“Quem conhece e consome, sabe o que é luxo sem precisar expor logos.”
“Espero um ambiente especial, um café, um mimo, uma champanhe, mesmo que eu não vá tomar. Isso é fundamental.”
“As compras são para celebrar minhas conquistas na vida e na carreira.”
Afirmações como essas de clientes brasileiros de alta renda compõem pela primeira vez o levantamento feito pela Bain & Company, a pedido do Valor e da revista “Vogue”, sobre o mercado de luxo no país. A segunda edição da pesquisa analisa também de forma qualitativa as aspirações desses indivíduos e revela que as motivações de compra vão além da busca por status, incluindo a experiência de se sentir cortejado, estar incluído em um círculo exclusivo e não ser mais um nome na lista de spam a cada novo lançamento.
Para ser bem-sucedida no Brasil, uma marca, independentemente da fatia do consumo de luxo em que se encaixa, precisaria participar da vida do cliente, na visão desse segmento de consumo. Momentos de interação fora da loja são uma característica apontada pela Bain como norteador dessas novas experiências.
A Tiffany & Co. é um bom exemplo. Entre março e abril, a grife levou ao shopping Iguatemi São Paulo uma versão da experiência do café instalado na icônica loja da Quinta Avenida, em Nova York. Adaptada ao design brasileiro pelo Estúdio Campana e inspirada em uma “gloriette” francesa do século XVIII, o espaço Blue Box Café teve lista disputada entre clientes.
Eles puderam provar desde o “Breakfast at Tiffany’s”, o menu cujo nome remete ao filme “Bonequinha de Luxo” (1961), até opções de combos como o “The Audrey”, uma homenagem à atriz Audrey Hepburn, protagonista do longa, e “Tea at Tiffany’s”.
Prestes a completar 25 anos no país, em 2026, a joalheria ainda criou uma edição limitada da pulseira Lock para o Brasil como forma de comemorar a abertura da flagship em dezembro.
Segundo a diretora-geral da Tiffany & Co. no país, Laurita Mourão, a ideia é “colocar o cliente no centro da estratégia por meio de relacionamentos genuínos e experiências únicas”.
“A marca é apaixonada pelo país e foi uma das [joalherias] pioneiras em abrir lojas aqui, acreditando no potencial do mercado [nacional]”, diz a executiva. O que a joalheria fez na prática foi importar o conceito de união entre gastronomia e moda que movimenta a cena em grandes capitais.
A Prada tem um concorrido café na loja de departamentos Harrods, em Londres, a Saint Laurent, um restaurante japonês em Paris, e a Maison Margiela, um café em Xangai, na China. O Brasil não estava no radar das ativações até a ação da Tiffany.
A CEO da subsidiária brasileira da grife alemã Montblanc, Juliana Pereira, afirma que o país ganha atenção pelo bom desempenho nas vendas e, no caso dessa marca, reconhecida pelos instrumentos de escrita, por performar tão bem quanto os Estados Unidos em categorias de alto valor. Na divisão de relógios, ela diz, Brasil e México chegam a ultrapassar os Estados Unidos em receita.
Os ventos favoráveis para as vendas na América Latina também são registrados pela Bain na pesquisa publicada agora. Nos últimos dois anos, o recorte de joias e relógios, no Brasil, cresceu a uma taxa anual de 15%, a maior do segmento de moda e itens pessoais, e passou a ocupar o quarto lugar na lista de gastos. Embora os campeões de vendas sejam os artigos de couro (25%), vestuário e calçados (24%) e beleza (24%), suas taxas de crescimento foram mais modestas, com taxas de 8%, 12% e 2% ao ano, respectivamente.
“Conseguimos atender ao cliente em todos os momentos da jornada de compra e da vida dele. Às vezes, ele só quer investir em um relógio, mas, em outro dia, está preocupado em se preparar para uma viagem e vem até nós procurar uma ‘trolley’ [mala de mão]. Essa é a beleza de sermos uma marca de estilo de vida, não focando apenas numa categoria de produto”, explica Pereira.
Para agradar aos maiores clientes, a marca dá acesso ao salão de alta relojoaria realizado anualmente em Genebra, na Suíça, onde são apresentados os novos relógios das grifes do grupo Richemont, do qual a Montblanc faz parte. Também promove encontros virtuais entre clientes e executivos da grife, como forma de fazer com que ele “sinta-se parte de algo maior”, segundo a executiva.
Ela acrescenta que há cada vez menos diferenças regionais no comportamento de compra do cliente, e que isso tem levado a marca a apostar na expansão de sua presença em pontos de venda qualificados. “No passado, a gente via um consumo maior de ouro amarelo e rosé no Nordeste e no Centro-Oeste, por exemplo. Hoje, não há essa segregação, temos um consumo importante dessas tonalidades também no Sul do país”, afirma.
A oferta de produtos de ponta de linha é ponto-chave na saúde dos negócios de grifes que querem atrair o consumo de alta renda. Não adianta praticar preços altos sem motivo que os justifique. “Nem sempre o luxo é o melhor: eu avalio criteriosamente o que vale meu investimento e não é qualquer coisa”, disse um dos clientes ouvidos pela Bain.
Uma das marcas que navega bem na fatia de etiquetas que conseguem atingir tanto afluentes quanto a população mais rica, a “high net worth”, a francesa Lacoste tem trabalhado para diversificar a oferta em lojas tanto de seu item mais básico, a indefectível camiseta polo com jacaré costurado, quanto a linha de passarela, mais luxuosa e cara.
O segredo da operação, segundo o CEO da Lacoste para a América Latina, Pedro Zannoni, é “combinar produtos importados com peças desenvolvidas e produzidas localmente”.
“A abordagem local garante maior agilidade nos processos, fortalece nossa competitividade e reflete o estilo e as preferências do consumidor brasileiro, com itens que se adaptam perfeitamente ao clima, às tendências e ao estilo de vida da região”, diz.
Essa abordagem permitiria à grife, afirma o executivo, atender “desde o consumidor mais clássico e atemporal, até os jovens conectados às tendências, além dos consumidores esportivos que priorizam performance combinada com elegância”.
Deu certo. Zannoni afirma que, no último encontro das divisões globais da Lacoste, em Paris, o mercado latino-americano apresentou números fortes e os destaques foram Brasil e Argentina. Tanto é que o programa de fidelidade Clube Lacoste, que oferece benefícios e acesso dos clientes a experiências, será “lançado em breve na região”.
Experiência e a lógica do clubismo são os diferenciais da Barts & Co., uma startup de tecnologia com foco em luxo lançada há cerca de um ano por um dos herdeiros do grupo Grendene, Alessandro Bartelle.
Por meio de um modelo de óculos de realidade virtual, a empresa promove uma imersão em modelos de apartamentos de alto padrão à venda em diferentes lugares. Os protótipos são feitos com computação gráfica dentro da empresa (os modelos são aprovados pelas construtoras), e a Barts fica com um percentual de até 8% da venda da unidade.
Nos últimos 12 meses a empresa fechou um VGV (valor geral de venda) de R$ 240 milhões e, atualmente, tem em sua base 15 empreendimentos de incorporadoras como Cyrella e Gafisa. “Esse tipo de cliente muitas vezes não tem tempo de ir até um estande ou de pesquisar dezenas de propriedades para fazer um investimento tão alto. Nossa ideia é ir até ele com esse cardápio e oferecer uma imersão completa no projeto”, explica.
Por isso, ele faz “road shows” nas cidades onde estão os quase 4 mil possíveis clientes de sua base de contatos e, em jantares privados com até dez casais, apresenta os projetos. “Em 40 minutos, você consegue ver de cinco a seis empreendimentos e saber exatamente o que cada incorporadora entrega. É uma plataforma ideal porque esse cliente quer fazer uma escolha certeira e não ter alguém tentando a todo custo provar por A mais B que um produto é melhor que o outro”, diz. Ele afirma que o próximo encontro será em Goiânia.
A finalização do primeiro ciclo de investimentos da Barts & Co. será abrir a Casa Barts, localizada na avenida Faria Lima, em São Paulo. O espaço de eventos se propõe a realizar apresentações e “road shows” de marcas de alto padrão que queiram se conectar ao cliente qualificado.
Bartelle afirma ter conversas adiantadas com três estaleiros e deve começar a vender também iates por meio dos óculos de realidade aumentada quando a Casa Barts abrir, ainda neste semestre.
Esse segmento, de acordo com o estudo da Bain & Company, movimentou R$ 2,1 bilhões em 2024. A taxa anual de crescimento de 12% foi impulsionada principalmente pela categoria de embarcações de 15 a 24 metros e pela entrada de novos perfis de consumidores. As feiras náuticas, hoje, representam 70% das vendas dessa categoria.
Se confiança no serviço entregue e disponibilidade de escuta são motes perseguidos pelo varejo qualificado, no alto luxo elas são regras inegociáveis. Quando se trata de serviços de saúde, a “experiência de compra” se soma a esses fatores como pilares da credibilidade.
Segundo o estudo da Bain, o foco em medicina preventiva e longevidade fez crescer a existência de programas voltados à extensão da saúde, como terapias anti-inflamatórias, metabólicas e hormonais. A genômica ganhou espaço nesse contexto, junto ao monitoramento contínuo da saúde global do paciente.
A receita nos hospitais de alto padrão em 2024 cresceu 32% em relação a 2022, sendo 20% desse incremento resultante do aumento do tíquete médio nos gastos, devido à complexidade e sofisticação dos serviços. Nos laboratórios, a demanda por exames especializados e check-ups premium fez crescer as receitas dessas empresas em 29% no mesmo período.
A dermatologista Maria Bussade, dona do grupo MB Health, especializado em procedimentos estéticos a laser e na saúde da pele, acompanha esse novo perfil de paciente. Ela oferece programas em suas clínicas a partir de uma receita holística que integra, além da estética, endocrinologia, nutrição, medicina vascular e tricologia. Ao todo, ela emprega 45 médicos.
Para Bussade, que irá despender R$ 3 milhões na expansão tecnológica e de espaço da sede de sua clínica no Jardim Europa, em São Paulo, a saúde atravessa um momento em que “há muito uso de técnicas ‘off-label’, que causam dúvidas e receios nos pacientes”. Por isso, esse cliente de alta renda investiria “mais em credibilidade [nos hospitais, laboratórios e clínicas de referência], ciência mesmo, traduzida para a prática diária”.
“No caso da dermatologia, ela foi invadida, ou pulverizada, em muito marketing. Os pacientes estão correndo longe dessa abordagem, do modismo, do fazer só por fazer. […] Viemos de uma geração mais bem cuidada, com pele linda, mas agora temos novos desafios”, diz.
Ela cita, por exemplo, que mais de 70% de seus pacientes usam canetas emagrecedoras e lidam com efeitos nefastos do emagrecimento rápido.
“Temos uma epidemia do que chamo de ‘face de GLP-1’ [o receptor ativado por medicamentos como Ozempic e Mounjaro, que estimulam a produção de insulina e tiram a fome]. Sem acompanhamento, esse paciente muitas vezes chega com um rosto sem elasticidade [pele flácida] e corpo desnutrido, por causa de uma dieta extremamente hipocalórica. Faço os procedimentos [na face] e mando direto para nutrição. Perde-se peso de forma mais lenta, mas os benefícios para o corpo são visíveis”, explica.
“É essa experiência do cuidado integrado, com credibilidade e procedimentos de ponta, que diferencia a experiência médica dita ‘de luxo’. E isso vale para todas as áreas.”