As marcas têm abordado cada vez mais as angústias e as alegrias do público nas campanhas publicitárias, apostando que empatia vende. Isso explica a escolha de aludir à solidão da maternidade e à frustração de não conseguir engravidar nos anúncios do Dia das Mães deste ano, algo bem distinto dos comerciais de tempos atrás, que apenas retratavam familiares dando presentes pra matriarca.
“Se a propaganda não refletir as mudanças da sociedade e gerar uma identificação com as pessoas, naturalmente, ela vai virar paisagem”, diz Marcia Esteves, presidente do Espaço de Articulação Coletiva do Ecossistema Publicitário, entidade conhecida como Abap, e executiva-chefe (CEO) e sócia da agência Lew’Lara\TBWA.
Uma pesquisa da Kantar aponta que os reclames que evocam emoções mais fortes geram 50% a mais de engajamento. Nesse sentido, as campanhas publicitárias mais bem-sucedidas são as que conseguem capturar a sensibilidade e equilibrar as aspirações com realidade econômica, segundo a antropóloga Ligia Mello, sócia da Hibou Pesquisa e Insights. É por isso que o Dia das Mães tem se tornado um termômetro não apenas do consumo, mas também das novas demandas emocionais de uma parcela da população feminina.
“Se a propaganda não reflete as mudanças da sociedade, vira paisagem”
— Marcia Esteves
De acordo com levantamento conduzido pela Hibou, em parceria com o Score Group, e obtido com exclusividade pelo Valor, 44% dos entrevistados dizem que o Dia das Mães é o momento de reconhecer o valor das matriarcas, enquanto apenas 18% ainda veem a data como meramente comercial, número que caiu 3 pontos percentuais em relação a 2024. Para outros 23%, trata-se de uma oportunidade para reunir a família, e 14% descrevem a data como uma saudade imensa. Ao todo, foram ouvidas 1.125 pessoas entre os dias 26 e 27 de abril em todo o Brasil.
A solidão da maternidade foi o tema escolhido pela marca de alimentos Sadia, do grupo BRF, para o comercial narrado por Rosa Santos, mãe da ginasta Rebeca Andrade e de outros sete filhos. O filme criado pela agência Africa Creative mostra as barreiras e a sobrecarga feminina. “A dona Rosa abdicou de muita coisa para a Rebeca chegar aonde chegou. Ter que equilibrar tudo sozinha é uma realidade muito comum e ainda vem com a dúvida sobre ‘o que é ser boa mãe’”, diz a executiva de marketing da marca, Luciana Bülau.
Há três anos, a Sadia elege temas da maternidade real para retratar nas propagandas, como é o caso da adoção “tardia”, que acabou ajudando a elevar o número de crianças mais velhas que foram adotadas em 2022. Em 2023, a temática foi de que mãe é para sempre, e o filme teve como protagonista a dona Deia, mãe do humorista Paulo Gustavo, que morreu em 2021. “No ano passado, não fizemos campanha, pois estávamos com foco nos anúncios do aniversário da marca. Algumas pessoas sentiram falta da homenagem e ligaram para reclamar. Isso mostra a força da estratégia”, diz Bülau.
Já o Grupo Boticário, que atua em perfumaria e cosméticos, decidiu retratar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que tentam engravidar, no filme “Planos”, criado pela agência AlmapBBDO. A escolha da temática partiu de conversas com mulheres de dentro e de fora da holding. “A gente se deparou com a oportunidade de jogar luz nesse tema com bastante empatia porque estamos falando sobre mulheres que estão em uma jornada e talvez não tenham virado mães ainda”, explica a diretora de marca e comunicação do Grupo Boticário, Carolina Carrasco. Não se trata de casos isolados: uma em cada seis pessoas sofre de infertilidade no mundo, de acordo com levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“-O que a gente quer é que as pessoas se reconheçam na campanha”
— Erica Vieira
Além do filme, a campanha contempla uma parceria com a comunidade de mães B2Mamy que faz uma série de vídeos sobre o assunto e um canal de apoio no WhatsApp, que já conta com mais de 700 inscritas desde meados de abril. “A gente teve coragem de trazer o tema porque acredita que a conexão da nossa marca com as mulheres que são tentantes, que foram tentantes ou que possuem tentantes no seu círculo é muito maior do que uma estratégia publicitária convencional”, diz, acrescentando que desde 2022 o Boticário aborda os desafios da maternidade nas campanhas, incluindo o cansaço do puerpério, os julgamentos sofridos na primeira infância e as tormentas da adolescência.
A concorrente Natura, por sua vez, escolheu mostrar a maternidade com leveza. O filme criado pela agência Galeria mostra uma criança “dando um banho” de perfume em uma boneca, algo que ela provavelmente viu a mãe fazer inúmeras vezes – mas em menor proporção, é claro.
A decisão de retratar esse momento com delicadeza não é por acaso. Pesquisa da empresa de análise de dados comportamentais de vídeos Winnin IA aponta que os temas de “beleza e cosméticos” e “humor” têm taxas maiores de visualização e engajamento nas redes sociais entre os conteúdos relacionados à maternidade.
“Sabemos que muitas mães encontram no humor uma forma de aliviar o peso das demandas diárias, e é essa leveza que quisemos traduzir”, diz a diretora global de presentes e datas comemorativas da Natura, Erica Vieira. “O que a gente quer é que as pessoas se reconheçam na campanha, se emocionem e sorriam. E isso acontece, especialmente, quando a gente mostra a vida como ela é: cheia de imprevistos, mas também cheia de amor.”
Para o executivo-chefe criativo (CCO) da agência AlmapBBDO, Marco Giannelli, a estratégia de usar a conexão emocional nas propagandas pode não ser o caminho mais fácil para impulsionar as vendas, mas é o que gera maior conexão com o público no longo prazo. “O sonho de toda marca é ser uma ‘Love Brand’”, afirma. “Percebemos que, quando você tem uma história forte, as pessoas se interessam, e se tiverem que assistir a quatro minutos, elas não vão só assistir como vão compartilhar e fazer questão de que outras pessoas também assistam.”
Ainda que a estratégia normalmente se traduza em resultados financeiros positivos, as marcas não investem todo o orçamento de marketing no viés emocional. Muitas empresas fazem campanhas paralelas com foco em venda de produtos na televisão, mídias externas e cada vez mais nas redes sociais.
Essa profusão de canais ajuda a explicar por que a projeção para este ano é de queda nos investimentos em anúncios do Dia das Mães na TV. De acordo com levantamento da plataforma de engajamento de marcas e inteligência de mídia Tunad, o recuo esperado é de 10% em relação ao ano passado, para R$ 57,5 milhões.
Por sua vez, o comércio brasileiro espera aumento das vendas em 2025. A projeção da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) para o Dia das Mães é de alta de 9,24%, para R$ 16,3 bilhões, com 62% dos consumidores pretendendo comprar presente.