Veículo: Valor Econômico
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Data: 25/08/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Em mercado saturado, a conexão emocional faz a diferença

Hoje, o marketing não apenas acompanha, mas orienta o caminho de crescimento das empresas. Para Maria Fernanda Albuquerque, vice-presidente global de marketing da Havaianas, a área sempre foi relevante, mas por muito tempo era vista apenas como “o pessoal da comunicação”, chamado depois do processo para contar a história.

“Isso mudou radicalmente. Num mercado saturado, em que qualidade e performance do produto são obrigatórios, o diferencial está na conexão emocional”, diz Albuquerque, que tem mais de 18 anos de experiência em marketing e já passou por empresas como Ambev e Telefônica. Está na Alpargatas desde 2020 e, dois anos depois, assumiu o cargo de vice-presidente global da Havaianas. A seguir, a entrevista:

Valor: Até onde vai o papel do marketing dentro das empresas?

Maria Fernanda Albuquerque: Hoje o marketing não apenas acompanha, mas orienta o caminho de crescimento das empresas. Sempre foi uma área importante, mas por muito tempo era vista quase como “o pessoal da comunicação”, que entrava depois do processo para contar a história. Isso mudou radicalmente. Num mercado saturado, em que qualidade e performance do produto são obrigatórios, o diferencial está na conexão emocional. É a marca que cria esse elo e que decide, por exemplo, quais categorias fazem sentido explorar, quais modelos de negócio precisam mudar, ou até em quais países devemos estar presentes. Isso impacta toda a cadeia: pode levar a ajustes na fábrica, na operação logística ou mesmo na estratégia digital. O desafio é que essas mudanças são estruturais e exigem tempo, mas é justamente nesse espaço que o marketing precisa atuar – no equilíbrio entre decisões de curto prazo e movimentos transformacionais de longo prazo.

Valor: Em debates culturais e sociais, as marcas correm o risco de soar oportunistas. Como separar um movimento legítimo de um gesto apenas publicitário?

Albuquerque: Para mim, tudo começa com a essência. Antes de entrar em qualquer pauta, é preciso se perguntar: essa conversa faz sentido para a marca? Está conectada ao nosso DNA, à nossa história, aos valores que já defendemos? Se a resposta for “não”, melhor não entrar. Porque quando a marca se força a falar sobre algo que não lhe pertence, o público percebe imediatamente a artificialidade. No caso da Havaianas, por exemplo, existe uma ligação profunda com o Brasil, com a diversidade e a democracia de acesso. Isso nos dá legitimidade para participar de discussões que tocam o brasileiro, mas também nos obriga a saber dizer não em outros temas.

Valor: Havaianas é uma das marcas icônicas do Brasil. O que significa lidar com esse peso? Pode dar um exemplo?

Albuquerque: É uma responsabilidade imensa, porque o brasileiro não vê Havaianas apenas como um produto – mas como parte da sua própria identidade cultural. Existe orgulho em ver a marca reconhecida lá fora. E isso tem um lado maravilhoso, porque poucas marcas alcançam esse patamar. Mas também traz desafios, porque todo mundo tem uma opinião sobre a Havaianas. O episódio recente das “encardidas” ilustra bem isso: lançamos uma cor chamada “buttercream” (creme de manteiga), que rapidamente foi reinterpretada pelos consumidores como um “branco encardido”. Em vez de negar, abraçamos a crítica e rebatizamos o produto de Havaianas Encardida. Foi uma decisão que fortaleceu a conexão com o público, porque mostrou humildade e senso de humor. Esse é o tipo de diálogo que precisamos cultivar constantemente.

Valor: Que tipo de liderança definirá o marketing nos próximos anos?

Albuquerque: Para mim, a palavra-chave é curiosidade. O líder de marketing precisa ser inquieto, ouvir o consumidor, estar próximo de diferentes vozes e realidades. Essa curiosidade abre espaço para diversidade – de opiniões, de contextos, de perfis – e reduz hierarquias, permitindo um fluxo de ideias mais rico. Além disso, é essencial saber equilibrar

curto e longo prazo. Em momentos de crise, muitas empresas priorizam só o imediato, mas é o olhar estratégico que garante a sustentabilidade do negócio. Também acredito na consistência: em um mundo cada vez mais acelerado, é papel do marketing voltar ao DNA da marca e preservar sua essência. Por fim, vejo a flexibilidade como um atributo indispensável. O mercado muda a cada dia, e o líder precisa ter jogo de cintura para se adaptar sem perder de vista a estratégia.

Valor: Recentemente, a Alpargatas encerrou a parceria de 30 anos com a AlmapBBDO. Como foi tomar essa decisão?

Albuquerque: Sem dúvida, foi uma decisão corajosa, porque estamos falando de uma das parcerias mais longevas e bem-sucedidas

da publicidade brasileira. Foi como um casamento de muito sucesso, com inúmeras conquistas em conjunto. Mas chegou um momento em que percebemos que precisávamos de novos olhares, especialmente diante da internacionalização e dos desafios que temos pela frente. Não foi um processo abrupto; pelo contrário, foi conduzido com muito respeito, diálogo e transparência. A admiração e o carinho continuam, e acredito que em algum momento nossos caminhos podem se cruzar novamente. O mercado reagiu com surpresa, mas internamente a decisão foi amadurecida de forma muito natural. É isso que permite olhar para frente sem deixar de reconhecer tudo o que foi construído até aqui.