Entre restos de obra e dezenas de trabalhadores que circulavam apressados, um dos edifícios centenários da Cidade Matarazzo parecia, na tarde desta quarta-feira (3), mais voltado ao futuro do que ao passado. Tombado e marcado por décadas de abandono, o antigo hospital Umberto 1º carregava as marcas de um restauro longo e complexo. Agora, às vésperas da inauguração da Mata Lab, a sensação dominante já não era de ruína —era de reconstrução.
No fim da tarde que antecedia a abertura do novo espaço, dedicado à moda, ao design e à beleza, equipes ainda corriam para ajustar os últimos detalhes. Embora rejeite a definição de shopping, o local mais se aproxima disso: reúne roupas, móveis, obras de arte e produtos de beleza de luxo.
Por outro lado, oferece ao público ambientes de ar vintage, luz natural abundante, estética industrial e concreto aparente, que servem de contraponto à lógica asséptica dos shoppings convencionais e das lojas-conceito homogêneas.
É nesse cenário que o Mata Lab reúne mais de 140 marcas e propõe um novo tipo de relação com o consumo e com a cidade. Inserida na Mata São Paulo —ecossistema criativo que integra o complexo Cidade Matarazzo— a Mata Lab ocupa 3.000 m² de arquitetura preservada.
A escolha do edifício não é mero detalhe estético. Histórico, o prédio carrega em suas paredes de tijolo exposto vestígios que contam parte da história paulistana. “Queríamos que as marcas do tempo permanecessem visíveis”, explica Ana Carolina Friedmann, diretora-executiva da Mata Lab.
“A base do nosso propósito, em relação ao complexo todo, é de regeneração. Então, se você pegar esse lugar 30 anos atrás, era um hospital abandonado que ninguém queria pegar. Pela história, pela complexidade, pelas dívidas, pelo fato de que era tombado. Mas a gente achou aqui um valor extraordinário”, diz David Laloum, sócio e Chief Strategy Officer da Mata Lab.
A espinha dorsal do espaço é uma curadoria que articula criadores do chamado sul global —parte central do movimento Proud South— com nomes internacionais de peso e talentos emergentes da moda e do design. A seleção abrange moda autoral brasileira, marcas independentes, peças vintage, mobiliário artesanal, joalheria conceitual e artigos de beleza que dialogam com bem-estar e sustentabilidade.
Entre as marcas brasileiras de moda, estão Forca Studio, Santa Resistência, ÀLG e Cris Pera. O núcleo de joalheria reúne nomes como Daslan, Ateliê Camila Lovisaro, Bravio Studios e uma série de designers que trabalham com metais reciclados, processos manuais e rastreabilidade.
A ala dedicada ao mobiliário funciona como pequena galeria: peças de MH Studios, ArteKura, Hugo França e Allumettes convivem com trabalhos de novos criadores que exploram madeira de reuso, formas esculturais e acabamentos experimentais.
Já o núcleo de streetwear, curado com foco na cultura urbana brasileira, reúne Carnan, Sunika, Uó, Gammba e Monochroma —com forte estética do grafite e do skate.
A presença internacional inclui peças selecionadas da Dover Street Market, além de designers que trabalham com upcycling, tecidos tecnológicos, slow fashion e práticas regenerativas.
Para Friedmann, o espaço nasce com a missão de reconfigurar a forma como São Paulo se relaciona com criatividade, moda e cultura. “Queremos que a Mata Lab seja um organismo vivo: um lugar onde a cidade entra, circula, interfere e participa”, afirma.
Por isso, além da área de loja, o projeto inclui zonas de convivência, espaços expositivos, ativações artísticas, pockets de performance e experiências guiadas pela natureza da Mata São Paulo.
A Mata Lab se posiciona como laboratório também no sentido ambiental. Muitas das marcas trabalham com materiais reaproveitados, processos de baixo impacto, produção local e estoques reduzidos. As práticas de circularidade —especialmente por meio da moda vintage e da revenda de peças de alta qualidade— reforçam uma visão de consumo prolongado.
Mas o compromisso não é unilateral. A própria gestão do espaço adota diretrizes sustentáveis, desde iluminação de baixo consumo até reutilização de materiais do canteiro de obras. O projeto faz parte de um investimento de cerca de R$ 40 milhões e integra o esforço maior da Cidade Matarazzo, que prevê empregar aproximadamente 12 mil trabalhadores em todo o complexo.
