Veículo: Folha de S.Paulo
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Data: 28/08/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Veja atividades econômicas em que há suspeita de infiltração do PCC e outras facções

A atuação de grupos de crime organizado, como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), em atividades econômicas começou neste ano a preocupar executivos e investidores.

Para empresários, gestores de fundos —inclusive internacionais—, economistas e líderes de entidades entrevistados pela Folha, as facções encontram brechas na economia formal, ameaçando não apenas os ganhos de grandes empresas que atuam na legalidade mas também a segurança do ambiente de negócios.

A imagem mostra um grande estacionamento iluminado à noite, com várias luzes brilhantes. Há muitos carros estacionados, incluindo veículos de emergência com luzes piscando. Ao fundo, pode-se ver um edifício grande e iluminado, que parece ser uma instituição pública ou um centro de eventos. O ambiente é movimentado, com várias pessoas visíveis no estacionamento.
Carros da Receita Federal e da Polícia Federal se preparam para operação Carbono Oculto – Divulgação/Receita Federal

“Essa mudança, do crime violento e predatório para os crimes baseados em mercado, é uma realidade global, e o Brasil está nisso, de forma acelerada, porque está cheio de lacunas e de brechas regulatórias —e essas oportunidades são capturadas por organizações criminosas por meio de múltiplos vínculos”, diz Leandro Piquet, coordenador da Esem (Escola de Segurança Multidimensional), do IRI (Instituto de Relações Internacionais), da USP.

Veja abaixo setores em que se investiga a participação desses grupos criminosos

Setores investigados

  • Combustíveis

  • Mercado imobiliário

  • Transporte

  • Clínicas odontológicas e serviços de saúde

  • Serviços de internet

  • Limpeza urbana

  • Setor financeiro

  • Cultura

COMBUSTÍVEIS

Segundo as investigações que culminaram com a operação desta quinta, o PCC praticamente sequestrou o setor de combustíveis. A avaliação das autoridades é que quem quiser entrar nesse mercado fazendo tudo certo não tem condições de concorrer e sobreviver.

Apurou-se que a organização criminosa trabalha com metanol, nafta, gasolina, diesel e etanol. Controla elos da estrutura portuária, a formulação e o refino. Tem frota para transporte e distribuição, postos de abastecimento e, inclusive, loja de conveniência.

A força-tarefa informou que em apenas uma das redes investigadas, com 200 estabelecimentos, as bombas eram viciadas: os consumidores pagavam por um volume inferior ao informado e por combustível adulterado, fora das especificações.

MERCADO IMOBILIÁRIO

Em sua colaboração, antes de ser assassinado a tiros na entrada do Aeroporto Internacional de Guarulhos, o empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach detalhou como o crime organizado estava usando os FIPs (Fundos de Investimento em Participações). Não eram FIPs exclusivos do PCC, mas papéis que recebiam aplicações de investidores em geral.

Um advogado de um importante escritório paulista, que atua na área empresarial, já se deparou com esse problema, que qualificou como gravíssimo para os seus clientes. Afirma que, como as estruturas societárias se tornaram muito sofisticadas, é difícil identificar quem é o verdadeiro dono de uma empresa com quem se faça qualquer transação. Ou seja, o temor de gente séria e honesta é estar trabalhando, sem saber, com o PCC.

 A imagem apresenta um diagrama intitulado 'Operação Carbono Oculto', que ilustra o fluxo de informações e ações relacionadas a uma operação da Receita Federal. À esquerda, estão representados grupos de pessoas e entidades, como 'Membros de redes criminosas', 'Empresas de fachada' e 'Contrabando'. No centro, há setas que indicam a movimentação de informações e recursos, culminando em ações como 'Apreensão de mercadorias' e 'Prisão de envolvidos'. À direita, são mostrados os resultados da operação, incluindo 'Produtos apreendidos', 'Multas aplicadas' e 'Processos judiciais'. O logotipo da Receita Federal está no canto superior direito.
Imagem mostra como funciona o esquema do PCC que resultou na operação Carbono Oculto – Reprodução

O bairro do Tatuapé, em São Paulo, atraiu integrantes da facção criminosa interessados em comprar imóveis que chegam a ultrapassar R$ 5 milhões para lavar dinheiro do tráfico de drogas, segundo o termo de delação ao Ministério Público Estadual de Gritzbach. No documento, ele diz ter conhecimento de mais de dez imóveis negociados para favorecer a ocultação do lucro de atividades ilícitas.

Negócios envolvendo imóvel na Riviera de São Lourenço, no litoral norte paulista, agenciamento de jogadores de futebol e no ramo financeiro aparecem também entre as supostas atividades voltadas à ocultação de patrimônio ilícito.

A imagem mostra um grupo de policiais em um ambiente interno, possivelmente um hotel. Os policiais estão vestidos com uniformes táticos e alguns usam bonés. Eles estão em pé, em volta de uma mesa de recepção, onde um homem está interagindo com eles. O ambiente é bem iluminado, com paredes de madeira e uma iluminação pendente visível no teto.
Agentes da Receita Federal e da Polícia Militar de São Paulo chegam à portaria de prédio em São Paulo para cumprir mandados da operação Carbono Oculto – Divulgação/Receita Federal

TRANSPORTE PÚBLICO

Na operação Fim da Linha, de 2024, foram presos dirigentes de duas empresas de ônibus que também seriam usadas para lavar dinheiro do PCC.

No início de abril deste ano, duas empresas de ônibus que atuam no transporte público da capital paulista foram alvo de uma operação liderada pelo Ministério Público de São Paulo em parceira com a Polícia Militar, Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e Receita Federal.

Segundo promotores do Gaeco, grupo especial de combate ao crime organizado, elas eram suadas pelo PCC em suposta lavagem de dinheiro. As firmas suspeitas chegaram a transportar cerca de 700 mil passageiros diários nas zonas sul e leste da capital paulista.

A facção se infiltrou nas licitações de transporte público sem seguir a cartilha da criminalidade tradicional, segundo os investigadores. Formou uma rede de advogados especializados em concessões públicas, criou as empresas e seus perfis, disputou e ganhou a licitação. A estratégia de combate também precisou ir por outra vertente, mostrando o desafio da situação: denunciar a concessão para tirar essas empresas da operação.

CLÍNICAS ODONTOLÓGICAS E SERVIÇOS DE SAÚDE

Em setembro de 2022, a Polícia Civil prendeu um homem de 42 anos apelidado de “Escobar brasileiro” e suspeito de ser um dos maiores traficantes do país. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, ele era foragido da Justiça.

Pereira teria montado mais de 30 clínicas médicas e odontológicas na Grande São Paulo. Segundo o delegado do caso, em 2010 o suspeito já tinha sido investigado pela Polícia Federal por montar uma empresa de fachada de produtos farmacêuticos.

Em 2020 o PCC também foi alvo de operação da Polícia Civil por ter se infiltrado em serviços de saúde pública na cidade de Arujá, na Grande São Paulo.

INTERNET E CENTRAIS TELEFÔNICAS

Polícia Civil do Rio de Janeiro deflagrou no começo deste mês uma operação para combater provedores de internet suspeitos de ligação com o tráfico de drogas na na zona norte da capital fluminense.

De acordo com as investigações, essas empresas contavam com apoio logístico de criminosos armados, que impediam a entrada de operadoras licenciadas.

O delegado que coordenou a operação disse que o monitoramento revelou a existência de duas empresas principais, cada uma associada a uma facção criminosa. Os advogados das duas empresas negaram qualquer vínculo com o crime organizado e afirmam que ambas são legalizadas junto à Anatel.

PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho também investem em escritórios do crime para aplicar golpes das falsas centrais telefônicas, por aplicativos de mensagens e na internet, segundo investigadores. Com baixo risco, a frente de “negócios” garante retorno às facções, afirmam as polícias Civis de São Paulo e Rio de Janeiro, o Ministério Público paulista e a Polícia Federal.

Especialistas em segurança pública chamam a tendência de “home office criminal”, uma herança da pandemia da Covid-19.

Em dezembro de 2023 a Polícia Civil de SP desmantelou um escritório na região central da capital paulista, no qual 24 pessoas foram presas. Essas sedes funcionam como uma empresa, com trabalhadores coordenados, dezenas de computadores, celulares e máquinas de cartão, além de documentos.

LIMPEZA URBANA

Operação Soldi Sporchi (dinheiro sujo, em italiano), deflagrada pelo 4º Distrito Policial de Guarulhos (Grande SP), visou um grupo de criminosos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) que conseguiu penetrar na administração da cidade de Arujá (Grande SP), por meio de licitações e indicações políticas.

Segundo investigadores, em troca de financiamento para campanha eleitoral, o prefeito eleito teria fraudado licitações para favorecer a facção criminosa, que prestava serviços de baixa qualidade e acima do preço.

FINANÇAS

Para controlar o caminho do dinheiro nas operações, o PCC criou uma estrutura complexa e profissional, com corretora, administração de tipos variados de fundos, incluindo multimercados e imobiliário, além de fintechs, dizem investigadores.

Apurou-se na Operação Carbono Oculto, deflagrada nesta quinta (28), que em alguns casos a facção comprou a instituição financeira já estabelecida no mercado por meio de fundo de participação.

O PCC também passou a usar não apenas uma fintech por operação, mas várias delas interpostas —o dinheiro vai passando de uma para outra como alternativa para impedir o rastreamento. Foi identificado também o uso da conta bolsão, que centraliza múltiplos depósitos, de fontes distintas, para ocultar a origem do dinheiro. Completamente se transparência, a sistemática limita o acompanhamento do fluxo de transações.

A imagem mostra três pilhas de notas de dinheiro empilhadas sobre uma superfície branca. As notas são de diferentes denominações, com a pilha maior contendo notas de valor mais alto. Ao fundo, é possível ver telefones e um plástico transparente.
Pilhas de dinheiro apreendidas na operação Carbono Oculto – Divulgação/Receita Federal

Outro exemplo é a Operação Hydra. Realizada pela Promotoria e pela PF em fevereiro, mirou duas empresas do ramo financeiro que, segundo as investigações, ocultavam os verdadeiros beneficiários de recursos movimentados pela facção.

Representação apresentada por promotores do Gaeco diz que um “sistema bancário ilegal que teria lavado cerca de R$ 6 bilhões”, movimentando dinheiro no Brasil, nos Estados Unidos, no Paraguai, no Peru, na Holanda, na Argentina, na Bolívia, no Canadá, no Panamá, na Colômbia, na Inglaterra, na Itália, na Turquia, em Dubai e, sobretudo, em Hong Kong e na China.

A Febraban, federação que representa os grandes bancos, preocupada com a possibilidade de uso de algumas fintechs por criminosos, defende a antecipação do prazo para que todas essas instituições se regularizem e peçam autorização junto ao Banco Central. Empresas menores do setor e, em geral, mais iniciantes, não são reguladas pela autoridade monetária.

“Embora a concorrência seja bem-vinda e saudável, tem de ocorrer em condições de igualdade, particularmente na observância das regras prudenciais e de prevenção a lavagem de dinheiro”, destacou em nota enviada para reportagem sobre infiltração do PCC.

CULTURA

Uma investigação identificou gente ligada ao crime organizado em agências que cuidam da carreira de funkeiros, sem que os artistas tivessem a menor ideia. Segundo o relatório do Gaeco, de 2019 a 2022 uma empresa cujo ramo de atuação é o agenciamento de artistas e a produção de shows de funk movimentou R$ 173.258.682,90, um aumento de mais de 26.000% em apenas três anos, justamente no período da pandemia de Covid-19.

“Dentre as transações financeiras suspeitas realizadas pelo grupo, destacam-se movimentação de recursos superiores a sua capacidade financeira declarada/comprovada e movimentação de recursos vultosos nos anos de 2020 e 2021, período no qual, muito embora se estivesse no auge da pandemia da Covid-19, justificou-se tratar de bilheterias e vendas em shows”, descreveu o Ministério Público.

De acordo com o Ministério Público, a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico dos denunciados evidenciou que “parte dos recursos movimentados pelo grupo tem como origem o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas, possibilitando a expansão do seu patrimônio por meio do uso de interpostas pessoas, como no caso da extensa fazenda localizada na Paraíba para a criação de gado”.