém monte neles, assim como há funcionários ‘indomáveis’.”
Segundo Gutierrez, todo líder empresarial deveria ter um hobby, seja ele qual for, assim como os liderados. “Qualquer cargo de liderança é aspiracional e todo ocupante serve de exemplo para os subordinados”, argumenta o madrileno, que está com 45 anos.
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“Se um chefe vive cansado, sem saber equilibrar a vida profissional com a pessoal, isso é transmitido cadeia abaixo e pode ser replicado a torto e a direito”, diz. “No mundo corporativo, problemas surgem com frequência. Mas isso não impede ninguém de cultivar interesses pessoais. Posso garantir que minha equipe trabalha não pensando em horas, mas em qualidade.”
O hobby de Emily Ewell, fundadora e CEO da Pantys, não chega a surpreender num primeiro momento. Ela se dedica aos vinhos. Mas ela não se limita a degustá-los, compará-los e colecioná-los. O que move essa engenheira química a se debruçar sobre esse universo é compreender, em detalhes, como cada vinho é produzido.
“O interesse pela parte técnica veio antes do apreço do meu paladar pela bebida”, afirma Ewell, nascida em Washington, nos Estados Unidos, e radicada em Sorocaba, no interior de São Paulo, desde 2013.
Ela se graduou em engenharia química na Universidade da Virgínia, concebida por Thomas Jefferson (1743-1826), que levou as primeiras uvas da França para a região. Com o passar dos anos, foi ganhando uma porção de vinícolas.
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“Na época da faculdade, comecei a visitá-las e a me interessar pela parte produtiva”, recorda Ewell. Ela também morou na Basileia, na Suíça, o que fez com que ganhasse intimidade com os vinhos brancos da Alsácia, região não muito distante.
De uns tempos para cá, quase toda viagem dela a passeio inclui uma visita a alguma vinícola. No ano passado, ela explorou o Vale do Douro, em Portugal. Em julho, embarcará para a África do Sul, outra região reputada pela produção de vinhos.
“A ciência por trás da bebida é fascinante”, afirma a CEO, que cultiva o sonho de montar um “bed and breakfast” ao se aposentar ou uma vinícola. A segunda ideia se deve à propagação, no Sudeste do Brasil, do método de inversão do ciclo da videira. É o que explica o surgimento de vinícolas como a Guaspari, localizada em Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo.
Ewell se estabeleceu em Sorocaba quando trabalhava para a Novartis. Lançada em 2016, a Pantys é conhecida pela calcinha absorvente lavável. “É um produto que já fez com que 1,4 bilhão de absorventes deixassem de ser utilizados, o que é extremamente positivo para o meio ambiente”, diz a CEO de 40 anos. “Começamos com 32 SKUs [itens] e hoje temos 800.” A marca tem três lojas físicas e escoa seus produtos em 3 mil pontos de venda.
O hobby ligado à vitivinicultura, afirma a americana, contribui muito para o seu desempenho à frente da Pantys. “Se eu me dedicasse só ao trabalho, a marca não daria certo”, diz. “Todo CEO ou empreendedor precisa se desligar do trabalho de tempos em tempos para dar atenção a outros interesses.”
O hobby de Dennis Herszkowicz, da Totvs, remete à infância de muita gente, incluindo a dele: futebol de botão. “Na minha infância, eu reunia os amigos do meu prédio e jogávamos umas seis horas por dia, diariamente”, recorda o executivo de 50 anos. “Era uma prática bem comum naquela época.”
No fim da década de 1990, depois de fundar a Gibraltar.com, ele instalou uma mesa de futebol de botão na sede da companhia. “Naquele período, os escritórios passaram a ser mais descolados, e a sisudez do mundo corporativo foi sendo abandonada”, diz.
Quando assumiu o comando da Totvs e deparou com mesas de sinuca e de pebolim no escritório da empresa de software, não pensou duas vezes: mandou instalar uma mesa de futebol de botão no andar da presidência e da vice-presidência.
A novidade fez sucesso a ponto de Herszkowicz autorizar a instalação de outras mesas do tipo em outras áreas da companhia, tanto na matriz como nas filiais espalhadas pelo Brasil.
Em 2022, foi organizada a primeira edição da Copa de Futebol de Botão da Totvs. Dela só os executivos que dividiam o andar com o CEO, além de alguns diretores, participaram. O campeão foi Herszkowicz. Depois, as inscrições foram abertas para todos os colaboradores. “É um hobby que ajuda a desopilar e a performar melhor no dia a dia”, afirma o executivo.
Presidente da SAP para a América Latina e o Caribe desde 1º de abril, Adriana Aroulho tem o hábito de “dar uma estrela” sempre que a empresa registra uma grande conquista. Ela executa o movimento no meio do escritório da companhia de softwares com quem estiver por perto como testemunha. A última vez foi no final do ano passado, quando ela ainda presidia a divisão brasileira da SAP. “Tínhamos acabado de entregar um projeto muito importante”, diz a executiva de 49 anos.
A destreza para executar a acrobacia se deve à proximidade dela com o balé, que pratica desde os 4 anos. De lá para cá, ela se dedicou a outros estilos de dança, do jazz ao sapateado. A atividade, na adolescência, foi ganhando cada vez mais força, a ponto de ela abrir mão da viagem de formatura do ensino médio para participar de um festival de dança. Foi só no primeiro ano da faculdade de ciências sociais (na USP) que ela decidiu fazer da dança um hobby, e não uma profissão.
“O balé é parte do meu estilo de vida”, diz Aroulho, cuja personal trainer é bailarina. Com ela, pratica tanto balé fitness quanto exercícios funcionais. “A dança propicia uma sensibilidade artística e me ajuda a estabelecer relações mais empáticas, inclusive no trabalho. E é uma atividade que tem muito a ensinar ao mundo empresarial”, diz. “Os dançarinos precisam se preparar muito para uma única apresentação. Se deu certo, ótimo. Se não, o único jeito é se preparar para a próxima.”
Aroulho não espera que todo mundo saia “dando estrela” pelo escritório como ela. “Quero que todo mundo se sinta à vontade para agir com autenticidade, e não da mesma forma que eu”, diz. Suas acrobacias, reconhece, fazem com que todo mundo se sinta mais à vontade diante dela. “Não tenho dúvida de que quebra o afastamento que a hierarquia costuma impor.”
Sócio-controlador de marcas de bebidas como Ballena e Burlone, entre outras, Fernando Gorayeb, de 37 anos, conta que tem enorme dificuldade para se desligar do trabalho. Isso até mesmo quando está esquiando, praticando snowboard ou pulando de paraquedas. Ele já tem mais de dez saltos no currículo.
“Estou no alto de uma montanha numa estação de esqui e acabo despachando algo relacionado ao trabalho pelo WhatsApp”, diz. “No avião, antes de saltar de paraquedas, acabo pensando nos negócios.”
Gorayeb, no entanto, afirma que encontrou um outro hobby que lhe permite se desvencilhar 100% do trabalho: o automobilismo. Em 2024, ele debutou na categoria GT4 da liga Endurance Brasil. Neste ano, vai migrar para a categoria P1, exclusiva para protótipos.
“Quando você está acelerando a 250, 300 quilômetros por hora, não dá para pensar em outra coisa”, diz Gorayeb, cuja paixão pelo automobilismo vem da adolescência, quando começou a correr de kart e a disputar campeonatos da modalidade. “Encontrei a válvula de escape que faltava para me revigorar para o trabalho.”
Segundo ele, o automobilismo oferece lições valiosas para o mundo corporativo. “Um grande piloto não basta se os responsáveis pela troca dos pneus no pit stop não estiverem comprometidos”, afirma Gorayeb, que adquiriu um simulador dotado de realidade virtual aumentada para se aprimorar como piloto sem sair de casa. “A vitória, nesse universo, é de toda a equipe, assim como em qualquer empresa.”