Sensibilidade, tecnologia e muita atenção aos aprendizados entram em doses iguais para compor o ambiente fértil do Grupo Boticário, que se destacou na edição 2025 do SXSW
Por Katia Simões
19/08/2025 20h49 Atualizado agora
Pincéis que facilitam a aplicação de maquiagem foram cocriados com a comunidade Beleza Livre — Foto: Divulgação
Sete anos se passaram da concepção da ideia até a criação do protótipo do primeiro “batom inteligente” do mundo, desenvolvido pelo Grupo Boticário em parceria com o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), a startup Neurobots e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Com uso de inteligência artificial e visão computacional, o batom permite que pessoas com deficiência visual ou limitações motoras nos membros superiores usem a maquiagem de maneira autônoma. Basta acionar um botão para o sistema fotografar o rosto do usuário, mapear seus lábios, aplicar o batom e realizar uma foto de verificação do resultado. Tudo em cerca de dois minutos. Entre engenheiros, designers, especialistas em UX (experiência de usuário) e diversidade, 42 profissionais atuaram no projeto.
A invenção venceu a categoria popular do SXSW Innovation Awards 2025, maior festival de inovação e tecnologia do mundo, sendo a única da América Latina entre as 54 concorrentes. Também foi uma das referências que levaram o Grupo Boticário a conquistar em 2024 a certificação ISO 56002, que atesta a capacidade da companhia em desenvolver e implementar processos inovadores. Criada em 2019, a certificação foi obtida por apenas 200 empresas ao redor do mundo, sendo o Boticário a primeira do mercado brasileiro de beleza. Essas e outras realizações levaram a companhia a ficar em sétimo lugar entre as mais de 260 grandes empresas avaliadas na pesquisa do anuário Valor Inovação Brasil 2025.
“Nosso propósito é transformar a vida das pessoas por meio da beleza”, afirma Fernando Modé, CEO do Grupo Boticário. “E a inovação é o motor que nos impulsiona a criar experiências completas, relevantes e sustentáveis para nossos clientes. Resulta da combinação da potência do Grupo Boticário com a capacidade de atuar como uma grande plataforma conectora”.
Modé enfatiza que o ano de 2019 marcou uma virada de chave na trajetória da companhia. Foi quando o Boticário decidiu ampliar a área de tecnologia, de olho no futuro e antecipando as necessidades específicas de um ecossistema complexo e com diversas particularidades. “A equipe saltou de 200 para três mil colaboradores, sendo 500 só na área de dados e inteligência artificial. A divisão de P&D conta com 400 profissionais”, afirma. “Temos a inquietude como marca e nos desafiamos o tempo todo a fazer mais e melhor.” Desde então, o Boticário vem incrementando sua estrutura interna e avançando nas parcerias no Brasil e no exterior.
De acordo com o CEO, trabalhar em parceria sempre fez parte do cotidiano do Boticário. A rede inclui instituições como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e Universidade de Berkeley, na Califórnia. “Em 2023, inauguramos o espaço Habitat Senai Corporações, com o propósito de estabelecer uma parceria entre o Senai Paraná e corporações brasileiras e estrangeiras que desejam realizar projetos de educação, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Elas podem usar a infraestrutura, os serviços de consultoria e a pesquisa aplicada”, afirma Modé. “Investimos em centros de pesquisa que se dedicam a compreender diferentes aspectos relacionados a inovação.”
Um bom exemplo, segundo o executivo, é o Centro de Pesquisa do Olfato, que reúne pesquisadores, médicos, especialistas em neurociência, perfumaria e comportamento humano com foco na ampliação do conhecimento sobre olfato, suas influências emocionais, diversidade sensorial e tendências futuras. A mais recente investida é o Centro de Pesquisa da Mulher, em parceria com o hub de startups do Hospital Israelita Albert Einstein (também entre as dez primeiras colocadas na pesquisa do anuário Valor Inovação Brasil 2025), dedicado a fomentar estudos sobre o cuidado feminino da puberdade à menopausa. O centro integra um plano de investimento de R$13 milhões em pesquisas científicas neste ano.
Fernando Modé, CEO: tecnologias precisam atender à diversidade de consumidores — Foto: Gabriel Reis//Valor
A interação com startups tem se intensificado. Desde que foi criado, em 2021, o Programa de Aceleração — voltado a startups do segmento de beleza e varejo — impulsionou 29 negócios. O grupo prevê investir R$ 100 milhões no ecossistema de startups nos próximos quatro anos por meio do seu fundo GBV.
“Nos últimos dois anos, focamos na ampliação da personalização de experiências por meio de inteligência artificial”, afirma Modé. “Em 2024, especialmente, o centro das atenções foi o fortalecimento do uso de tecnologias que atendam à diversidade do consumidor brasileiro, sempre conectando ciência, bem-estar e propósito.”
Os novos pincéis acessíveis da marca de maquiagem Make B sintetizam esse esforço na prática. Foram cocriados com pessoas com deficiência visual da comunidade Beleza Livre — grupo on-line de codesenvolvimento, formado por mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+, com deficiência e idade superior a 45 anos.
São cinco modelos de pincéis articulados com um mecanismo interno que facilita a aplicação, principalmente por quem tem limitações motoras, fraqueza muscular ou deficiência física nos membros superiores.
Paralelamente, o Boticário investiu no fortalecimento do ecossistema digital, expandindo os produtos financeiros para a base de revendedores e criando soluções omnichannel que integram cada vez mais os mundos físico e digital. Foi com esse propósito que nasceu o GDEM, produto digital proprietário que tem a função de prever demandas de todas as marcas e negócios do Grupo Boticário.
“Com inteligência de dados e projeções confiáveis, é possível ter maior assertividade no momento de planejar a produção industrial de curto, médio e longo prazos”, afirma Modé. Outro sistema proprietário é o LYRA, que simula testes de cor, viscosidade e pH, acelerando etapas críticas e garantindo mais eficiência antes da produção em laboratório.
O Grupo Boticário se empenha em manter um ambiente de aprendizado, colaboração e transparência, afirma o CEO. “Estimulamos nossos mais de 20 mil colaboradores a atuarem como agentes de inovação, com novas ideias, melhoria de processos ou criação de produtos.” Segundo ele, os erros impulsionam novas descobertas. “O erro é a ponte para a inovação. Mais importante do que errar ou acertar é inovar a partir dos aprendizados”, observa.
De acordo com o CEO, a estratégia de ecossistema multimarca e multicanal, junto com centralidade no cliente, inovação e operação fabril e logística bem ajustada, levou o Grupo Boticário a registrar em 2024 a marca de R$ 35,7 bilhões em vendas totais (GMV — Gross Merchandise Volume), um crescimento de 19% em relação a 2023. “Em média, colocamos cinco mil novos produtos no mercado por ano, além de reformular outros dois mil”, diz Modé. “No ano passado, 27% do GMV foi proveniente de produtos lançados há menos de 12 meses.”
O Grupo Boticário tem presença em 40 países, mais de quatro mil lojas distribuídas por 1.701 cidades e 110 mil pontos de venda no varejo. Conta com três fábricas: em Camaçari (BA), São José dos Pinhais (PR) e São José do Rio Preto (SP). E anunciou que essa estrutura vai crescer, com a construção de uma nova fábrica, em Pouso Alegre (MG), onde serão produzidas as linhas hidroalcoólicas, que incluem itens de perfumaria, cremes e loções. A unidade deverá começar a operar em 2028.