O mercado imobiliário de São Paulo vive uma nova tendência: os shoppings estão investindo em empreendimentos residenciais de alto padrão em seus entornos. O movimento busca aproveitar a valorização dos terrenos e a conveniência de morar perto de centros comerciais consolidados, reduzindo a necessidade diária de deslocamento para consumir produtos e serviços. Para os shoppings, o ganho é a recorrência de clientes de alta renda.
Segundo especialistas, o movimento está ligado à busca por aumentar o faturamento dos shoppings diante da queda no número de visitantes, que não voltou ao patamar de 2019, antes da pandemia. De acordo com dados da Associação Brasileira dos Shopping Centers (Abrasce), o número de visitantes mensais em 2019 era de 502 milhões, desabou para 341 milhões em 2020 e chegou a 476 milhões no ano passado. O faturamento do setor de shoppings no País em 2019 foi de R$ 192,8 bilhões e chegou a R$ 198,4 bilhões em 2024, indicando que a rentabilidade por visitante cresceu.
Em 2024, 35% dos shoppings brasileiros faziam parte de um complexo multiuso. Desses, 24% tinham residenciais, ante 18% em 2018. “É interessante porque esse é um movimento de mão dupla. Assim como as incorporadoras estão trazendo o varejo para valorizar seus empreendimentos, os shoppings, por outro lado, fazem a mesma coisa no sentido inverso e constroem no terreno ao lado ou no estacionamento algum empreendimento que vai trazer uma receita adicional para o shopping”, afirma Luiz Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls.
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Center Norte
O Grupo Baumgart, dono dos shoppings Center Norte e Lar Center, prepara um investimento de R$ 2 bilhões na construção do projeto chamado Cidade Center Norte. O empreendimento trará edifícios residenciais de alto padrão para a região, que é mais conhecida por moradias voltadas ao público de média e baixa renda, a Vila Guilherme. A estimativa da companhia é atingir um valor geral de vendas (VGV) de R$ 7,7 bilhões com os lançamentos em até 15 anos. No total, serão mais de seis mil apartamentos residenciais.

O primeiro residencial será o chamado Bioma Cidade Center Norte, que terá três torres e 192 unidades residenciais e plantas com tamanhos de 97, 125 e 165 metros quadrados. O complexo terá também um edifício corporativo com três lajes. O preço médio do metro quadrado residencial é de R$ 15 mil, resultando em uma faixa de preços entre R$ 1,5 milhão e R$ 2,5 milhões. A entrega está prevista para 2028. Os preços dos espaços comerciais ainda não foram definidos.
Com o empreendimento, o maior da região, o grupo visa integrar toda a área entre os shoppings, o Novotel e o Expo Center Norte. Para isso, serão construídos cinco condomínios residenciais, um condomínio de escritórios, uma arena multiuso com capacidade para 20 mil pessoas, um polo de educação e outro de saúde. Os parceiros de negócios ainda não foram definidos. Falta fechar a construtora da arena, a escola e o hospital que vão ocupar os novos espaços planejados.
A ideia por trás do projeto é criar uma espécie de bairro planejado para evitar deslocamentos usando carros. O diretor de desenvolvimento imobiliário na Cidade Center Norte, Ricardo Grimone, afirma que o terreno de cerca de 600 mil m² é um dos diferenciais do projeto, bem como a sua localização. “O desenvolvimento do masterplan (plano estratégico) é muito ancorado pelos ativos existentes. Logicamente, temos o shopping como uma grande âncora. Todo desenvolvedor imobiliário tem um sonho em ter um shopping do lado do seu empreendimento. Mas aqui temos ainda o acesso à Marginal (Tietê) de um lado e a estação de metrô do outro”, afirma Grimone.
Com a mudança no mix de lojas de shoppings que ocorre em todo o País desde o fim da pandemia de covid-19, academias, restaurantes de alto padrão e clínicas de exames laboratoriais têm ocupado mais espaços nesses centros de compras. Com isso, a ideia da conveniência de morar perto de um shopping ganha força. Além disso, a Cidade Center Norte prepara mais de 90 mil m² de área bruta locável (ABL) para fachadas ativas, lojas de rua, que serão geridas pela própria empresa para selecionar uma variedade de negócios que sejam complementares aos dos shoppings.
“Os livros de urbanismo falam na cidade de 15 minutos, a gente fala na cidade de 10 minutos. Partindo do centro, nesse tempo, o morador consegue caminhar por todo o território”, afirma Grimone. Ele conta que 60% dos apartamentos do Bioma já foram vendidos.
Cidade Center Norte


O executivo conta que o grupo estuda a oferta de plantas de apartamentos maiores e menores para os demais condomínios residenciais, incluindo unidades voltadas à locação de curta duração para atender à demanda que deve vir da arena multiuso, que ainda não tem previsão de conclusão. Esses apartamentos podem ficar sob gestão do próprio grupo.
Um dos principais desafios para atrair os consumidores para o novo projeto de apartamentos é a região, que não tem vocação para esse perfil de empreendimento. Na Vila Guilherme, a média de preços de imóveis residenciais de baixo ou médio padrão, que são a grande maioria, ficam entre R$ 250 mil e R$ 500 mil.
De acordo com Otmar Schneider, especialista em fundos imobiliários da Nord Investimentos, os shoppings têm o poder de criar áreas de valorização ao atrair o público de alta renda. “Pode ter uma ilha de valorização, não precisa ser o bairro todo. Mas aquilo que está mais próximo do shopping vai se valorizar muito. Então, mesmo os empreendimentos que não são lançados pela construtora e ficam a 500 m de distância vão ter valorização”, afirma Schneider.
Parque Global
Na zona sul da cidade, o projeto Parque Global, realizado pela incorporadora Benx, já foi concebido com a ideia de ser um bairro planejado com shopping center no centro. Após idas e vindas com administradoras, a Allos prepara o lançamento de um shopping na região, que deve ficar pronto em 2030. O tamanho deve ser comparável ao do Morumbi Shopping.
O entorno do centro de compras será composto por torres residenciais de luxo com preços de cerca de R$ 5 milhões cada. Além disso, o projeto também terá um polo educacional, um hospital de oncologia do Albert Einstein e uma área verde. O terreno tem mais de 200 mil metros quadrados e, no passado, pertencia à antiga Eletropaulo.
“Desde o início, sempre houve o shopping como coração do empreendimento. Essa integração de prédios de luxo com shopping centers é uma tendência crescente no urbanismo contemporâneo. É o conceito do uso misto, que já é batido, mas é real e muito resiliente”, diz André de Marchi, diretor-geral do Parque Global.

Reforçando a ideia de que os projetos associados a shoppings estão por toda a cidade de SP, o grupo Zaffari, varejista e dono do Shopping Bourbon, na Pompeia, também prepara um empreendimento residencial e comercial ao lado do centro de compras, que será interligado por uma passarela. O projeto está em fase de estudo e a empresa não se pronunciou.
O terreno onde o empreendimento deve ser erguido fica na Rua Palestra Itália, em um quarteirão onde hoje há apenas uma pastelaria, que será realocada. Devido ao estádio Allianz Parque, que recebe jogos e shows, a área tem atraído incorporadoras para a construção de apartamentos de locação de curta duração.
De acordo com dados da consultoria imobiliária Binswanger, a região da Barra Funda tem 297 mil metros quadrados (m²) de escritórios, com preço médio de R$ 72,39 por m² e taxa de vacância de 22,9% no terceiro trimestre deste ano. A região é uma das mais baratas da cidade para escritórios, ficando atrás da Chucri Zaidan, Avenida Paulista, Pinheiros e Faria Lima. Os principais ocupantes dos escritórios no bairro são Porto Seguro, WeWork e Kantar Ibope. Com a chegada de mais escritórios, a região tende a ganhar maior representatividade como polo comercial na cidade.
Cidade Jardim
Pioneiro na estratégia, o complexo Cidade Jardim, lançado em 2008 pela JHSF, segue em expansão com novos edifícios e restaurantes. O novo Reserva Cidade Jardim está sendo anunciado como um empreendimento residencial de alto padrão dentro do complexo, com unidades entre 455 e 1.300 m², integração com o shopping, jardinagem e serviços exclusivos.
Quando foi iniciado, o projeto foi desacreditado pelo mercado devido à sua localização. Entretanto, ao longo dos anos, os edifícios de luxo atraíram moradores de alta renda que consomem produtos e serviços no shopping center. Procurada, a empresa decidiu não se pronunciar.