O varejo é o setor mais sensível da economia. Quando os juros sobem, ele sente antes. Quando a inflação aperta, ele respira por último. E quando o ciclo muda, ele é o primeiro a sinalizar esperança.
Por isso, olhar para o varejo é olhar para o pulso do consumo e para o humor da economia real. Não é sobre otimismo ou torcida. É sobre entender o ciclo econômico e reconhecer que, no mercado, nada é permanente, nem a dor, nem a euforia.
O que estamos vendo agora é justamente isso: o setor que mais apanhou nos últimos anos começando a mostrar sinais de retorno. E, diferente do que muitos pensam, não é romance. É apenas o ciclo cumprindo seu papel.
A anatomia do ciclo econômico
Para entender o varejo, é preciso lembrar como funciona o ciclo econômico.
- Juros sobem para conter a inflação.
O crédito encarece, o consumo desacelera, e o varejo entra em queda. - A economia esfria.
Empresas ajustam estoques, cortam custos e adiam investimentos. - A inflação recua.
O poder de compra começa a se recuperar, mas o consumidor ainda está desconfiado. - Os juros começam a cair.
O crédito volta a fluir, o consumo retorna e o varejo reage.
Esse movimento é natural. E quem entende que o mercado se move em ciclos consegue navegar com mais serenidade, sem se deixar levar por extremos.
A queda: o varejo como vítima dos juros altos
Quando a taxa Selic começou a subir com força, em 2021 e 2022, o impacto no varejo foi imediato. Empresas endividadas viram seus custos financeiros dispararem. O consumidor, pressionado por inflação e crédito caro, reduziu o consumo.
O efeito foi devastador. Grandes nomes do setor perderam mais de 70% do valor de mercado. Magazine Luiza, Via Varejo, Lojas Renner, Lojas Americanas, todas viram o mesmo filme, cada uma com seu enredo.
O mercado, impaciente, decretou o fim do setor. Mas o mercado esquece rápido que todo ciclo de aperto tem um ponto de inflexão.
O primeiro sinal de virada: estabilização dos juros
Quando os juros param de subir, o mercado já começa a olhar adiante. A expectativa muda antes dos números.
Mesmo com a Selic ainda alta, o simples fato de o Banco Central sinalizar corte já muda o humor do investidor e o apetite por risco. E é nesse momento que o varejo, o mais castigado, começa a respirar.
Não porque os resultados melhoraram. Mas porque a expectativa de melhora já começou a ser precificada. O mercado é um radar do futuro, não um espelho do presente.
O consumo como reflexo da confiança
O consumo é, antes de tudo, um ato de confiança. Ninguém compra uma TV nova se acredita que pode perder o emprego amanhã. Ninguém financia um carro se teme que o juro vai continuar subindo.
Quando o consumidor volta a consumir, não é porque tem mais dinheiro. É porque tem menos medo. E o medo é o que dita o ritmo do varejo. A queda dos juros, a desaceleração da inflação e a melhora do crédito formam o tripé que alimenta essa confiança.
Por isso, o varejo é o melhor termômetro da economia real: ele reage ao estado emocional do consumidor.
O que o mercado está precificando agora
As ações de varejo começaram a reagir bem antes dos balanços mostrarem melhora. E isso é o que confunde o investidor iniciante.
Ele olha para os números e pensa: “Mas a empresa ainda está com lucro fraco, como pode subir?” A resposta é simples: O mercado antecipa a virada.
Quando o fluxo de capital começa a migrar para os setores cíclicos, é porque o investidor institucional já está olhando 12 a 18 meses à frente. Ele não compra o balanço de hoje. Compra o cenário de amanhã. E quem espera os resultados melhorarem para entrar, quase sempre chega atrasado.
O comportamento histórico do varejo em ciclos de recuperação
Nos últimos vinte anos, os ciclos econômicos brasileiros mostraram o mesmo padrão.
- Após 2003: a queda da Selic e o boom de crédito impulsionaram o varejo.
- Após 2016: o início da recuperação econômica pós-recessão também começou pelo consumo.
- Em 2025: o movimento volta a se repetir, com juros estabilizados e com perspectiva de queda em 2026, com sinais de melhora na confiança do consumidor.
O varejo sempre foi o setor que sofre primeiro e se recupera primeiro. Por isso, entender o ciclo é essencial para identificar oportunidades antes que elas virem consenso.
Os desafios ainda presentes
Isso não significa que tudo está resolvido. O setor ainda enfrenta margens apertadas, competição acirrada e mudanças no comportamento do consumidor.
Além disso, a transição digital continua exigindo investimento e adaptação. O varejo que sobreviverá não é o que vender mais, mas o que souber operar com eficiência e flexibilidade.
Mas o fato é que o pior ponto do ciclo parece ter ficado para trás. E os primeiros sinais de recuperação não são narrativas, são movimentos de fluxo e expectativa.
A lição de ciclo: o que sobe, já foi o que caiu
O investidor que entende de ciclo sabe que todo pessimismo extremo carrega a semente do otimismo seguinte. Quando o mercado abandona um setor, ele começa a ficar barato demais. E é nesse momento que o capital mais inteligente começa a voltar. Não por fé, mas por probabilidade.
Isso vale para a confiança do consumidor. Ela não retorna com manchetes positivas, mas com pequenos sinais de normalidade. Um aumento no movimento de lojas, uma melhora no crédito, um otimismo discreto nas pesquisas de intenção de compra.
O humor do consumidor é o combustível da Bolsa
A confiança do consumidor é o elo invisível entre macroeconomia e mercado de ações. Quando ela sobe, o fluxo volta. Quando cai, o capital se retrai.
É uma variável emocional, mas que tem efeitos concretos:
- aumenta o consumo;
- reduz a inadimplência;
- melhora as expectativas das empresas;
- eleva o apetite por risco.
Por isso, o investidor atento ao ciclo precisa monitorar os dados de confiança do consumidor com a mesma atenção que dá para juros e inflação.
O varejo como espelho da economia brasileira
O varejo é o setor que melhor reflete a condição do brasileiro médio. Quando ele vai mal, é porque o país está tenso. Quando ele melhora, é porque a engrenagem voltou a girar.
Essa relação é tão forte que o desempenho das ações de varejo costuma antecipar o movimento do PIB. Por isso, entender o humor do consumidor é entender a alma do ciclo econômico.
Conclusão: não é romance, é ciclo
O que estamos vendo no varejo não é um milagre. É apenas o funcionamento natural do ciclo econômico.
Depois de dois anos de juros altos e pessimismo, o capital começa a girar de novo. E quando o capital gira, a confiança volta. E quando a confiança volta, o consumo renasce.
O mercado não é movido por fé, é movido por expectativa. E a expectativa, hoje, começa a apontar para a recuperação do setor que mais sofreu.
Quem entende isso, não torce. Se posiciona. Porque no mercado, como na economia, a dor é passageira, mas os ciclos são eternos. Nos vemos por aí, com o olhar no gráfico, a mente no ciclo e o coração no tempo certo das oportunidades.