A rede de supermercados St Marche entrou com um pedido de tutela judicial para renegociar dívidas de R$ 639 milhões, um processo que antecede o pedido de recuperação judicial. Segundo analistas, o problema não é exclusivo ao St Marche, mas parte de uma tendência que afeta o setor varejista e tem razões multifatoriais.
Empresas de varejo do segmento alimentar, como St Marche, Carrefour, Grupo Pão de Açúcar e Dia, tomaram crédito em 2020, quando a taxa Selic estava em 2% ao ano. Em muitos casos, têm juros do CDI somados a uma taxa adicional, totalizando, por exemplo, uma dívida com juro de 7% ao ano (2% dos juros e 5% de taxa adicional). Porém, o salto que levou a Selic de 2% em janeiro de 2021 para 13,75% em agosto de 2022 tornou as dívidas muito mais caras.
Com isso, somada à redução do poder de compra dos consumidores devido ao aumento da inflação, ao juro elevado que inibe o consumo e às margens historicamente baixas no setor varejistas, que ficam entre 2% e 6%, as dívidas estão se tornando impagáveis.
O sócio da consultoria RGF, Rodrigo Gallegos, afirma que o setor de varejo alimentar também vinha esperando resultados mais positivos, o que não se concretizou nos últimos anos. “Temos visto que o setor passa por uma redução do consumo por causa da inflação. Os clientes acabaram consumindo um pouco menos e as empresas estavam prevendo um consumo um pouco maior, o que acaba afetando o resultado direto esperado”, diz.
Além disso, o caso do rombo bilionário na Americanas, reportado no começo de 2023, tornou o crédito para esse setor mais conservador, dado o risco que os empréstimos a essas empresas podem representar aos bancos.

O cenário que afeta o St Marche é, portanto, similar ao que levou o Dia a entrar com pedido de recuperação judicial em março de 2024, com dívida de R$ 1 bilhão. Após isso, o grupo espanhol vendeu o seu capital no País à MAM Asset Management, gestora de ativos do Banco Master, e fechou suas lojas.
O sócio-fundador da Arm Gestão, Amin Murad, afirma que as empresas do setor de supermercados devem ter dívidas que sejam, no máximo, três vezes a margem EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), mas não é isso que tem acontecido com algumas empresas, como a St Marche.
“Há um problema grave no varejo, porque a margem dos supermercados é muito baixa. As empresas menos eficientes têm margens de 2% e as mais eficientes têm 6%. Essa margem ela não tolera muito endividamento, porque o comprometimento é imediato”, afirma.
Murad diz ainda que algumas empresas chegam a lucrar de outra forma, dependendo menos das oscilações do consumo. “Supermercado é um negócio muito apertado. Normalmente, existe um negócio de real estate (imobiliário) por trás. Os mesmos acionistas são donos de alguns ativos e alugam para esse negócio. Então, eles têm a missão de manter o negócio bem vivo, mesmo com margem pequena e com uma boa remuneração dos ativos imobiliários”, afirma.
Em levantamento feito pela RGF para o Estadão, dados do Monitor RGF da recuperação judicial, que consideram os pedidos aceitos pela Justiça, mostram que houve aumento no número de casos relacionados ao setor de supermercados e hipermercados a partir do segundo trimestre de 2024. Nesse período, o número era de 49 e subiu para 65 no quarto trimestre do ano passado.
O diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, Eduardo Yamashita, afirma que o varejo alimentar passa globalmente por uma fase de transformação, enfrentando o problema da inflação de preços e buscando maximizar a eficiência operacional. No País, o especialista cita que o consumo tem mudado, com mais famílias indo a atacarejos à procura de preços mais baixos e com o aumento das lojas de proximidade, como a Oxxo, que também competem com os supermercados.
Yamashita afirma ainda que, diferentemente do que ocorre com outros segmentos do varejo, como o de eletrônicos, o impacto negativo do avanço das vendas via internet por empresas como Mercado Livre e Amazon ainda representa um porcentual muito pequeno para o varejo alimentar.
“Essa pressão que a gente tem visto no mercado de varejo alimentar, ela deriva muito mais dessa pressão no orçamento familiar, da diversidade de formatos, uma mudança do hábito do consumidor e das famílias, do que o próprio crescimento do digital”, diz.