Veículo: Valor Econômico
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Data: 26/08/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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‘Bigs’ do varejo brasileiro chegam a R$ 1,3 trilhão de venda

A nata do comércio brasileiro ainda cresce mais que o mercado em geral, mas o “gap” entre as taxas de crescimento diminuiu. A aceleração de negócios de pequeno e médio portes, muitos deles no interior dos Estados, atingiu um patamar que já permitiu fechar mais a curva de crescimento entre as empresas.

As 300 maiores varejistas no país somaram R$ 1,3 trilhão em vendas brutas ao consumidor em 2024, empregando 1,7 milhão de pessoas, segundo levantamento realizado pelos consultores Alberto Serrentino, Eduardo Terra e Helio Biagi, fundadores do Instituto Retail Think Tank (IRTT).

Como a lista das redes que compõe o ranking, lançado em 2015 pelos executivos, muda ano a ano, não são bases iguais para se calcular a variação. Mas ao considerar a mesma base, que reúne 212 companhias, a alta foi de 9,6% frente ao ano anterior, com R$ 1 trilhão de venda.

Foram cerca de R$ 200 bilhões a mais em receita no ano passado — isso equivale a quase a venda anual da americana Best Buy, ou a duas vezes o tamanho da ícone de lojas de departamento Macy’s, dos EUA.

Ao mesmo tempo em que essa lista seleta se expandiu 9,6%, a receita nominal do setor, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), avançou menos, 8,2% (varejo restrito, sem incluir automóveis e construção).

Historicamente, o top 300 se expande acima do mercado, mas trata-se do menor “gap” entre os índices gerais e do levantamento, existente há uma década. O Valor publica o relatório todos os anos com exclusividade. O material deve ser lançado na noite desta segunda-feira (25), em evento na Arena Magalu, em São Paulo.

Para efeito de comparação, no relatório anterior, de 2023, enquanto o grupo das 300 avançou 11,4%, o comércio varejista se expandiu 4,1%, ritmo bem abaixo do topo. Passou-se, portanto, de uma diferença de mais de sete pontos, a maior do relatório, para o menor “gap” da década, na relação entre as 300 e o mercado em geral.

Naturalmente, após anos com forte alta nesse grupo seleto, por conta das variações, tende-se a avanços menores em redes mais maduras, mas já houve anos recentes em que o top 300 cresceu dois dígitos por vários anos consecutivos (de 2019 a 2023).

Dessa vez, porém, não só o comércio pulverizado — são seis milhões de estabelecimentos no Brasil — teve um ano forte, como o as 300 perderam algum ritmo, apesar de suas vantagem competitivas, como acesso a capital mais barato e alta escala de compra.

Recuperações e “bets”

O desempenho delas acabou impactado pela fase enfrentada por certos segmentos e redes com peso considerável nesse grupo.

Houve o escândalo contábil da Americanas que ainda a afetou em 2024, mas também foram anunciadas megarecuperações judiciais e extrajudiciais quase que seguidamente, como das redes Dia, Novo Mundo, Polishop e Casas Bahia, todas no top 300.

Obviamente que redes de menor porte também recorreram à Justiça, muitas delas sufocadas por alavancagem alta, e competição pesada com os grandes, mas o peso das recuperações nas cadeias líderes foi relevante.

Além do efeito dos juros, decisões estratégicas equivocadas dos gestores — quando negócios erram, pelo seu tamanho, voltar à rota pode levar tempo — e concorrência pelo bolso do consumidor tiveram consequências no desempenho. Até as apostas esportivas tiraram dinheiro de consumo.

Pela primeira vez, desde 2018, as 300 maiores se expandiram abaixo de 10%, reflexo principalmente do duro ano para as cadeias de eletromóveis, lojas de departamento (incluindo Americanas) e artigos para o lar.

O varejo de moda até saiu do sufoco com a dura competição das plataformas estrangeiras (como Shein e AliExpress), após o fim da isenção do imposto de importação, mas as cadeias ainda sentiram esse impacto em boa parte do ano.

“O avanço do consumo não se acumulou no topo. Como resultado, a concentração de mercado recuou em relação aos anos anteriores”, diz Serretino, do IRTT e sócio da Varese Retail. As cinco líderes se expandiram 8,4% e as 10 maiores, 7,8%, abaixo da média geral.

Sem quebradeira

Chamado “Ranking Top 300 do Varejo Brasileiro Mastercard / IRTT”, o levantamento tem a sua primeira edição neste ano, mas a base de dados é coletada desde 2014, quando o estudo começou a ser feito pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), dos mesmos fundadores do IRTT.

Para os consultores, há uma dominância de certas redes em determinados mercados e regiões, mas não se viu uma consolidação na década seguida de quebradeira de empresas. “Ainda somos um comércio muito regionalizado e disperso pelo país”, afirma Terra.

Para 2025, há uma desaceleração do consumo perceptível na maioria dos segmentos entre segundo e terceiro trimestres, já afirmaram executivos em divulgação de balanços, o que deve ter impacto nos negócios de diferentes portes no próximo relatório do ITRR, dizem Serrentino e Terra. Isso apesar dos ganhos de renda e queda do desemprego, em recuo desde 2021.

“Teremos um top line [venda] pior e um bottom line [lucro] muito distorcido pelo efeito dos juros neste ano. As varejistas resolveram parte da sua pressão em alavancagem entre 2021 e 2023, mas uma taxa de 15% ao ano é muito nociva”, disse Terra. “Já temos empresas com expansão em venda de menos de 1% no acumulado de julho e agosto”, afirma Serrentino.

Os juros no comércio estão em quase 5,5% ao mês, 0,5 ponto acima de um ano atrás, segundo a Anefac, associação dos executivos de finanças.

Isso já voltou a desacelerar a receita das redes de eletromóveis neste ano, mas em varejo e atacarejo de alimentos, como as cadeias têm afirmado em balanços, houve repasse de aumentos de preços aos clientes. E o faturamento pode acabar mais protegido do que em outros segmentos. O Banco Central foi obrigado a subir a Selic após sinais de que o país estava perdendo as rédeas da inflação.

No ranking das cinco maiores estão, nesta ordem, grupo Carrefour, Assaí, Magazine Luiza, RD Saúde (Raia Drogasil) e Grupo Boticário. Considerou-se apenas a venda ao consumidor final incluindo impostos, e excluindo a de terceiros (outros lojistas hospedados nos sites das redes).

O Mercado Livre, maior plataforma on-line no país, não entrou nas 300 listadas porque o grupo tem uma operação muito pequena de venda direta. Em 2024, a plataforma vendeu US$ 11,4 bilhões em receita líquida, cerca de R$ 61,5 bilhões, boa parte obtido em comissões de lojistas e venda de serviços e logística.

A Casas Bahia, em reestruturação desde 2023, caiu de quarto para sexta posição. RD e Boticário subiram um degrau.

Amazon escalou cinco posições para oitavo (passando a Americanas), e GPA, dono do Pão de Açúcar, caiu três colocações para 11º. No caso dos sites de marketplaces, como Shein e Shopee, como eles vendem somas relevantes de lojistas parceiros, não entraram na lista geral, mas têm ranking separado, por valor total movimentado.

Fidelidade e “sacada”

Nos destaques entre as “novas entrantes”, estão aquelas que não estiveram entre as 300 no relatório anterior. Elas podem até já ter registrado vendas fortes nos últimos anos, mas foram identificadas pela pesquisa no ano passado. Parte delas entrou na hora certa em negócios em alta, viu um nicho inexplorado, ou jogou as fichas em vender experiência, o novo jogo do varejo global.

Há marcas referência na área, como Bacio di Latte, criada há menos de 15 anos pelos irmãos italianos Eduardo e Gigi Tonoli e pelo escocês Nick Johnson. Tornou-se nesse período um negócio com fila nas portas e quase R$ 900 milhões em vendas nas cerca de 200 lojas.

Nessa mesma toada, está a Obramax, do grupo dono da Leroy Merlin, que tenta levar o conceito de atacarejo para o material de construção. Em operação há sete anos e com 11 lojas, a cadeia vendeu R$ 1,7 bilhão em 2024 e projeta R$ 3 bilhões neste ano, disse o CEO da cadeia, Michael Reins, em entrevista ao Valor meses atrás.

No grupo das cadeias de atuação local, em um ou dois Estados, a lista das novatas inclui, por exemplo, a paranaense Agricer Supermercados, fundada pelo empresário José Bruno, e hoje com 16 lojas. O negócio surgiu em 1995 como uma mercearia com o nome de “Pérola Verde” em Curitiba (PR).

Potência do varejo regional, o grupo Koch da família de mesmo nome, do município de Antônio Carlos (SC) cresceu 30% em 2024. A primeira loja foi aberta em 1994, quando os irmãos, sem muito dinheiro para investir, venderam o Ford Verona comprado com o ganho das feiras e sacolões, juntaram outras economias e conseguiram adquirir o terreno da primeira unidade, em Tijucas (SC). Em 40 anos, foram de uma banca na feira para um negócio com vendas de R$ 10 bilhões ao ano.

“A gente cresce com nosso capital, evitamos nos endividar e planejamos tudo previamente, temos comitê e auditoria, mas também conseguimos pegar a onda de expansão do atacarejo no país”, disse José Koch, CEO da rede em entrevista ao Valor, em evento em abril.

O fato de conhecerem muito bem o consumidor da cidade ou do Estado onde estão, seus hábitos e necessidades, e ter uma relação de fidelidade com eles, quase uma lealdade à marca, explica parte desse cenário.

País dos supermercados e farmácias

Atualmente, pouco mais da metade de tudo que é vendido no país sai das 300 maiores companhias. Parece uma taxa alta, mas Terra lembra que só as 10 maiores no México, por exemplo, são 57% da venda, nos EUA, 53%, e na Alemanha 82%, segundo dados das empresas de dados eMarketer e Statista.

O peso delas no varejo nacional subiu mais de nove pontos, de 42,6% para 51,9% na última década. Isso é perceptível, principalmente, após 2019, quando a crise da pandemia afetou, primeiramente, negócios pequenos.

Já a participação de mercado das cinco e dez maiores tem avançado mais lentamente nos últimos anos.

Em 2015, por exemplo, o top 5 detinha 11,6% das vendas do comércio brasileiro, e o top 10, 15,6%. Isso foi para 13,5% e 19%, respectivamente, quase uma década depois, em 2024.

Ainda fica claro, pelos dados, que o Brasil continua sendo o país dos supermercados e das farmácias, e ambos avançaram mais. São eles que dominam os espaços nas ruas de grandes capitais e no interior e, somados, são donos de 66% (dois terços) da venda total do comércio. Há dez anos, eram 57%.

Em paralelo, os não alimentos (eletromóveis, moda) encolheram, de 39% para 30% de participação. É algo característico de países em desenvolvimento, com uma massa de consumidores de renda média baixa altamente sensível à inflação e juros, diz Serrentino.

Entre as 300 maiores, estão empresas com faturamento acima de R$ 500 milhões — a última colocada neste ano vendeu R$ 507 milhões no ano passado — portanto, na faixa considerada de grande porte pela metodologia do Fisco.