Veículo: Valor Econômico
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Data: 12/09/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Varejo movido a crédito mostra desaceleração “contundente”, dizem economistas

varejo mostra no início da segunda metade do ano uma desaceleração mais clara, cujos indícios apareceram em meses anteriores. A perda de fôlego ocorre em segmentos com desempenho mais ligado à renda, mas de forma mais evidente naqueles que dependem mais de crédito, sob o impacto da taxa de juros e do endividamento das famílias, avaliam economistas. Embora possa passar por variações positivas pontuais nos próximos meses, o volume de vendas do varejo deve seguir tendência de desaceleração gradual. Os estímulos fiscais, incluindo os quase R$ 70 bilhões em pagamento de precatórios, devem ajudar o comércio no curto prazo, mas não devem afetar esse cenário, apontam.

O volume de vendas no varejo caiu 0,3% em julho, ante junho, na série com ajuste sazonal, segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) divulgada nesta quinta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em junho, frente a maio, o comércio havia caído 0,1%. O resultado de julho ante junho veio em linha com a mediana estimada pelo Valor Data, apurada junto a 20 consultorias e instituições financeiras, que era de queda de 0,3%.

No varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o volume de vendas subiu 1,3% em julho, ante junho, já descontados os efeitos sazonais. Apesar de apresentar alta, economistas lembram que a interpretação do dado deve considerar a base baixa de comparação. Em junho ante maio, o comércio ampliado caiu 3,1%, dado revisado após divulgação inicial de queda de 2,5%.

“Nos últimos resultados, com quatro quedas consecutivas do varejo na variação mensal, ainda que algumas muito próximas de zero, fica clara a percepção de desaceleração do setor, principalmente na virada do primeiro para o segundo trimestre e com esse dado do início do segundo semestre”, diz Rodolpho Tobler, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). “O volume do varejo ainda é relativamente elevado no mês, porque tivemos recorde em março, mas já começamos a ver um sinal de desaceleração, de perda de fôlego, e isso era o que se esperava.”

Para Cristiano Santos, gerente da PMC e pesquisador do IBGE, a queda no varejo restrito em julho pode ser considerada como estabilidade. Mas, ao analisar o período de quatro meses até julho, é possível perceber sinais de que o comércio opera em patamar baixo de venda, segundo ele. “Desde março, último mês em que houve crescimento, o setor já registra uma queda de 1,1% nas vendas.”

Além da política monetária apertada, diz ele, os dados refletem também o endividamento das famílias. Isso é perceptível pelo fato de que, na PMC, não somente artigos cuja compra é mais dependente de crédito mostraram recuo em vendas, como também outros, geralmente mais negociados à vista.

As vendas do comércio mostraram recuo, ou queda mais forte, em julho ante junho, em três das oito atividades pesquisadas no varejo restrito. Houve quedas mais intensas, ou retorno a um volume negativo em vendas, em equipamentos e material para escritório, informática e comunicação, tecidos, vestuário e calçados e em outros artigos de uso pessoal e doméstico. O restante dos grupos mostrou fim de queda, ou queda mais fraca, em volume de vendas, no mesmo período. É o caso de hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, móveis e eletrodomésticos, livros, jornais, revistas e papelaria, combustíveis e lubrificantes e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria.

No varejo ampliado, destaca Rodolfo Margato, economista da XP, o volume de vendas caiu 2,5% em julho ante igual mês de 2024, resultado pior que o esperado pela corretora, que estimava queda de 1,9%. Ele ressalta, porém, que o IBGE revisou de forma significativa as vendas de veículos em junho nessa comparação, de queda de 6,7% para recuo de 12,4%, o que explica também a revisão no desempenho do varejo ampliado também para junho, que foi de queda de 3% para recuo de 4,1%. Por isso, diz o economista, o aumento de 1,3% nas vendas do ampliado em julho ante junho deve ser interpretado com cautela.

A magnitude da revisão nas vendas de veículos na comparação com julho do ano passado foi além de “ajuste”, diz João Savignon, economista-chefe da Kínitro Capital. “Trata-se de uma atividade ligada a um setor industrial que naturalmente reflete muito as condições de crédito, condições financeiras e as próprias incertezas com a política tarifária americana.”

O resultado de julho, diz Livio Ribeiro, da BRCG e também pesquisador do FGV Ibre, evidencia que “o vento virou”. Já é possível, avalia, falar em uma desaceleração consistente, com desempenhos divergentes entre os segmentos “renda-intensivos” e os “crédito-intensivos”. “Se ao final do segundo trimestre já havia um debate sobre inflexão do consumo, abrimos o terceiro trimestre com evidências mais sólidas de que esse processo está em curso”, diz.

O grupo do varejo que mais depende de renda, observa Ribeiro, mais representativo no varejo restrito, dá sinais de exaustão, com leve viés negativo. O grupo dos mais dependentes de crédito, mais representativo no varejo ampliado, “mostra evidências contundentes de desaceleração, com destaque para as vendas de veículos automotores e da construção civil”.

A herança estatística para o terceiro trimestre no varejo ampliado, diz Savignon, da Kínitro, é de queda de 0,8% ante o segundo trimestre, com ajuste sazonal. O que não se sabe ainda, lembra, são os efeitos dos estímulos fiscais no terceiro trimestre. Entre eles, quase R$ 70 bilhões em pagamento de precatórios que devem ter efeito em agosto e setembro, podendo escorregar até outubro. Ele calcula que esses estímulos possam contribuir com crescimento de 0,18 ponto percentual para a variação do PIB do terceiro trimestre ante os três meses anteriores. “É difícil estabelecer o timing do efeito desses estímulos, mas esses créditos previdenciários e também de precatórios acabam sendo direcionados a beneficiários com maior propensão marginal a consumir.” O estímulo, porém, não deve alterar a tendência de desaceleração da economia, diz.

Tobler, do FGV Ibre, destaca que o mercado de trabalho ainda muito aquecido, assim como benefícios sociais em nível elevado, devem contribuir para um aumento de consumo, como atenuador de queda do varejo, com o chamado pouso suave. Da mesma forma o pagamento de precatórios, diz, deve servir para amenizar a queda, sem alterar a tendência de desaceleração no ano.

De acordo com as estimativas da XP, diz Margato, o grupo de varejo mais sensível ao crédito contraiu cerca de 3% no trimestre móvel encerrado em julho. A categoria de veículos, motocicletas e autopeças, aponta, se destacou ao cair quase 5% na mesma base de comparação, apesar do ganho de 1,8% em julho, na variação mensal. “As concessões de crédito para aquisição de veículos vêm diminuindo recentemente, em contraste com o forte aumento visto ao longo de 2024.” Sinais cada vez mais negativos também são observados, diz, em materiais de construção, com queda de 3% no trimestre encerrado em julho contra três meses anteriores.

Para Santos, do IBGE, o que ajuda a explicar a alta de 1,8% no varejo de veículos e motos, parte e peças em julho ante junho, é o contexto mais favorável à compra de veículos no mês. A alta veio após três meses de queda. Em julho, diz Santos, houve alta de 2,1% em crédito à pessoa física para aquisição de veículos ante junho, segundo dados do Banco Central (BC) citados pelo especialista. Na comparação com julho de 2024, o avanço do crédito no segmento foi de 1,23%, acrescentou. Outro fator citado por Santos que pode ter ajudado a elevar vendas de veículos no mês foi estímulos do governo na aquisição de carros mais sustentáveis por parte de pessoas físicas.

Luis Otávio Leal, economista-chefe do G5 Partners, ressalta que há, de qualquer forma, perda de vigor no varejo ampliado. No acumulado do ano esse segmento tem contração de 0,2%, observa. E apesar de ainda observamos uma alta de 1,1% em 12 meses, ao fim de 2024, essa mesma métrica indicava crescimento de 3,7%, lembra. “Portanto, considerando que os primeiros indicadores antecedentes de agosto não parecem muito auspiciosos, a cara para o resultado do comércio ampliado no ano começa a não ficar boa, principalmente porque não vemos no horizonte expectativa de melhoria do varejo ligado ao crédito.”

 — Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil