Você certamente já comprou algo online e precisou devolver: uma peça de roupa que ficou apertada, um eletrodoméstico com defeito ou um produto que simplesmente não correspondeu à descrição do anúncio. Apertar o botão de “devolução” parece resolver o problema — mas o que acontece depois? Para onde vão esses produtos? Eles são destruídos, recondicionados ou revendidos?
A dúvida não é em vão. Até outubro, o e-commerce brasileiro já havia faturado R$ 282,6 bilhões ao longo do ano — uma alta de 18% em relação ao mesmo período de 2024. Mas entre 17% e 30% desse volume é devolvido pelos consumidores, taxa significativamente mais alta do que os 8,9% registrados nas lojas físicas.
Na ponta do lápis, isso significa que até R$ 84,7 bilhões em mercadorias retornaram para as varejistas, movimentando toda uma cadeia de logística reversa que busca equilibrar sustentabilidade, economia e eficiência operacional.
O destino desses produtos devolvidos envolve desde programas de recondicionamento e revenda até parcerias com cooperativas de reciclagem, revelando os bastidores de um processo complexo que ainda está se consolidando no Brasil.
O desafio brasileiro da logística reversa
A logística reversa — processo que gerencia o retorno de produtos da ponta do consumo até a cadeia produtiva — ainda é relativamente recente no Brasil. “Na Europa, está bem estabelecida desde os anos 2000. Aqui, estamos atrasados porque o Brasil ainda está implementando estruturas para comprovar que ela é mais eficiente da perspectiva econômica, ambiental e social”, explica Saville Alves, presidente da Associação Brasileira de Logística Reversa (ABELORE).
Os desafios são múltiplos. Primeiro, a diversidade de materiais e legislações específicas para cada tipo de produto. “Temos diferentes graus de maturidade em cada cadeia”, diz Alves. Por exemplo, enquanto a indústria farmacêutica já possui responsabilidades bem definidas — com as farmácias servindo como ponto de contato com o consumidor — o setor de embalagens enfrenta complexidades maiores, especialmente quando envolve produtos importados e múltiplos elos da cadeia.
Outro fator crítico é o consumo descentralizado. “Quando o consumo é bem centralizado em pequenos grupos de alto volume, é mais fácil destinar do que quando se trata do consumidor final”, observa a presidente da ABELORE. Para os varejistas, surgem questões sobre regulamentação, obrigações legais e, principalmente, quem assume a responsabilidade financeira pelo processo.
Entre as alternativas para tornar a recuperação dos produtos mais sustentável estão o reuso e revenda dos produtos em casos de pequenas avarias (com um aviso ao consumidor e preço reduzido), o reparo, a remanufatura (retorno para a indústria em busca de novas peças) e recondicionamento (restauro próximo ao original, ) dos materiais.
De acordo com Cristiane Cortez, assessora técnica do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo (Fecomercio), a última opção considerada deve ser o descarte em aterros sanitários ou industriais. “Além do custo de coleta e disposição final para o varejo, há o desperdício de insumos que poderiam retornar aos processos produtivos, gerando mais necessidade de extração de recursos naturais e consumo extra de água e energia”, explica.
Para ela, a principal dificuldade das empresas na garantia da sustentabilidade ao longo da logística reversa dos produtos devolvidos está em estruturar um processo ágil e transparente ao consumidor, como canais organizados de atendimento, políticas de devolução claras e uma operação logística eficiente para coleta e reenvio, como explica.
“Além do impacto financeiro, há o custo ambiental associado ao transporte reverso, que pode aumentar substancialmente as emissões de CO₂ por pedido, especialmente em setores como moda, em que a prática de bracketing é comum”, afirma. Bracketing é uma técnica em que o consumidor compra diversas peças para depois devolver tudo o que não lhe agrada. Além de gerar prejuízos para as empresas, a técnica (que já passa a se popularizar em outros setores) gera problemas ambientais e logísticos. De acordo com a Fecomercio, as devoluções podem aumentar as emissões de CO2 em até 30% por envio.
O que fazem as principais varejistas?
Mas como as grandes empresas brasileiras tratam desse tema nas suas operações? A EXAME conversou com as principais varejistas e e-commerce para entender como buscam a sustentabilidade ao resgatar e gerenciar os materiais que são devolvidos.