A análise dos números apresentados pelo governo na terça-feira, 15, durante o anúncio de envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 para o Congresso Nacional, trouxe mais preocupação para o mercado financeiro em relação às contas públicas. A proposta define as regras gerais do Orçamento e a meta de equilíbrio entre receitas e despesas que o Poder Executivo deve perseguir.
O BTG Pactual avalia, em relatório, que as estimativas do governo no projeto são superestimadas do lado das receitas e conservadoras nas despesas obrigatórias. O governo projeta déficit primário — a diferença entre a arrecadação e as despesas, fora os juros da dívida — de R$ 16,9 bilhões (0,12% do Produto Interno Bruto) no próximo ano, enquanto o banco estima déficit superior, de R$ 90 bilhões.
“As projeções do PLDO não consideram o aumento na CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) — R$ 15 bilhões — e o imposto sobre IoE (”Interest on Equity”, os Juros sobre Capital Próprio) — R$6 bilhões —, incluídos no Orçamento de 2025. Essa mudança indica que essas medidas provavelmente serão excluídas da projeção de receita de 2025 no próximo relatório bimestral, agendado para 22 de maio”, observa.
O BTG destaca que a previsão para gastos com pensões está R$ 16 bilhões acima da estimativa do banco, enquanto a projeção para gastos com folha de pagamento ultrapassa em R$ 18 bilhões.
Em relação a 2027, o BTG avalia que a previsão do governo deve aderir à regra fiscal atual, que exige a inclusão total dos pagamentos determinados pela justiça dentro do teto de gastos e no cálculo do resultado primário.
Consequentemente, o gasto discricionário é comprimido a um nível incompatível com o funcionamento básico do setor público”, afirma. “Um entendimento mais preciso do cenário para 2027 só surgirá uma vez que uma nova regra para os pagamento determinados pela Justiça seja estabelecida – uma discussão que provavelmente ganhará impulso em 2026”, frisa..

‘Execução difícil’
O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, considera que a execução do PLDO de 2026 será difícil, devido à desaceleração das receitas e ao crescimento das despesas acima do limite. “Isso impõe ao governo uma dificuldade muito grande no ano que vem, uma vez que precisará correr atrás de receitas e implementar contenção de despesas”, afirma.
Segundo o economista, a projeção de crescimento de 5,5% das receitas para 2026, em cima de uma base já inflada para 2025, parece muito otimista, sendo desafiador atingir os R$ 118 bilhões necessários em receitas adicionais para fechar a meta do resultado primário. “Esse número faz sentido, nós falávamos em algo em torno de R$ 110 bilhões, mas considerando dividendos e royalties de petróleo, o que o governo não considera”, pondera.
Quanto às despesas, o economista avalia que, mesmo retirando os precatórios das projeções das discricionárias para 2027, 2028 e 2029, os números devem seguir elevados, uma vez que as dívidas judiciais não são o único problema. Para ele, as estimativas do governo demonstram a insustentabilidade do arcabouço fiscal a partir de 2027.
“O governo precisa tomar uma decisão quanto a retirar os precatórios do limite de despesas porque não faz muito sentido essa dinâmica de colocar tudo dentro do Orçamento, mas não ter ali um espaço para isso. A minha visão é de que essa discussão poderia ser feita a qualquer momento”, diz.
Adicionalmente, Sbardelotto ressalta que a dívida pública não deve se estabilizar em 2028, mantendo trajetória ascendente até atingir o pico em 2034, quanto a XP projeta que a dívida atinja 94,7% do PIB.
Para 2026, a estimativa da corretora é de déficit primário de R$ 74,8 bilhões (0,6% do PIB), já considerando os precatórios.
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‘Alta de receitas irrealista’
O crescimento das receitas para 2026 projetado pelo governo no PLDO é irrealista, na avaliação do economista da MCM 4 Intelligence Renan Martins. Ele destaca, porém, que o cumprimento da meta de resultado primário para o ano que vem, de superávit de 0,28% do PIB ainda é factível, dada a possibilidade de receitas extraordinárias advindas de dividendos de estatais ou de novos leilões de petróleo.
“A questão é que o governo insistiu em ganhos de receitas concentradas em regularização de passivos tributários, como o Carf, que já vimos em 2024 e 2025 que têm um potencial muito baixo”, afirma o economista. Assim, para ele, o superávit primário neste ano pode sim ser atingido, a depender do que ocorra com outros vetores. “O leilão do excedente do petróleo pode ocorrer neste ano e gerar uma receita na casa de R$ 35 bilhões, que entraria para o ano que vem”, exemplifica.
Entre os problemas da peça orçamentária apresentada ontem, mas pelo lado das despesas, Martins destaca que o governo pode ter subestimado o novo valor do salário mínimo de 2026, por estar prevendo uma inflação baixa de mais para 2025.
A projeção do governo é de um salário mínimo de R$ 1.630 a partir do ano que vem, o que leva em conta uma expectativa de inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até novembro deste ano de 4,75%, segundo Martins. Ele, porém, trabalha com um cenário de inflação em 5,81% no período, o que obrigaria o salário mínimo a ser reajustado para R$ 1647. “Pode parecer pouco (a diferença), mas traria um impacto no orçamento na casa de R$ 7 bilhões”, observa.
Problema para 2027
A avaliação de Martins é de que, apesar de algumas incongruências, a questão fiscal para o ano de 2026 está em algum grau resolvida, mas que o grande problema se dará de 2027 em diante. Há especial preocupação com a perda contínua de orçamento das despesas discricionárias (não obrigatórias) pelos próximos anos, conforme o próprio governo prevê, o que, em última instância, levaria à paralisação da máquina pública.
“Pelos últimos anos, a gente conhece os valores necessários para funcionamento da máquina pública e pagamento de emendas, e vê que aquilo (que está no PLDO) é inviável. A partir de 2027 o Orçamento já é inexequível”, afirma.
Assim, a avaliação do economista é de que o governo estaria jogando o problema para a frente. “Resta a dúvida de saber ‘em que futuro’ esse problema será enfrentado, já que em meados de 2026 o Orçamento do ano seguinte precisará ser apresentado”, comenta Martins. “Pode ser que haja uso de projeções irrealistas e o problema fique para ser resolvido só em 2027, no próximo governo.”