Veículo: Valor Econômico
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Data: 19/11/2025

Editoria: Assaí, Carrefour, L-Founders
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Exclusivo: CEOs do Assaí e Carrefour global se reúnem – na agenda, venda em queda e cafezinho

Mesa inusitada em canto de loja do Assaí da Penha, zona leste de São Paulo, eleva bolsa de apostas sobre mudanças no alto comando das duas maiores varejistas alimentares da AL
Por Adriana Mattos, Valor — São Paulo
19/11/2025 12h33 Atualizado há 2 horas

Café na mesa dividida entre Alexandre Bompard (terno azul escuro), presidente global do Carrefour, Marco Oliveira (camisa azul clara), CEO do Atacadão, Pablo Lorenzo (camisa branca), CEO do CarrefourCafé na mesa dividida entre Alexandre Bompard (terno azul escuro), presidente global do Carrefour, Marco Oliveira (camisa azul clara), CEO do Atacadão, Pablo Lorenzo (camisa branca), CEO do Carrefour

Um encontro inusitado de pouco mais de meia hora, na tarde da segunda-feira (10), mexeu com o mercado nos últimos dias, elevando a bolsa de apostas sobre mudanças no alto comando das duas maiores varejistas alimentares da América Latina. Numa pequena mesa em canto próximo das frutas e legumes na área de alimentação da loja do Assaí da Penha, zona leste de São Paulo, estiveram juntos o francês Alexandre Bompard, presidente global do Carrefour, Marco Oliveira, CEO do Atacadão, Pablo Lorenzo, CEO do Carrefour Brasil, e Belmiro Gomes, CEO do Assaí.

São quase 100 bilhões de euros ao ano em vendas ali reunidos, algo como R$ 620 bilhões, o bastante para que fornecedores que circulam na unidade todos os dias (ali é também a central de compras do Assaí) vissem no movimento algum sinal de entendimento para associação ou acordo.

Talvez pouco prudente uma conversa na loja, mas foi a melhor ideia que surgiu. Gomes e Bompard nunca haviam se encontrado, e Bompard esteve no Brasil no fim de semana da corrida de Formula 1 — o francês é apaixonado pelo esporte —, então, Oliveira e Lorenzo deram um jeito de colocar os dois juntos para bater um papo sobre o mercado, que não anda nada bem neste ano em termos de volume vendido.

Mas queriam um lugar público, para não correr o risco de contatos em ambiente corporativo, o que poderia gerar mais especulações. Só que a foto em que os quatro aparecem reunidos na loja da Penha começou a circular no mercado rapidamente — o Valor teve acesso à imagem.

“Começaram a falar que o Marco ia assumir o Assaí e o Belmiro, o Atacadão. Você acha que se isso fosse sendo costurado, alguém iria passear junto pela loja em plena luz do dia?”, disse uma pessoa a par do encontro. “Se o Belmiro fosse para a França, ele iria estar tomando um café em Paris com croissant, e não pagando cafezinho ao Bompard na Penha”, disse uma segunda pessoa. O executivo chegou ao Brasil no sábado, dia 10 e voltou à matriz no dia 13.

Na bolsa de apostas, ainda surgiu quem visse ali sinal de contatos para uma fusão, quando as conversas, na verdade, apurou o Valor, giraram em torno de problemas espinhosos: a desaceleração na demanda em 2025.

Em outubro e novembro, as vendas de alimentos no atacarejo, em volume nas “mesmas lojas” para clientes pessoas jurídicas que atendem à classe C, continuam em desaceleração no Assaí, dizem fontes. E no Atacadão, novembro foi mês de recuo no índice de volume em “mesmas lojas”. As empresas não comentam dados antecipados.

Juros, endividamento, consignado e jogos de azar

O ano de 2025 deve fechar com menor crescimento em quantidade vendida no setor em geral em “mesmas lojas” (unidades com mais de 12 meses), mesmo com ganho de renda e emprego acumulados. E a deflação de alguns alimentos também não anda ajudando em nada no faturamento de certas categorias. O mau humor se instalou no atacarejo, e justificativas vão de juros elevados que reduzem poder de compra, endividamento com as novas regras do consignado e gastos com jogos de azar.

Gomes disse a Bompad que o país atravessa aumento de endividamento das famílias por conta dos juros de 15% ao ano, somado a um movimento de R$ 360 bilhões previstos em 2025 em jogos das “bets”, que vem sendo tirados do consumo. Isso se soma a um aumento acelerado da concorrência dentro do atacarejo, mas também do varejo com o atacado, que não existia anos atrás, com a venda em grandes lotes nas lojas para pequenos comerciantes. O próprio varejo do Carrefour já vende hoje no atacado.

Bompard quis entender melhor questões macroeconômicas gerais. “Eles não entraram em temas mais estratégicos ou comerciais”, disse uma fonte.

Além disso, na conversa entre os dois, o Valor apurou que não se falou em eventuais erros táticos. Para alguns rivais regionais das redes, o Assaí e o Atacadão abriram lojas demais, deram um passo maior que a perna, e estão pagando essa conta, perdendo venda em locais onde abriram lojas de terrenos comprados. Foram algumas dezenas de aberturas nos últimos cinco anos. As redes afirmam que têm ganhado mercado nas regiões onde compraram pontos nos últimos anos.

O Assaí adquiriu 70 pontos da rede Extra anos atrás, e o Carrefour comprou unidades do Makro e da rede Big, e boa parte virou Atacadão, numa ocupação acelerada de áreas geográficas especialmente no Sudeste.

Oliveira e Lorenzo alinharam o encontro na agenda de quatro dias livres de Bompard porque queriam que o CEO francês ouvisse de outras fontes no país o tamanho do problema que se instalou no mercado brasileiro. O francês visitou a loja da Penha e outras unidades do Assaí e do Atacadão durante a estadia. Não é incomum esse tipo de contato de Bompard com CEOs globais — ele já esteve com presidentes da Espanha e França para conversas individuais rápidas, mas no Brasil é raridade.

O único contato de Bompard com empresários brasileiros até então era com o acionista Abilio Diniz, morto em 2024, e que era uma espécie de bússola no conselho de administração para a operação local, apesar das eventuais discordâncias que existiam. Sem Abilio, e com o afastamento da Península, empresa de investimentos dos Diniz, essa troca de Bompard ficou mais limitada aos executivos do negócio local, que já vêm abastecendo a matriz de dados.

A dor de cabeça do grupo é que Brasil é o segundo melhor mercado do Carrefour no mundo, e o país precisa ir bem para que a companhia também acelere, e além disso, Atacadão já representa 46% das vendas de todo o grupo Carrefour no mundo, apurou o Valor.

O grupo Carrefour (atacado e varejo) vendeu aqui 4,7 bilhões de euros no terceiro trimestre de um total de 22,4 bilhões de euros no período no mundo, ou cerca de 1/5 do total.

Para se ter ideia dos números públicos já apresentados, o Atacadão teve recuo nas vendas em volume no terceiro trimestre, apesar de ainda ter melhor desempenho que o mercado.

As vendas “em mesmas lojas”, em valor, cresceram 1,3% por conta do efeito inflacionário, que inclusive vem desacelerando — essa alta já foi maior em outros trimestres. O braço de varejo do Carrefour praticamente não cresceu em mesmas lojas de julho a setembro (0,1% de alta). Isso inclui supermercados e hipermercados da rede.

Pelo lado do Assaí, no terceiro trimestre, a cadeia não ganhou “market share” nas vendas “mesmas lojas” em valor frente ao ano anterior, com manutenção no índice. Ao se considerar de julho a outubro, já incluindo outubro que foi um mês melhor, essa venda subiu 1,3% frente a 2024. A empresa vem sentindo a venda menor para clientes pessoas jurídicas que vendem para a classe C, mais endividada neste ano.

Procurados para comentar, Assaí e Carrefour não se manifestaram.

Uma mesa com CEOs à frente de quase 100 bilhões de euros ao ano em vendas reunidos, algo como R$ 620 bilhões — Foto: ReproduçãoUma mesa com CEOs à frente de quase 100 bilhões de euros ao ano em vendas reunidos, algo como R$ 620 bilhões — Foto: Reprodução