Gigante chinesa da moda rápida, que enfrenta indignação na França, foi criada por um homem que nem os próprios funcionários conseguem reconhecer
Por William Langley, Eleanor Olcott e Adrienne Klasa, Em Financial Times
10/11/2025 09h49 Atualizado há 5 horas
Era para ser um triunfo: a ascensão da Shein das sombras do varejo on-line para uma boutique física permanente em uma das lojas de departamento mais icônicas do mundo em Paris, a capital mundial da moda.
Em vez disso, a gigante chinesa da moda rápida teve de lidar na semana passada com protestos de rua na França, uma tentativa liderada pelo governo de proibi-la de operar no país e acusações de que vendedores independentes em seu site oferecem facões, socos-ingleses e bonecas sexuais com aparência infantil.
Para a Shein, a comoção na França é apenas a mais nova de uma série de controvérsias que têm atormentado sua campanha de anos e em múltiplas jurisdições para se tornar uma empresa de capital aberto. Para seu fundador, Xu Yangtian, avesso à publicidade, essas controvérsias servirão como um lembrete de que campanhas de muita visibilidade têm seus próprios riscos.
“Ele é extremamente discreto e reservado”, diz Hu Jianlong, fundador da consultoria Brands Factory, de Shenzhen, que acrescenta que até mesmo os funcionários da Shein teriam dificuldade para reconhecê-lo se passassem por ele.
“Mas se uma empresa chega a uma escala tão grande, com funcionários em todo o mundo, e aí se prepara para uma oferta pública inicial… Nessa altura, é muito difícil manter um perfil discreto.”
Xu nasceu em Zibo, uma cidade industrial na província de Shandong, no leste da China, segundo fontes próximas a ele.
Mas, embora seu nome apareça ocasionalmente em comunicados de imprensa da Shein, o site da empresa na internet não traz nenhuma foto ou informação biográfica sobre seu fundador. Xu nunca deu uma entrevista a meios de comunicação, raras vezes é fotografado em público e não posta nada nas redes sociais há quase uma década. Existe até certa confusão sobre seu nome em inglês, que ele mudou de Chris para Sky.
Alguns poucos detalhes sobre sua vida antes da fundação da Shein foram divulgados. Nascido em 1983, ele teve seu primeiro contato com o comércio internacional enquanto estudava na Universidade de Qingdao, nos anos 2000, ao fazer encomendas de juntas de vedação, velas de ignição e produtos similares. Depois de se formar, Xu mudou-se para Nanjing, onde abriu uma empresa de comércio eletrônico que oferecia uma gama de bens de consumo diretamente aos clientes. Mais tarde, foi um dos fundadores da Sheinside, uma loja de vestidos de noiva que é a precursora da empresa de moda rápida de hoje.
Os preços baixos e a enorme gama de opções levaram a Shein a um sucesso meteórico nos mercados ocidentais, em especial nos EUA. Algoritmos vasculham a internet em busca das ideias mais comentadas e compartilhadas e as repassam aos designers, que então fazem encomendas a uma rede de cerca de 7 mil fornecedores contratados, muitos concentrados em Panyu, um subúrbio industrial de Guangzhou.
A empresa testa a popularidade dos novos designs por meio de pedidos minúsculos e só encomenda mais depois de ter certeza de que haverá demanda. Segundo uma fonte familiarizada com a empresa, esse modelo permite que a Shein ofereça milhões de modelos ao mesmo tempo, enquanto outras varejistas de comercialização em massa disponibilizam dezenas de milhares.
“Xu conseguiu transformar a agilidade da cadeia de fornecimento em uma arma estratégica, desestabilizando marcas tradicionais como H&M, Zara e Forever 21”, afirma Brittain Ladd, consultora de cadeias de fornecimento americanas que antes trabalhou na Amazon e na Dell.
Mas varejistas ocidentais argumentam que a empresa se aproveita de maneira desleal das isenções de impostos de importação para remessas de baixo valor, conhecidas como “de minimis” nos Estados Unidos, o que lhe permite praticar preços mais baixos do que os concorrentes dos países para os quais exporta.
O fim dessas isenções nos EUA, determinado pelo presidente Donald Trump, e iniciativas semelhantes na União Europeia e no Reino Unido reduziram a avaliação da Shein justamente no momento em que a empresa busca abrir seu capital e ter ações negociadas em bolsa.
O local da abertura de capital também está em mudança constante. Inicialmente, a empresa esperava fazer isso em Nova York, mas acusações de parlamentares de que ela emprega trabalho forçado em sua cadeia de fornecimento a levaram a se concentrar em uma oferta pública inicial em Londres.
Uma divergência entre as agências reguladoras do Reino Unido e da China sobre a redação a ser usada na divulgação de seus riscos levou a uma segunda mudança de rumo, desta vez para Hong Kong, onde a Shein entrou com um pedido confidencial para realizar sua oferta pública inicial. A empresa, que chegou a ser avaliada em até US$ 100 bilhões, hoje é pressionada por alguns investidores a reduzir sua avaliação para cerca de US$ 30 bilhões para acelerar o processo.
“A Shein está em um momento crítico da definição de seu modelo de negócios para os próximos cinco a dez anos”, avalia Sheng Lu, professor da Universidade de Delaware especializado na indústria da moda. “O desafio é o crescimento: como continuar a se expandir, como satisfazer ainda mais seus investidores, em especial se ela precisa pensar em uma oferta pública inicial.”
Em 2023, a Shein lançou um marketplace (shopping virtual) de vendedores independentes, em resposta à concorrência da ágil rival Temu. Isso permitiu que se diversificasse para novas categorias, mas também é a origem de seus problemas na França.
O ministro francês das Finanças, Roland Lescure, classificou os “horrores” à venda no marketplace da Shein como “repugnantes”. Na quinta-feira, ministros anunciaram que todas as suas remessas tinham sido bloqueadas nas últimas 24 horas para que agentes alfandegários as inspecionassem. O governo francês também pediu à União Europeia que tome medidas contra a Shein por desrespeitar as leis europeias e chegou até a sugerir a aplicação de multas equivalentes a 6% de sua receita mundial caso a empresa não as obedeça.
Hoje Xu mora em Cingapura, para onde a empresa transferiu sua sede em 2022. Várias pessoas o descrevem como “tímido” e introvertido. Uma das que trabalhou como ele o descreveu como “um tanto tosco”.
Alguns sócios gostariam de que Xu assumisse um papel mais público antes da abertura de capital da empresa, mas as recentes controvérsias explicam sua reticência. A forte reação negativa na França pode servir só como um lembrete do conforto do quase anonimato.
Policiais franceses isolam área em frente à loja de departamentos Le BHV Marais, enquanto pessoas fazem fila para entrar no prédio que abriga a primeira loja física da plataforma de e-commerce Shein em Paris, na França, inaugurada nesta quarta-feira (5 de novembro de 2025) — Foto: Abdul Saboor/Reuters